Homem ao telefone: gírias que repetimos no trabalho, mostra o escritor, pouco contribuem para a comunicação e não merecem a inclusão oficial em nosso vocabulário (Victor1558/Flickr)
Da Redação
Publicado em 8 de setembro de 2013 às 09h28.
São Paulo - O escritor angolano José Eduardo Agualusa é tido como o predileto da presidente brasileira, Dilma Rousseff. Em seu livro Milagrário Pessoal (2010), ele faz uma crítica às palavras fracas, muitas das quais lotam o vocabulário corporativo. a protagonista da história é uma jovem linguista cujo trabalho é usar um software para descobrir novas palavras — os neologismos — em jornais e revistas e, quando for o caso, registrá-las em dicionário.
Mas isso pouco acontece. As gírias que repetimos no trabalho, mostra o escritor, pouco contribuem para a comunicação e não merecem a inclusão oficial em nosso vocabulário. Veja o que ele diz neste trecho do livro: “entre as palavras recémnascidas, a taxa de mortalidade é elevada.
Muitas padecem de graves defeitos congênitos. São frágeis, mal respiram, não resistem ao duro processo da seleção natural”. O trabalho é a fonte primária dessas palavras fracas e desprovidas de sentido e precisão, que dificultam a comunicação e atrapalham o desempenho do profissional que as profere. Do chão de fábrica às mesas de conselho, ninguém escapa dos jargões, estrangeirismos, lugares-comuns e gírias.
Quem nunca ouviu ou recebeu e-mails com termos como “agregar valor ao negócio”, “sinergia” ou “approach”? “A comunicação ruim é uma praga nas empresas”, afirma Edison Rosa, consultor de comunicação, de São Paulo. de acordo com ele, muitos profissionais acham que usar jargão o tempo todo transmite a ideia de domínio da área e impressiona os colegas.
“O problema é que, muitas vezes, a mensagem é simplesmente ininteligível ou pedante”, diz o consultor. Uma pesquisa feita no linkedin, rede social com mais de 135 milhões de usuários — 6 milhões só no brasil —, mostra que palavras como “inovador” e “criativo” aparecem em mais de 3 000 perfis (veja os principais jargões usados no Brasil e nos Estados Unidos no quadro Fique Longe Deles).
Para Danielle Restivo, gerente de comunicação corporativa do LinkedIn para Canadá e Brasil, as pessoas usam essas palavras para descrever sua experiência profissional como forma de se enquadrar em um grupo. “São expressões que se tornaram populares e parecem mais importantes do que são”, diz Danielle. Faltam vocabulário e capacidade de argumentar e de dar clareza aos discursos.
“Os profissionais se escondem atrás dessas palavras porque têm um vocabulário pobre”, diz Osório Antônio Candido da Silva, professor da BSP e da Fundação Instituto de Administração (FIA), em São Paulo, e especialista em técnicas de comunicação e expressão verbal. De acordo com ele, as pessoas têm dificuldade de se expressar e pouca familiaridade com a língua portuguesa. “Muitas são fluentes em inglês mas não conseguem explicar algo simples em seu próprio idioma.”
Comunicação sem ruídos
A gerente financeira Edjane Andrade, de 38 anos, da empresa de tecnologia Amadeus, de São Paulo, voltada para o setor de turismo, sabe que não pode descuidar da língua portuguesa. Em março de 2011, ela fez um curso sobre reforma ortográfica que abordou também o uso excessivo de expressões em idioma estrangeiro, jargões e vícios. “Para quem deseja ter uma carreira sólida e, principalmente, atingir um cargo de liderança, falar e escrever bem em português é essencial”, diz Edjane.
Cuidado com a gramática
Os ruídos de comunicação prejudicam a carreira. Uma pesquisa feita pelo Project Management Institute Brasil (PMI) em 2010 com 300 companhias nacionais e multinacionais mostrou que em 76% delas os projetos não dão certo porque os profissionais não sabem escrever nem falar bem. “Hoje em dia, uma enorme parcela de pessoas chega ao mercado de trabalho sem competência para redigir um texto formal de qualidade”, diz a professora Maria Clara Jorgewich Cohen, autora do l ivro Comunicação Escrita – A Busca do Texto Objetivo (Editora E-Papers).
