Favela Real Parque, em São Paulo: ONG dará consultoria a empresas que quiserem tocar projetos sociais na periferia (Levi Mendes Jr.)
Da Redação
Publicado em 28 de maio de 2013 às 19h04.
São Paulo - O Edifício Altino Arantes, conhecido como Banespão, é um dos mais emblemáticos de São Paulo. Localizado no centro da cidade, proporciona uma das vistas mais completas da região. É lá que passa a funcionar neste mês a sede paulista da ONG carioca AfroReggae.
Com o nome de “escritório de representação”, essa será a primeira unidade da organização fora do Rio de Janeiro, onde foi fundada em 1993. “Nunca quis tirar o projeto de lá. Não faria sentido, já que existem tantas ONGs sérias espalhadas por todo o Brasil”, afirma José Junior, coordenador executivo e fundador do AfroReggae.
Mesmo sem nunca ter pensado em levar o projeto para outras áreas, Junior sempre recebeu diversas propostas para replicar a organização em várias partes do país. Rejeitou todas, até o dia em que ouviu uma ideia boa o suficiente para convencê-lo a fazer o AfroReggae cruzar as fronteiras fluminenses.
O escritório da organização em São Paulo não será bem uma filial, com os mesmos projetos feitos no Rio. É como se o AfroReggae começasse uma nova operação praticamente do zero. Enquanto no escritório central são desenvolvidos 40 projetos próprios, que variam desde blocos de Carnaval até negociação de conflito armado, em São Paulo a ONG vai trabalhar principalmente como uma intermediária entre as empresas e a periferia.
Na prática, será uma espécie de consultoria para quem quiser desenvolver os próprios projetos. O primeiro parceiro nessa linha de trabalho já está definido: será a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que quer se aproximar dos empreendedores das periferias. Procurada, a Fiesp afirmou que o projeto ainda está em fase preliminar e que, por isso, não poderia comentar suas perspectivas.
A única exceção à política de não repetir as experiências do Rio de Janeiro no novo escritório será o programa Empregabilidade. Criado em 2008 para encaminhar ex-detentos e outros envolvidos com o crime ao mercado de trabalho, o projeto já conseguiu colocação para mais de 4.500 pessoas em 50 empresas parceiras.
“É muita gente, mas, se você pensar no universo que podemos atender, não é nada”, diz Junior. Entre os beneficiários está Luciano Barbosa da Silva, de 29 anos. Sua história começa há cerca de cinco anos, quando Lulinha, como é conhecido, trabalhava para o tráfico na comunidade de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, e foi desafiado por Junior a abandonar o crime.
Uma semana depois da conversa, Lulinha sobreviveu a uma guerra no morro. “Para mim, foi um sinal. Liguei para o Junior na hora dizendo que aceitava sair daquela vida.”
Ele foi encaminhado para o Empregabilidade e logo assumiu a função de auxiliar de pátio em um dos estacionamentos da rede Estapar. Trabalhou lá durante três anos e chegou a ser promovido a caixa. Há um ano e meio, Lulinha trabalha no Comitê Olímpico Brasileiro, onde é auxiliar esportivo, uma espécie de faz-tudo. “Nunca mais pensei em voltar para a criminalidade”, diz.
Em geral, as parceiras no projeto Empregabilidade são empresas do setor de serviços, como a rede de estacionamentos Estapar, os supermercados do Grupo Pão de Açúcar e os restaurantes da Vivenda do Camarão. “Em dois anos, já tivemos mais de 50 funcionários vindos do Empregabilidade”, diz Carla Matias, diretora de marketing da Vivenda do Camarão.
“Como já conhecemos o funcionamento do projeto e sabemos dos bons resultados desses empregados, certamente vamos aproveitar essa expansão do AfroReggae para outros estados”, afirma. Com a vinda do Empregabilidade para São Paulo, a ONG vai aproveitar para corrigir o que Junior considera uma das maiores falhas do projeto.
“Como a Fiesp é nossa parceira, vai ser possível oferecer cursos profissionalizantes para esse pessoal”, diz. Hoje, o AfroReggae apenas encaminha as pessoas aos empregadores, geralmente para funções de menor qualificação e maior rotatividade. Com os cursos, Junior acredita que será possível oferecer funções mais bem remuneradas aos participantes do programa, além de fazer com que eles tenham uma especialização. Em breve, os cursos profissionalizantes devem também ser adotados no Rio de Janeiro.
O AfroReggae tem metas ousadas para o escritório de São Paulo. Apesar de não falar em número de pessoas que podem ser atendidas pelo Empregabilidade na cidade, a ONG acredita que logo a representação paulista poderá centralizar a coordenação de algumas ações. Por causa da qualidade da mão de obra, tudo o que for ligado à área digital deve ser transferido para a capital paulista.
Para coordenar o novo escritório, Junior buscou alguém que conhecesse tanto as particularidades do AfroReggae como as da cidade. O escolhido foi Roberto Pacheco, o Betho, paulistano de nascimento e funcionário do AfroReggae há 13 anos.
A estruturação do Empregabilidade em São Paulo também será feita por um nome de peso na organização — Chinaider Pinheiro, atual coordenador do projeto no Rio de Janeiro. “Além disso, estarei sempre em São Paulo. No começo, ficarei mais no novo escritório do que no Rio”, diz Junior.
“Essa nova operação é tão importante para a gente que cheguei a pensar em assumir pessoalmente a coordenação.” O escritório iniciará suas atividades com seis funcionários, mas a expectativa é que o quadro chegue a 40 pessoas. No Rio de Janeiro, o AfroReggae tem 400 empregados.
Para garantir a viabilidade da nova unidade, Junior recorreu a parceiros de longa data, que já apoiavam o AfroReggae antes mesmo de sua vinda para São Paulo. Ao lado da Fiesp, o Banco Santander é o maior financiador da organização na capital paulista. Além do apoio aos projetos, o Santander, que é dono do edifício Banespão, forneceu o espaço para as atividades do AfroReggae.
“A ida para São Paulo é até uma forma de pagar essa grande dívida que temos com a cidade. Sem apoios tão pesados, seria impossível fazer um bom trabalho”, afirma Junior.