Sessão de coaching (Comstock/Thinkstock)
Claudia Gasparini
Publicado em 11 de julho de 2017 às 15h00.
Última atualização em 11 de julho de 2017 às 15h00.
São Paulo — Entre 2010 e 2014, o número de profissionais de coaching no país aumentou em 300%. Não sem uma consequência inevitável: diante de um suculento filão de mercado, não demorou para que se multiplicassem gurus da felicidade, experts em sucesso e outros charlatões.
Esse fenômeno faz um grande mal à reputação da atividade, que não é regulamentada no país. Misturados a profissionais sérios, os picaretas frequentemente conseguem confundir os desavisados e fazê-los pagar por conselhos genéricos e inúteis.
Em entrevista exclusiva a EXAME.com, o filósofo dinamarquês Svend Brinkmann defende uma solução radical para o problema: demitir o seu coach e buscar novos discursos sobre o significado de sucesso profissional.
“É importante estar atento para não cair em discursos motivacionais baratos”, recomenda o dinamarquês aos brasileiros desesperados por causa da crise. “Quando a economia de um país vai mal, é quase constrangedor ouvir alguém dizendo frases como: ‘Basta que você esteja motivado para ter sucesso’”.
Diante das posições de Brinkmann, a coach Eva Hirsch Pontes, professora convidada do COPPEAD/UFRJ e da Fundação Dom Cabral, defende que se separe o joio do trigo.
“O mercado está cheio de charlatões, mas é muito radical sugerir que você demita qualquer coach por causa disso”, afirma ela. “É como afirmar que há muita vaidade no mundo, e concluir que é todo mundo deveria demitir seu personal trainer”.
Assim como na hora de escolher um preparador físico, diz Pontes, o que vale é evitar quem promete soluções mágicas ou resultados em tempo recorde. “Apesar dessas figuras messiânicas, existem bons coaches, com formações sérias, capazes de levar uma pessoa a ampliar seu autoconhecimento”, resume.
O foco no autoconhecimento, porém, também é alvo de críticas de Brinkmann, que defende o "olhar para o outro" e a busca por soluções coletivas para qualquer problema.
“O coach muitas vezes age como um mero espelho seu, ele fará você olhar ainda mais para si mesmo”, disse o filósofo a EXAME.com. “No fundo, ele só reforça o individualismo, só cria um ciclo de autorreflexão perpétuo”.
De acordo com o professor da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, o próprio conceito de coach (“treinador”, em inglês), que vem do mundo dos esportes, pressupõe que você está competindo com os demais para vencer o jogo. “Há um perigo em enxergar a vida como uma partida em que há vencedores e perdedores”, diz. “Talvez o coaching faça algumas pessoas pensarem nesses termos e por isso é potencialmente perigoso”.
Pontes está de acordo com Brinkmann no ponto de que a divisão das pessoas entre “vencedores” e “perdedores”, herança da cultura norte-americana, precisa ser evitada. Mas ela não concorda com o diagnóstico de que o coaching (sério) cria uma competitividade pouco saudável entre um profissional e seus pares.
“O coach não torna ninguém mais individualista, justamente porque o trabalho é sempre para melhorar os seus relacionamentos com as outras pessoas do seu entorno, sejam chefes, colegas ou subordinados”, diz a professora. “O autoconhecimento e a consciência do coletivo não se excluem, eles se complementam”.
Ao contrário do que diz Brinkmann, defende João Luiz Pasqual, presidente da ICF (International Coach Federation) no Brasil, um bom profissional “quase zera” o risco de o seu cliente esquecer de olhar para o próximo.
“A pessoa justamente começa a perceber que, sozinha, pode realizar coisas mais rápido, mas dificilmente vai longe”, explica. “O coaching mostra que ela precisa da coletividade para se desenvolver e exercer liderança”.
Segundo Pasqual, o trabalho do coach é ajudar seu cliente a explorar situações do presente para pavimentar um futuro desejável. Ele lembra que “coach”, além de significar “treinador” em inglês, também tem o sentido de “carruagem” ou “veículo” no mesmo idioma — o que, numa analogia simples, permite dizer que o coaching é um meio de transporte.
“O objetivo é trabalhar por um tempo pré-determinado para realizar uma transição, levar a pessoa do ponto A ao ponto B, algo que fica combinado desde o início”, explica.
A atividade não substitui psicoterapias. “Você vai trabalhar traumas, questões emocionais e situações do passado com um analista, não com um coach”, diz o presidente da ICF.
O coach trabalha mais com potenciais do que com problemas. Como não “consertam” nenhum problema, as sessões não devem ser vistas por empresas como último recurso antes de demitir um funcionário. "Não operamos 'transplante de personalidade' em ninguém", afirma Pontes. "Nossa função é maximizar talentos".
Na dúvida, faça estas 3 perguntas antes de contratar (ou demitir) um coach:
Sessões de coaching são úteis para quem precisa passar por uma transição na sua carreira ou vida pessoal. Se você está insatisfeito com a sua situação atual, sente que tem recursos inexplorados e pretende mudar de patamar em breve, pode ser interessante buscar (ou manter) a ajuda de um profissional.
Pontes lembra o caso de uma cliente que trabalhou a vida inteira no mundo empresarial até que decidiu largar tudo para seguir carreira acadêmica. “Ela queria transformar algo na sua vida e precisava se preparar para isso”, explica. “Hoje ela está feliz como professora”.
Pense nas habilidades que você deseja adquirir: elas são técnicas ou comportamentais? Se forem técnicas, é melhor buscar outra forma de ajuda. O coaching serve unicamente para desenvolver competências ligadas à atitude.
Ele não é útil para quem busca aprimorar a oratória ou afiar seu raciocínio lógico, por exemplo. O coach pode ajudá-lo, no entanto, a ganhar musculatura em quesitos como liderança, negociação, adaptabilidade, criatividade, automotivação e trabalho em equipe.
É melhor demitir — ou nem contratar — um profissional que se apresente como "coach" sem ter credenciais para isso. “Perguntar sobre sua formação e seus títulos corta 40% do risco de cair numa armadilha”, explica Pasqual, que cita como instituições sérias a própria ICF (International Coaching Federation), da qual é presidente no Brasil, e a EMCC (European Mentoring Counsel Association).
A ICF, por exemplo, confere três tipos de credencial: ACC (Associate Certified Coach, que exige no mínimo 60 horas de treinamento e 100 horas de prática), PCC (Professional Certified Coach, com 125 horas de treinamento e 500 horas de prática) e MCC (Master Certified Coach, com 200 horas de treinamento e 2.500 horas de prática). Não é fácil obter esses títulos. Para se ter uma ideia, só existem quatro MCCs em atividade no Brasil atualmente.
Além da formação, também é importante saber qual é a metodologia usada por aquele profissional, bem como as indústrias e segmentos em que ele atuou. Cada vez mais, diz Pasqual, os coaches se tornam especialistas. “Se você precisa de ajuda para se adaptar à mentalidade de um empregador estrangeiro, por exemplo, vale buscar um profissional que tenha um histórico de trabalho com adaptações interculturais”, recomenda o presidente da ICF.