Carreira

Nem justo nem folgado: como a Tommy Hilfiger cresce 'sob medida' no Brasil

Paulo Matos lidera a marca há 12 anos e conta à EXAME as lições de liderança que não saem de moda, o maior desafio da operação e como vai acelerar o negócio que se consagrou nas pistas da Fórmula 1

Paulo Matos, diretor-geral da Tommy Hilfinger Brasil: “A Fórmula 1, a vela e o golfe representam o nosso estilo de vida — performance, elegância e energia” (Rafael Fernandes/EXAME/Divulgação)

Paulo Matos, diretor-geral da Tommy Hilfinger Brasil: “A Fórmula 1, a vela e o golfe representam o nosso estilo de vida — performance, elegância e energia” (Rafael Fernandes/EXAME/Divulgação)

Publicado em 10 de novembro de 2025 às 10h01.

Última atualização em 10 de novembro de 2025 às 12h14.

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“Uma vez recebi uma proposta financeira muito boa de outra marca, mas travei. Eu não me via no palco falando dela. Na Tommy, eu faço com o maior prazer, e isso faz muita diferença na carreira”, afirma Paulo Matos, diretor-executivo da Tommy Hilfiger no Brasil.

Para o executivo, se você não encontrar um segmento ou uma marca que te deixa orgulhoso e animado, dificilmente vai conseguir romper a barreira da solidão e da politicagem que normalmente existe no mercado.

Foi com essa franqueza, e com histórias que passam por Jamaica, Irlanda, Brasil, Estados Unidos e França, que o executivo participou do podcast “De frente com CEO”, da EXAME, e contou como transformou a operação brasileira da grife em um negócio de crescimento constante, sem dar passos maiores que as pernas.

Nosso crescimento não é justo e nem folgado, é sob medida. A gente cresce no ritmo natural, que a marca aguenta, que o franqueado aguenta e que o caixa aguenta”, afirma o executivo que teve por muito tempo como uma das maiores concorrentes o outlet de Miami.

A família que “não reclama, vem e faz”

A trajetória de Matos começa bem antes do seu nascimento. A mãe nasceu na Irlanda, cresceu na Jamaica e, depois de estudar na Inglaterra, decidiu recomeçar a vida no Brasil. O pai, português, vinha de família industrial.

Eu tenho esses dois como inspiração de ‘cara, não reclama, vem e faz, constrói, escolhe o que você quer e vai em frente’”, afirma. “Tudo que eu escuto hoje de algumas reclamações vem da forma como fui educado: a lei é a lei, avance, avance, vai pra frente.”

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Nascido em Santo André, ele cresceu em São Paulo enquanto o pai dava aulas na FEI e a mãe trabalhava como CEO da Cultura Inglesa — onde, mais tarde, ele teria o primeiro emprego, sem que ninguém soubesse que era filho da chefe.

Minha mãe me colocou para trabalhar antes da faculdade. Cabeça de europeu: ócio não faz bem”, conta. “O mais legal é que eu fui para uma filial em que ninguém sabia que eu era filho da minha mãe. Aprendi desde cedo que não é para ficar usando ‘quem te indicou’ na vida.”

Entre o incentivo da mãe para as artes e a dúvida sobre qual profissão seguir, ele acabou em administração de empresas na PUC-SP. “Na minha época, se você não sabia o que queria, sobrava administração”, conta o executivo.

Do cinema em NY ao primeiro desafio como gestor na Lacoste

Antes de chegar à moda, Matos passou pela Dupont, em área financeira, cuidando de fechamento de resultados no Chile e mexendo em SAP. A experiência, embora importante, não empolgava.

Eu gostava, fazia bem o trabalho, mas sem energia nenhuma”, diz Matos.

A virada veio com uma decisão radical: vender o carro para fazer um curso na New York Film Academy, nos Estados Unidos.

“Morei em Nova York num quarto que, na verdade, era o estrado de uma cama. Eu tinha 40 centímetros da cama até o teto”, conta, rindo. “Trabalhar com cinema era quase troca de trabalho por comida. Mas foi ali que aprendi uma coisa que levo até hoje: a disciplina da reunião pré-operacional.”

Em filmagem, Matos lembra que o que era combinado era executado. “Ninguém no meio da cena fala ‘não sei se é bom’. Cada um vai para o seu lado e entrega o melhor. Essa disciplina de execução me marcou muito.”

