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Nova geração de líderes precisa ter espírito de fundadores, diz professor do MIT

Professor John A. Davis, do MIT Sloan School of Management, explica que a mentalidade dentro das empresas tradicionais precisa mudar no pós-pandemia

 (Constantine Johnny/Getty Images)

(Constantine Johnny/Getty Images)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 31 de dezembro de 2020 às 09h00.

Após um ano de tantas mudanças, como as lideranças das empresas devem encarar o próximo ano? Segundo professor John A. Davis, criador do Modelo dos 3 Círculos para gestão de empresas familiares e fundador da Cambridge Family Enterprise Group, o sucesso no pós-pandemia (e todas as próximas crises) será daqueles com mentalidade inovadora.

“As coisas estão mudando muito, e o lado bom que é a geração atual ama experimentar e não quer fazer as mesmas coisas de sempre e do mesmo jeito. Eles são menos tradicionalistas. Acho que a nova geração de líderes precisa ter o espírito dos fundadores”, fala.

O professor do MIT Sloan School of Management, em entrevista exclusiva para a Exame, contou que ama essa ironia: os fundadores das empresas criaram negócios de sucesso por saber experimentar e reagir a mudanças na sociedade. No entanto, as gerações seguintes na direção acabam se tornando mais conservadoras no negócio. Para o futuro, no entanto, é necessário resgatar esse espírito de inovador.

Segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 90% das empresas no Brasil são de origem familiar – a especialidade de Davis.

“Muito do meu trabalho atual está focado em entender como os negócios familiares estão mudando. E muito da mudança é impulsionada pela tecnologia. Parte também envolve mudanças sociais, como o aumento da longevidade das pessoas ou os millenials entrando num mercado em disrupção e se afastando de negócios tradicionais”, comenta ele.

Davis explica que negócios familiares são mais resistentes a crises, por serem preparados para elas e para os ciclos econômicos. No entanto, ter agilidade para experimentar e mudar dentro de um negócio tradicional é uma dificuldade -- e o ponto fraco dessas empresas.

E a pandemia exigiu esse tipo de flexibilidade para tomar decisões. Para o professor, a mentalidade dentro das empresas precisa mudar para acompanhar um mundo mais incerto.

“Em tempos tão complexos, não temos o luxo de fazer um plano estratégico de seis meses. Na hora que você terminar o plano, você já vai precisar mudar algumas coisas. O que é necessário agora é ter a mentalidade ágil, precisamos fazer projeções para o futuro e mudar os planos de acordo com a situação e o que aprendemos com ela”, diz ele.

Confira a entrevista completa:

Para negócios familiares, quais foram os desafios desse período? E existem efeitos de longo prazo da pandemia?

Bem, primeiro, eu conheço bem o Brasil. Não conheço todos os lugares do país, mas tenho experiência trabalhando com empresas familiares do Brasil. Com isso, e através do meu time no Brasil da Cambridge Family Enterprise Group, eu entendo como os negócios funcionam aí. Como no resto do mundo, o ano não foi diferente para o Brasil. Alguns negócios estão em recessão e outros estão indo bem. Provavelmente serão três a cinco anos para recuperar as perdas após o fim da pandemia. E esse fim deve levar ao menos mais um ano.

Nesse contexto, as empresas familiares costumam se sair melhor em tempos difíceis. Elas tendem a se preparar melhor para os ciclos econômicos. Acho que esses negócios vão se sair melhor do que outros, mas ainda existirão limites. Especialmente se a crise se tornar mais longa. Empresas familiares são feitas para tempos difíceis, elas tendem a se importar mais com os funcionários e são melhores para suas comunidades. Assim, elas também têm um impacto maior para ajudar e devolver para a sociedade e o país.

E como ficam essas empresas com a necessidade de uma transformação digital?

Muito do meu trabalho atual está focado em entender como os negócios familiares estão mudando. E muito da mudança é impulsionada pela tecnologia. Parte também envolve mudanças sociais, como o aumento da longevidade das pessoas ou os millenials entrando num mercado em disrupção e se afastando de negócios tradicionais. Muitos negócios de família encontram um problema quando a nova geração não está animada para assumir a empresa e quer ir para empresas novas, como em tecnologia.

O que vejo é que a covid-19 muda algumas coisas diretamente, como tecnologia na área de serviços e uma conscientização maior sobre a saúde em geral para todos. O trabalho em casa, com videoconferências no lugar de viagens, também é uma mudança acelerada pela pandemia. E deve ter um efeito duradouro em como nos relacionamos e encontramos.

As empresas familiares precisam dar grandes passos para mudar e entender como acompanhar as mudanças no mundo. Muitas vezes, eles precisam entender que não é por que você é bom no que faz que ser produto ou serviço vai ser útil diante de uma transformação radical.

