Carreira

No World Economic Forum recrutar profissionais é uma missão

O diretor de recursos humanos do World Economic Forum, em Genebra, explica os desafios à frente da organização e discute o futuro do RH


	Gallo, do WEF: ele recebe 20 000 currículos por ano para 120 vagas
 (Paolo Gallo/Divulgação)

Gallo, do WEF: ele recebe 20 000 currículos por ano para 120 vagas (Paolo Gallo/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 21 de maio de 2015 às 05h56.

São Paulo - Como poucos, o italiano Paolo Gallo, de 51 anos, conhece de perto as diferenças e as necessidades de liderar pessoas em empresas privadas, organizações internacionais e instituições sem fins lucrativos. Seu currículo inclui passagens pelo Citibank, pela International Finance Corporation, em Washington, pelo European Bank, em Londres, e pelo Banco Mundial, onde atuou durante quatro anos.

Em abril de 2014, ele assumiu o comando da área de recursos humanos do World Economic Forum, em Genebra. “A real natureza do RH no World Economic Forum é preservar e valorizar a cultura de uma instituição única”, diz o executivo, que é assediado por profissionais do mundo inteiro.

Gallo conta que recebe, em média, 400 convites de contato e e-mails pelo LinkedIn por semana. “Oferta não falta. A questão é encontrar o profissional com o perfil singular em demanda no WEF.”

Entre desafios comuns da área de recursos humanos, como encontrar as pessoas certas e engajá-las, e missões mais nobres, como a do WEF, que é melhorar as condições do mundo em que vivemos, Gallo trabalha hoje cerca de 10 horas por dia, interage com profissionais de 60 nacionalidades diferentes e está escrevendo um livro com previsão de lançamento para novembro, que terá uma participação brasileira escrita por Karin Parodi, CEO da Career Center.

Sua enorme experiência em gestão de pessoas o credencia a traçar um novo perfil das lideranças e da área de recursos humanos para os próximos anos. “As pessoas que trabalham em RH devem mudar a forma como atuam e focar cada vez mais consultoria, orientação”, afirma. A seguir, o executivo fala sobre seus planos, sua missão no WEF e o futuro do RH.

VOCÊ RH - Em seu perfil no website do WEF está registrado que seu trabalho é desenhar e implementar a estratégia de capital humano da organização. Quais são seus maiores desafios nessa empreitada?

Paolo Gallo - Como você sabe, trabalhei para o Citibank. Quando você atua num banco ou banco de investimento, faz parte de uma tribo. Aí, quando atua no Banco Mundial, faz parte de outro grupo, o das organizações internacionais. O WEF é uma combinação incrível de setor privado com academia e organização sem fins lucrativos.

Para começar, não recebemos dinheiro de impostos. Nossa renda vem dos membros do WEF. Portanto, somos uma fundação, mas que é gerida como um negócio. Por outro lado, há uma dimensão acadêmica. O fundador do WEF é um professor. Temos na equipe profissionais que vêm da academia.

Produzimos estudos e avaliações que nos ajudam a entender melhor um tema que acreditamos ser relevante. Sem falar no aspecto empreendedor, que também é fundamental no dia a dia dessa organização. Com tudo isso em vista, a missão que nos orienta é melhorar as condições do mundo em que vivemos. É realmente uma combinação única.

VOCÊ RH - E qual é o papel de recursos humanos nesse contexto?

Paolo Gallo - A real natureza do RH não é elaborar a descrição das posições, fazer entrevistas, avaliar os profissionais, o que todo mundo faz. Mas, sim, pensar e montar uma estratégia para preservar e valorizar a cultura de um modelo que é único. Não temos dificuldades em recrutar pessoas.

Recebemos cerca de 20 000 currículos por ano para 120 a 140 vagas. Cerca de 400 pessoas me contatam por semana pelo LinkedIn. Não temos problema com fornecimento. Tenho problema, sim, com a qualidade. Os profissionais que conseguem chegar ao WEF têm um perfil específico.

VOCÊ RH - Que tipo de perfil é esse?

Paolo Gallo - Um profissional de banco de investimento, por exemplo, que passou sua vida ganhando muito dinheiro, não vai se adaptar. Uma pessoa que passou toda a vida nas Nações Unidas, cuja atividade conta com pouco espírito empreendedor, provavelmente não funciona também.

Portanto, encontrar um profissional que tenha esse mix de empreendedorismo, professor, legislador e experiência internacional ao mesmo tempo não é tão simples. Além disso, deve ser um profissional movido a missões, capaz de incorporar e lidar com contrações e ambiguidades.

Necessita ter uma atitude de prestação de serviço à comunidade. Nos próximos três anos, devemos recrutar cerca de 400 profissionais. Estamos fazendo pesquisas e gostaríamos de ter também profissionais do Brasil e dos Estados Unidos, entre outros.

VOCÊ RH - O que quer dizer com ‘prestadores de serviço à comunidade’?

Paolo Gallo - Dou um exemplo: Davos. Cerca de 3 000 pessoas participam do evento. Durante dez dias, trabalha-se como um louco, das 7 horas à meia-noite. Estamos totalmente a serviço dos convidados. Neste ano, um CEO perdeu sua caneta Montblanc. E eu passei 2 horas procurando a caneta.