De volta ao Brasil, sem dinheiro e achando que tinha feito “uma besteira”, Matos acabou num churrasco em casa quando um amigo do pai lhe deu um cartão. Era da Paramount Têxteis, licenciada da Lacoste no Brasil.

Entrou como “o cara que ajudava todo mundo”. Foi aí que percebeu um “absurdo operacional”: pedidos chegavam por fax às 18h30, o aparelho era desligado e só ligavam de novo no dia seguinte.

Uma empresa de centenas de milhões, com uma marca fortíssima, e o pedido dormia no fax. Eu olhei aquilo e falei: ‘não é possível, está faltando alguém olhar diferente’.”

Sem ter cargo de liderança, bateu na porta do superintendente. “Expliquei que tinha uma ideia, sem nem saber direito como fazer. Ele só falou: ‘vai e faz’.”

Matos conectou um fornecedor de software, redesenhou o fluxo e, em pouco tempo, passou de carregador de caixa a centro da operação de coleções - coordenando preço, representantes, franqueados, showroom.

Saí de carregador de caixa para a pessoa que juntava tudo. Ninguém entendia 100% o que eu fazia, mas funcionava. Essa foi a grande guinada da minha carreira na moda.

O caminho até assumir a Tommy no Brasil

Depois da Lacoste, Matos passou por outras operações de moda e pelo universo de licenças globais. Chegou à Levi’s, onde era responsável pela América Latina em uma unidade de calçados e acessórios, respondendo para Milão e Hong Kong — com reuniões às 3h da manhã.

Eu estava no emprego dos sonhos na Levi’s”, diz. Até que o EVP global da unidade, Stefano Di Martino, teve um burnout. O comando passou para o CFO.

A dinâmica muda completamente quando sai um líder de negócio e entra um CFO. O perfil do CFO é decidir não ir. Você pode amar o que faz e estar na empresa certa, mas uma mudança de cadeira muda toda a empresa – e a sua carreira.”

Nesse meio tempo, Alexandre, então dono da BR (que reunia grandes marcas e depois se tornaria CEO da holding da Tommy no Brasil), entrou na história.

“Eu queria sentar na mesa dos grandes players”, conta. “Todo dia, às seis da tarde, eu ligava no celular dele, por 15 dias. Um dia ele me retornou. Quando atendeu, eu falei: ‘Alexandre, não desliga. Sou o Paulo, trabalhei na Lacoste, passei por Dupont, Levi’s… me dá cinco minutos e um café’.”

Em vez de ouvir o pitch da marca que Matos levava, Alexandre quis saber quem ele era. Dali saiu o convite para cuidar do atacado da BR. Pouco depois, esse mesmo Alexandre venderia a empresa e assumiria o comando da estrutura que traria a Tommy Hilfiger ao país.

Eu tive que sair do mercado, voltar como gerente, para depois me reencontrar numa posição mais alta. Às vezes você precisa perder o crachá para entender onde realmente quer estar.”

Em 2012, veio o convite para tocar a Tommy no Brasil. “Era uma marca internacional forte, com potencial enorme e um grupo preparado por trás. Eu senti que tinha voltado para o jogo certo, na hora certa”, afirma.

O desafio que quase afundou a Tommy no Brasil

Se o começo da operação foi de bonança, a prova de fogo veio em 2016, que segundo Matos, foi o seu maior desafio como CEO.

“Começamos a operação em 2013. No segundo ano relevante, já éramos um player importante no mercado premium. Crescemos 100%, dobramos de tamanho, e no terceiro ano fui com aquele gás de jovem: comprei mercadoria para crescer mais 50%”, afirma.

Em três semanas, o câmbio explodiu.

O dólar disparou e a nossa mercadoria internacional ficou, no mínimo, 70% mais cara. E o pior: não foi todo mundo que ficou mais caro — só as marcas internacionais”, diz. “As nacionais produziam no Brasil. A competitividade foi embora.”

O problema não era só preço: era operação. O centro de distribuição não comportava o volume, parte do estoque estava em pallets, sem conseguir descer para as gavetas (pins) que abastecem as lojas.

Foi um momento péssimo: cheio de estoque, mercadoria vendida e sem conseguir faturar. Empresas de varejo quebram por causa de estoque. Eu via o risco real de quebrar se não tivesse o suporte da Tommy global.”