O mais grave, ela ressalta, é que a maioria dos profissionais não admite que precisa melhorar. “Muitos ficam constrangidos de frequentar cursos porque ocupam altos cargos”, diz Maria Clara. A percepção de que a deficiência do idioma é crescente parte do próComunicação sem ruídos A gerente financeira Edjane Andrade, de 38 anos, da empresa de tecnologia Amadeus, de São Paulo, voltada para o setor de turismo, sabe que não pode descuidar da língua portuguesa.
Em março de 2011, ela fez um curso sobre reforma ortográfica que abordou também o uso excessivo de expressões em idioma estrangeiro, jargões e vícios. “Para quem deseja ter uma carreira sólida e, principalmente, atingir um cargo de liderança, falar e escrever bem em português é essencial”, diz Edjane.
Hoje, escolas de idiomas oferecem aulas de português para brasileiros. Várias têm ampliado o número de treinamentos. A Fundação Fisk, por exemplo, oferece o curso Português sem Tropeços desde o segundo semestre de 2008 e atualmente atende mais de 5 000 alunos em todo o país.
Dos matriculados, 70% vêm de empresas, principalmente das áreas financeira e comercial, e a maioria é composta por gestores. “Percebemos que existia no mercado um desnível entre a competência técnica e a habilidade de comunicação”, diz o professor Elvio Peralta, diretor superintendente da Fisk de São Paulo. De acordo com Elvio, embora a cobrança pelo segundo idioma seja alta no mercado, o profissional não pode descuidar da própria língua. “Quem não tem o domínio do português com certeza será malvisto”, afirma.
“Há deficiências graves em concordância verbal e nominal e referentes à nova ortografia.” A Companhia de Idiomas é outra escola que oferece cursos de português para brasileiros. “Quando é a empresa que nos procura, fazemos um levantamento das necessidades já percebidas pelo RH e aplicamos um teste para detectar exatamente quais áreas precisam ser trabalhadas”, diz Ligia Crispino, sócia-diretora da escola.
Assim, os cursos podem abordar a produção oral e escrita, regras de gramática e a nova ortografia — depende do que é necessário para melhorar a comunicação com o público. O antigo curso de reciclagem é chamado oficina de comunicação. Isso porque, afirma Ligia, quando a solicitação vem da direção ou do RH, muitos alunos não querem dispor do tempo que têm para estudar português.
“O objetivo é sensibilizá-los da importância que a comunicação tem para os negócios”, diz Ligia. O uso correto do idioma pode ser a diferença entre um desempenho eficaz e o fiasco nas relações com colegas e clientes.
Deixe de lado o preconceito e abuse do vasto vocabulário da língua portuguesa. De nada adianta falar mais de um idioma e ser especialista num assunto se você não conseguir transmitir ideias em seu próprio idioma. Solte o verbo, mas de maneira correta.
Jargões fora do vocabulário
O advogado paulista Maurício da Costa, de 30 anos, diretor jurídico da Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhadores em Metalurgia, procurou um curso de português para diminuir o emprego de jargões como “proativo” e “inovador”. “Usava muitas palavras desse tipo e sabia que precisava mudar esse hábito”, afirma.
Seja mais claro
Como aprimorar a comunicação oral e escrita:
Evite o uso sem necessidade de palavras já desgastadas, como “paradigma”, “valor” e “sinergia”.
Evite os verbos ingleses aportuguesados, como printar, startar, linkar, atachar.
Elimine gerundismos como “vou estar apresentando”, “vamos estar demonstrando”.
Não complique. Desenvolva um vocabulário simples e objetivo para apresentar suas ideias.
Pronuncie bem as palavras. Não corte o “s” e o “r” finais nem o “i” intermediário.
Fuja dos cacoetes no meio do raciocínio, como “tá ok?”, “é assim”, “né”, “bem”, “então”, “certo?”, “é o seguinte”.