(TV Globo/Divulgação)
Claudia Gasparini
Publicado em 8 de fevereiro de 2018 às 16h39.
Última atualização em 9 de fevereiro de 2018 às 10h26.
São Paulo — Cenas da novela “O outro lado do paraíso”, exibida pela TV Globo, viraram motivo de debate e controvérsia entre psicólogos e profissionais de coaching nesta semana.
Em carta divulgada na última segunda-feira, o Conselho Federal de Psicologia afirmou que o folhetim presta um “desserviço à população brasileira” ao sugerir que a personagem Laura (Bella Piero), abusada sexualmente pelo padrasto na infância, poderia ser tratada pela advogada e coach Adriana (Julia Dalavia) com sessões de hipnose.
Para o Conselho, a novela trata o assunto “com simplismo e interesses mercadológicos”. A nota também afirma que “pessoas com sofrimento mental, emocional e existencial intenso devem procurar atendimento psicológico com profissionais da Psicologia, pois são os que têm a habilitação adequada”.
Em meio à controvérsia, a Globo divulgou um comunicado reforçando que a novela é uma obra de ficção, sem compromisso com a realidade, e que a trama deseja mostrar “o processo pelo qual passa uma pessoa que precisa de ajuda, recorrendo a diferentes e variadas formas de apoio e terapias, das mais às menos ortodoxas”.
Um detalhe que ateou ainda mais fogo à discussão é que a cena em que a personagem Adriana fala sobre coaching foi uma ação de merchandising do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC).
O Instituto admitiu ao site VEJA que pagou pela ação promocional no folhetim da Globo, mas não divulgou o valor investido. Marcus Marques, filho do fundador do IBC, classificou a reação das redes sociais ao merchandising na novela como “exagerada”.
Na trama, a personagem teve um bloqueio de memória por causa da profundidade do trauma sofrido na infância. Ela não se lembra dos abusos do padrasto e não sabe dizer por que tem problemas sexuais com o marido.
“A advogada Adriana ainda não sabe que a garota tem um trauma, ela apenas se propôs a ajudar Laura com uma conversa”, disse Marques ao site VEJA. “O IBC espera que ela encaminhe a menina para uma terapia, mais adiante na novela, quando perceber que a questão é séria”.
O site EXAME solicitou pronunciamento oficial do IBC, mas não obteve retorno até o momento.
Recente no Brasil, a profissão do coach ainda é cercada por dúvidas e mal-entendidos. Pudera: entre 2010 e 2014, o número de coaches no país saltou 300%. Esse crescimento desenfreado atrapalha a reputação da profissão, que não é regulamentada no Brasil. Profissionais sérios muitas vezes são confundidos com charlatões — e vice-e-versa.
Além de tomar cuidado para não contratar um picareta, é preciso delimitar as situações em que o coaching é indicado.
De acordo com o coach João Luiz Pasqual, esse tipo de serviço é voltado para quem busca explorar situações do presente com o intuito de pavimentar um futuro desejável. “O objetivo é trabalhar por um tempo pré-determinado para realizar uma transição, levar a pessoa do ponto A ao ponto B, algo que fica combinado desde o início”, explica ele.
Sessões de coaching são úteis, por exemplo, para quem precisa passar por uma transição na sua carreira ou vida pessoal.
A coach Eva Hirsch Pontes lembra o caso de uma cliente que trabalhou a vida inteira no mundo empresarial até que decidiu largar tudo para seguir carreira acadêmica. “Ela queria transformar algo na sua vida e precisava se preparar para isso”, explica. “Hoje ela está feliz como professora”.
Além disso, o coaching serve unicamente para desenvolver competências comportamentais. Ele não é serve para melhorar a sua oratória ou desenvolver raciocínio lógico, por exemplo. Por outro lado, é possível desenvolver aspectos como liderança, negociação, adaptabilidade, criatividade, automotivação e trabalho em equipe.
Em artigo para a revista VOCÊ RH, a psicóloga Vicky Bloch explica que “o coaching é recomendado em situações como mudanças de perfil da função do executivo, adaptação a novas culturas ou um novo momento da empresa, como reestruturações organizacionais”.
“Muitas vezes, o termo coaching é aplicado livremente, e até irresponsavelmente, para descrever qualquer atividade de aconselhamento. Esse uso indiscriminado da palavra dificulta o trabalho de quem atua seriamente no ramo e prejudica quem contrata o serviço”, escreve Bloch, que é sócia da Vicky Bloch Associados e professora nos cursos de especialização em RH da FGV-SP e da FIA.
Em artigo para o site EXAME, Sofia Esteves, fundadora e presidente do conselho do Grupo DMRH, reforça que coaching não é “terapia ou psicoterapia, treinamento, aconselhamento nem mentoring”. “Saber disso é muito importante para que você não perca tempo, dinheiro e não atinja seus objetivos finais”, recomenda ela.
Os limites conceituais são motivo de confusão quando o assunto é life coaching, um enfoque da atividade mais ligada às questões pessoais do que profissionais.
Em entrevista à VOCÊ RH, Jorge Oliveira, ex-presidente da ICF (International Coach Federation) no Brasil, diz que o life coaching é um conceito muito próximo da terapia. “A diferença é que o terapeuta vai lidar num nível mais profundo e mais abrangente. Vai querer desatar os nós. O life coach vai lidar com questões mais específicas. É algo mais circunstancial, definido e delimitado. Um comportamento mais claro e operacional”, explica ele à revista.
Independentemente do enfoque, a atividade não é equivalente à psicoterapia. “Você vai trabalhar traumas, questões emocionais e situações do passado com um analista, não com um coach”, resume o coach João Luiz Pasqual.