A resposta foi uma guinada estratégica: produzir no Brasil o que o país faz melhor, sem abrir mão do padrão internacional.

Eu só via uma solução: produção local. Eu precisava jogar o mesmo jogo dos concorrentes”, afirma. “Fui para cima do global com tanta sagacidade que a gente conseguiu aprovar.”

Paulo lista os pontos fortes da indústria nacional:

“O Brasil é ótimo em calçados, jeans, t-shirts e também em underwear. Temos uma indústria forte nessas categorias, com qualidade e agilidade para competir de igual para igual com o mercado internacional.”

Apesar da força da indústria nacional, Matos afirma que ainda há limitações no Brasil em algumas categorias por comprometer o padrão global da marca.

O Brasil não tem capacidade instalada de qualidade para certas peças de uma marca internacional. Não dá para fazer jaqueta, tricô, camisa de tecido no nível que a Tommy exige. Se fizer, vira algo tão manual e caro que o modelo de negócio não fecha.”

Com isso, a produção local passou a focar no que o país faz bem — e ainda ganhou um selo estratégico:

Hoje, o Brasil não só produz com qualidade, como já está aprovado para vender dessa fábrica para qualquer país fora do Brasil. Isso é um orgulho enorme,” afirma o diretor-geral.

O crescimento sob medida

Desde a pandemia, a Tommy vem em ritmo constante — e calculado.

No pós-pandemia, a gente vem crescendo dois dígitos todo ano. Este ano provavelmente vamos fechar em 14%, abrindo quatro lojas próprias, sete franquias e duas lojas ‘double’”, diz o executivo.

A operação brasileira começou faturando cerca de R$ 50 milhões, passou para R$ 100 milhões, seguiu escalando. Hoje, o mapa é:

  • 30 lojas próprias;
  • 58 franquias;
  • 2.200 pontos multimarcas;
  • pouco mais de 2% do faturamento global da marca, número afetado pelo câmbio.

Matos, no entanto, rejeita qualquer euforia artificial.

Se o ano dá para abrir seis lojas, eu abro seis lojas bem abertas. Se o ano dá para abrir 15, eu abro 15 bem abertas. Não puxo o ‘top line’ só para agradar apresentação de resultado.”

Ele chama atenção para a armadilha do “last year”:

O que mais atrapalha é o tal do ‘last year’. Você força uma ação para vender um pouco mais num ano, faz promoção que não deveria, e depois vira refém daquela base. O único caminho disso é virar marca de desconto. Não é construção de marca, é construção de preço.

O franqueado como embaixador da marca na cidade

Uma parte central da estratégia é o modelo de expansão combinado entre lojas próprias e franquias.

“Hoje estamos bem distribuídos. Antes da pandemia, eu sofria para abrir loja de Salvador para cima. Não era por ser quente, era por ser perto de Miami. O maior concorrente da Tommy era a Tommy de Miami, nos outlets”, conta.

Com ajustes globais de posicionamento e preço, a marca conseguiu equilibrar essa disputa e hoje mantém plano de expansão claro:

Nosso plano é manter poucas lojas próprias em praças-chave — São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba —, abrir em média 12 franquias por ano e reforçar o atacado com extensão de produto.”

O franqueado ideal precisa ter capital, mas isso está longe de ser o principal:

Em 2012, 2013, precisava ter o money. Hoje, isso é só mais um ícone. O papel do franqueado é cuidar de gente, fazer retenção, captação dos melhores vendedores e motivá-los para que a marca tenha o maior valor no mundo deles. Se ele não tiver essa visão, não entra.

E avisa que não tolera confusão de papéis.

Toda vez que você vai fazer o trabalho de outra área, você entra no ‘ordinary’. E ‘ordinary’ é média. A média não é legal, não surpreende, não leva para lugar nenhum.

F.A.M.E.S.: a filosofia americana que norteia a Tommy no mundo

Quando fala de marca, Matos se volta à filosofia criada por Tommy Hilfiger, chamada F.A.M.E.S.:

O Tommy sempre teve música, sempre teve Fórmula 1, sempre teve hip-hop. A marca foi construída em cinco pilares: Fashion, Arts, Music, Entertainment e Sports”, afirma.