Você pode pensar: um diretor de RH, parte do conselho administrativo, procurando 2 horas por uma caneta? Bom, se você quer trabalhar no WEF, isso ocorre. Você tem de deixar seu ego em casa. Há um elemento de humildade e de prestação de serviço que é preciso ter, porque vão solicitar a você. Quando as pessoas vão a Davos, não vão a um evento, mas esperam viver uma experiência. E a experiência tem de ser fenomenal.

VOCÊ RH - De todas as atividades de RH, qual é seu foco no momento?

Paolo Gallo - Até agora, o foco tem sido em recrutamento, porque o turnover tem sido relativamente alto, de 20%. Em média, as pessoas ficam na organização quatro anos. Minha pergunta é: essa relação é um envolvimento ou um casamento? No Banco Mundial, é um casamento. As pessoas ficam 20, 25 anos. No WEF, uma parte dos profissionais vem e vai, principalmente até o nível médio de gerência.

A questão fundamental, então, é a proposta de valor para o funcionário. Até então, a mensagem era: venha, trabalhe, ganhe experiência, aproveite a marca fantástica que é o WEF. O que estamos fazendo agora é construir um sistema de desenvolvimento de carreira, com coaching, processo de aprendizado, aproveitando o fato de termos escritórios em Genebra, Nova York, Tóquio e Pequim.

Muitas vezes, não se trata de uma promoção, mas de fazer com que as pessoas se movam. Acredito que as pessoas se candidatem por causa de um trabalho, mas fiquem por causa das oportunidades de carreira. As pessoas ficam quando visualizam uma perspectiva.

VOCÊ RH - E como motivar as pessoas nesse ambiente?

Paolo Gallo - Existem organizações em que a motivação é focada nas conquistas individuais. Em bancos como Goldman Sachs e JP Morgan, o profissional entra com o objetivo de ganhar X em certo período de tempo. Existe outro grupo de profissionais que estão interessados em se engajar em empresas que tenham uma missão.

Não tem nada a ver com a carreira. Trata-se de uma missão maior. Trabalham, então, em organizações como a das Nações Unidas, a Mundial da Saúde etc. Costumo dizer que aqui precisamos de mais missionários, não de mercenários. A diferença do WEF para outras instituições é que no WEF esse profissional necessita ser também um empreendedor. Precisa desenvolver ideias, negócios, relacionamentos.

VOCÊ RH - Com tamanha experiência, como o senhor tem visto o desenvolvimento e as mudanças do RH nos últimos anos?

Paolo Gallo - Metade da população do mundo tem 27 anos ou menos, e os índices de desemprego são altos. Por outro lado, existem muitas vagas abertas. É claro, o sistema educacional não está funcionando. Afinal, não está produzindo profissionais com os perfis em demanda pelas empresas. Isso é amedrontador.

Trata-se de um grande desafio para a sociedade. Outra questão é a tecnologia, que está mudando a regra do jogo de uma maneira incrível. Afeta como ocorre o aprendizado nas organizações, como se contrata, os processos, tudo. Algumas empresas nem convidam mais o candidato para entrevista cara a cara.

No recrutamento, por exemplo, antes havia um profissional que recebia os currículos, lia e selecionava os melhores. Agora já existe um sistema de algoritmo que faz isso. As pessoas que trabalham em RH, portanto, devem mudar a forma como atuam. O RH focará cada vez mais consultoria, orientação.

VOCÊ RH - Muda também o papel da liderança?

Paolo Gallo - Em relação ao desenvolvimento da liderança, há uma transição da valorização das dimensões técnicas do profissional para a importância da cultura e da integridade. Explico melhor: o mundo está mudando tão rapidamente que quaisquer técnicas ou know-how que alguém domine hoje, provavelmente serão obsoletos em cinco ou dez anos.

Então, o que realmente fará a diferença é o caráter da pessoa, a coragem, as convicções, a capacidade de manter os pés no chão e a cabeça no lugar quando as coisas estão difíceis.

VOCÊ RH - Qual é sua experiência em trabalhar com gestores e times brasileiros?

Paolo Gallo - Para mim, existem dois aspectos positivos e um negativo. Acredito que no Brasil, como também na Itália, não haja investimento suficiente em educação. Por outro lado, vejo que mesmo com condições adversas, o país conta com profissionais talentosos. Além de tudo, o Brasil é um país pleno de diversidade, por definição.

De fato, vocês estão sentados sobre um tesouro, mas precisam investir. Sem falar que, apesar de todas as dificuldades do momento, é preciso considerar que o país saiu de uma posição nada fácil para ocupar a posição de um dos países mais poderosos do mundo. O Brasil é um país importante. Tem capacidade de liderança, diversidade, habilidade para abrir conexões, mas tem de investir mais em seus talentos.

Acompanhe tudo sobre:bancos-de-investimentoGestão de pessoasgestao-de-negociosLiderançaRecrutamentoRecursos humanos (RH)

Mais de Carreira

Home office sem fronteiras: o segredo da Libbs para manter o trabalho remoto sem parar de crescer

Escala 6x1: veja quais setores mais usam esse modelo de trabalho, segundo pesquisa

Como preparar um mapa mental para entrevistas de emprego?

Para quem trabalha nesses 3 setores, o ChatGPT é quase obrigatório, diz pai da OpenAI, Sam Altman