Elas podem ser boas em lidar com tempos difíceis e com ciclos econômicos, mas esses negócios também são fundamentados nas tradições. E têm mais resistência a mudanças. São bons em inovar seus produtos, em melhorar o que já fazem. Mas se esse produto de repente se torna pouco atraente, eles demoram para abrir mão dele.

E isso é o que me preocupa. Costumamos dizer: empresas familiares são lentas, mas melhores. Mas hoje temos tempo para sermos lentos? Se você mudar aos poucos hoje, você pode levar um golpe duro. Então, temos tentado ensinar esses negócios a lidarem com mudanças bruscas.

A existência de incertezas no futuro é mais provável do que a volta do que existia no passado.

A agilidade faz parte desse ensinamento?

Os negócios familiares já são bons na flexibilidade, mas não são tão bons na agilidade. Ajudá-los a se tornar mais ágeis, e entender que existe essa forma diferente de trabalhar, é parte do meu trabalho há cinco ou seis anos. Agora, por causa da covid, eles estão levando isso a sério. Essa não é a primeira nem a última pandemia que vamos ver. E não são apenas doenças que trazem mudanças abruptas. Mas é apenas agora, com essa crise, que muitos começaram a negar que precisam mudar.

Apenas isso já é muito útil, pois mais mudanças vão ocorrer no futuro – e com mais frequência. Na tecnologia, na sociedade, no meio ambiente... e todas juntas. Agora, com sorte o mundo não caíra num caos completo, e acredito que teremos tempo para nos ajustar a novas tecnologias, que vamos reverter o aquecimento global e ajudar a sociedade. Mas, para isso, temos que nos preparar melhor, ter mais segurança e aprender a lidar melhor com a próxima mudança que vier. A existência de incertezas no futuro é mais provável do que a volta do que existia no passado.

E o cenário fica mais complexo quando pensamos no conflito de gerações?

Em geral, gerações sênior e júnior sempre tiveram um pouco de conflito. Na minha geração, quando era novo, os mais velhos pensavam que traríamos mudanças radicais. Eles se irritavam com a gente e nós, por vez, ficávamos frustrados com eles. E isso é normal. Aos millenials, o papel do seu sênior é te frustrar. Enquanto seu trabalho é irritá-lo. Mas é importante que um possa ouvir ao outro, entender o que precisa mudar e chegar a ideias melhores. Hoje, o que falo aos meus colegas é que eles precisam aprender a ouvir mais, ainda mais do que antes, à nova geração. Por quê? Eles estão mais antenados às tendências de consumo, mais confortáveis com tecnologia e eles entendem que os novos negócios precisam mudar o mundo. É disso que precisamos hoje. Sempre haverá oposição entre gerações, é como a sociedade funciona e vai ser o mesmo quando a nova geração envelhecer.

E a cultura corporativa pode mudar por causa de mais gerações convivendo?

A dinâmica fica mais complicada. Em diversas empresas que conheço, temos três gerações ativas. Duas já era complicado o bastante, três fica mais difícil. E como você trabalha com isso? Você precisa se abrir para experimentar mais. Quando começa a ouvir muito na empresa que “já tentamos isso e não funcionou”, é hora de dizer “não funciona naquela época, agora pode ser diferente”. Com a tecnologia, as coisas mudaram e a maneira de encarar os problemas pode ser outra. A mentalidade precisa ser: vamos experimentar.

O que mais precisa mudar na mentalidade das empresas familiares?

Em tempos tão complexos, não temos o luxo de fazer um plano estratégico de seis meses. Na hora que você terminar o plano, você já vai precisar mudar algumas coisas. O que é necessário agora é ter a mentalidade ágil, precisamos fazer projeções para o futuro e mudar os planos de acordo com a situação e o que aprendemos com ela. Todas as companhias podem se beneficiar de uma forma mais experimental de fazer as coisas, de criar novos produtos ou conquistar novos mercados. As companhias de sucesso no futuro serão muito boas em experimentação.

E uma das ironias, pois eu amo ironias: a geração de fundadores, que dentro e fora das companhias são reverenciados, eram experimentadores. Era o que eles faziam. Eles falhavam muito até conseguir o sucesso. E as gerações sucessivas acabam perdendo essa mentalidade, eles deixam de experimentar e apostam no que já é certo.

As coisas estão mudando muito, e o lado bom que é a geração atual ama experimentar e não quer fazer as mesmas coisas de sempre e do mesmo jeito. Eles são menos tradicionalistas. Acho que a nova geração de líderes precisa ter o espírito dos fundadores.

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