Para o executivo, esse modelo dá direção clara às ativações de marca:

Ele entendeu que a marca tem que viver nesses cinco pilares, porque é aí que está o ‘buzz’, a cultura, o que a marca representa na cabeça das pessoas.”

No Brasil, o papel dele é equilibrar essa aura global com a realidade local:

Eu gosto de fortalecer essa carona internacional. Eu consigo trazer o Brasil, mas mantendo a áurea internacional que uma marca nacional não consegue ter. Tudo que está no F.A.M.E.S é global.

A lógica aparece, por exemplo, no patrocínio à Fórmula 1, à vela esportiva e ao golfe, esportes que a marca vai continuar apostando nos próximos anos.

A gente continua investindo nos mesmos pilares - Fórmula 1, vela, golfe - porque é aí que está o ‘buzz’, a cultura, o que a marca representa na cabeça das pessoas. Esses esportes traduzem o estilo de vida da Tommy: performance, elegância e atitude.

Diversidade sem “cota de vitrine”

Diversidade é outro tema caro ao executivo — e vivido no dia a dia, segundo ele:

Dos lugares em que eu trabalhei, a Tommy é onde mais tem diversidade em equipe, em loja e no escritório.

Mas Paulo prefere cultura a meta numérica. “Tudo que vira regra, vira cota, eu acho que não fica legal. Eu quero as melhores pessoas, a melhor somatória das melhores pessoas. Está na cultura da Tommy que a diversidade soma mais do que qualquer outra coisa.

Tecnologia, IA e a coleção vendida sem mostruário

Na frente tecnológica, a operação brasileira já nasceu com um diferencial.

A Tommy Hilfiger no Brasil é a única empresa de moda que eu conheço que vende coleção sem mostruário”, afirma.

São 14 showrooms de representantes, todos em venda digital desde 2012.

Não foi visão futurista. Foi necessidade. Não tinha mostruário. Então criamos uma cultura de treinamento forte, de contar a história da marca, apresentar coleção, criar valor — não só mostrar peça.”

Sobre inteligência artificial, ele enxerga o maior ganho na compra e no sortimento.

Na moda, a IA está ganhando jogo na seleção e no sortimento. Você tem loja de Salvador a São Paulo, pedidos completamente diferentes. A base do pedido pode vir da IA, olhando giro, região, clima. Depois a mão humana entra para dar o fashion, a direção.

Liderança: dizer “não”, suportar a solidão e escolher onde gerar valor

Matos não romantiza a cadeira de CEO, que costuma ser solitária muitas vezes. “Primeiro, você tem que entender que o mundo corporativo existe — com politicagem e tudo. Não adianta fingir que não existe. Você tem que entender o porquê e aprender a navegar”, diz.

Ele reforça a necessidade de ser um líder e não um amigo do seu time.

Ser líder é uma posição super solitária. Se você é amigo da sua equipe, você não é líder. Não é que você tenha que deixar de ser amigo, mas é outra postura. Seu papel é outro. Hoje eu falo muito mais ‘não’ do que ‘sim’. Minha vida seria até melhor se eu baixasse um pouco a guarda e dissesse mais ‘sim’, mas não é o papel.

Para ele, o teste de fogo da liderança é sair de cena e ver que o time funciona bem sem você estar por perto controlando tudo.

Você só vê um líder de fato quando pode ir embora e tudo funciona. Hoje, se eu ficar seis meses fora, nada muda na Tommy Hilfiger Brasil”, afirma. “O papel do líder é ter visão clara de onde a empresa está e para onde quer ir, o resto é operação.”

O poder da “agenda vazia”

Para manter uma rotina mais organizada, Matos adotou o “poder da agenda vazia”, inspirado em Roberto Justus:

Segunda e terça eu mato: reunião com diretos, expansão, temas críticos. Quarta, quinta e sexta eu deixo o máximo possível vazia para ter flexibilidade de ir a CD, visitar cidades, estudar novos pontos.

Trazendo a mesma lógica do crescimento sob medida, Matos quer crescer profissionalmente também com a mesma visão: estar onde realmente entrega mais valor.

Inauguração de loja é importante, mas o meu maior valor está antes: escolher o ponto, o formato, o jeito da loja. Quem tem que brilhar na taça de champanhe é o meu time, não eu.

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