Carreira

Na crise, fazer faculdade nem sempre é a melhor opção. Entenda

Abrir a cabeça para outras possibilidades de qualificação pode ajudar a tirar o Brasil da crise — e aumentar as suas chances de sucesso profissional

Diploma (Taweepat/Thinkstock)

Diploma (Taweepat/Thinkstock)

Claudia Gasparini

Claudia Gasparini

Publicado em 23 de maio de 2017 às 06h00.

Última atualização em 23 de maio de 2017 às 06h00.

São Paulo — Na cabeça do brasileiro, passar no vestibular, frequentar uma universidade e receber um diploma de graduação são os primeiros passos para construir uma carreira de sucesso, com status e boa renda.

A realidade, porém, apresenta um quadro bem diferente. Há um volume considerável de desempregados com nível superior, ainda mais em tempos de crise econômica. Também não faltam pessoas que fizeram faculdade, mas se sujeitam a subempregos que nada têm a ver com a sua formação original.

Enquanto sobram bacharéis no mercado, os recrutadores suam a camisa para “caçar” profissionais de nível técnico — desde que eles tenham certas competências, é claro.  

Segundo estudo da FGV em parceria com o Conselho das Américas (COA) e a Fundação JP Morgan Chase, cerca de 40% das empresas sofrem para contratar técnicos no estado de São Paulo, porque faltam candidatos com os requisitos necessários para preencher essas vagas.

Em outras palavras, mesmo num cenário de forte desemprego, sobram postos de trabalho para técnicos bem preparados e munidos de competências socioemocionais, apontadas pelo estudo como as mais escassas no mercado.

Para Nilson Pereira, presidente-executivo da Manpower Brasil, a chave para se dar bem no mercado de trabalho é abrir o leque de opções e considerar formações menos tradicionais.  

“O brasileiro é muito fixado na ideia de ter um diploma de graduação, e acaba se formando em áreas como administração ou direito, que não são tão solicitadas pelo mercado atualmente”, disse ele em seminário recente sobre o tema em São Paulo.

Diante dessa situação, uma possível saída para os jovens — os mais atingidos pelo desemprego — é considerar a possibilidade de fazer um curso técnico, nem que seja temporariamente. A área de TI (Tecnologia da Informação), sobretudo, é uma das mais aquecidas no momento.

Abrir a cabeça para outras possibilidades de educação e trabalho, que também inclui o empreendedorismo, pode ajudar a tirar o Brasil da crise. A falta de mão de obra qualificada para determinadas funções contribui (e muito) para o atraso da economia.  

Comparação: superior x técnico

Obter um diploma de nível superior segue sendo uma conquista importante na vida de qualquer profissional. Entre outras vantagens, o professor da FGV André Portela lembra que a graduação ainda traz um aumento salarial significativo.

“Quem fez faculdade ganha em média de 20% a 30% mais do que quem não fez, embora haja muitas variáveis, tais como tipo de curso, qualidade da instituição de ensino e perfil do indivíduo”, diz ele.

Por outro lado, o curso universitário demora mais tempo do que o técnico, pode ser mais caro e, dependendo da área de estudo, nem sempre se traduz em boa empregabilidade.

Desde que emitido por uma escola de qualidade, o diploma técnico tem a vantagem de permitir uma entrada mais rápida no mercado de trabalho.“Também há mais oportunidades de crescimento para quem faz um curso voltado para setores dinâmicos, como tecnologia e saúde”, acrescenta Portela.

Em termos salariais, também há grande variação em função da área e do tipo de trabalho desempenhado pelo técnico ou tecnólogo. Para o profissional hiperespecializado, que desempenha um papel-chave para o funcionamento da empresa, a remuneração inicial pode ser bastante atrativa, diz Ana Luiza Kuller, coordenadora de educação do Senac SP.

No caso de profissões regulamentadas, o técnico sempre ganhará menos do que o graduado: o enfermeiro tem salário mais alto do que o técnico em enfermagem, por exemplo. Em outras áreas, como tecnologia, essa hierarquia nem sempre é tão rígida. "Assim como no caso do empreendedor, a renda depende mais do perfil da pessoa e da sua capacidade de gerar resultados", diz a especialista.

Cartas embaralhadas

Em 2015, 8,7% dos jovens brasileiros aderiram ao ensino técnico concomitante ao ensino médio. É pouco, especialmente em comparação a outros países latinos como Colômbia (28%) e México (38%), ou nações desenvolvidas como Suíça (62%) e Áustria (71%). Os dados são do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Para Portela, isso ocorre porque, atualmente, fazer um ensino médio associado ao técnico é muito custoso para o jovem brasileiro. “Você precisa fazer o técnico além das aulas regulares, e o curso normalmente tem pouca correlação com a prática do mercado de trabalho”, explica. "Esse modelo precisa mudar para ser mais atrativo".

Outro motivo para a preferência pela graduação, em detrimento de outras modalidades de formação, é o que o professor da FGV chama de “credencialismo”: é preciso ter um diploma específico para exercer profissões regulamentadas, o que supostamente cria vagas garantidas para quem investe no curso universitário.

Com a crise, porém, as cartas ficam embaralhadas. Na visão de Kuller, a decisão entre um diploma superior ou técnico deve ser tomada com base em múltiplos fatores, como perfil, momento de carreira e projeto de vida. “O técnico é interessante para quem precisa entrar logo no mercado de trabalho, mas também para quem quer mudar de carreira, porque permite uma experimentação”, explica.

De acordo com a gerente do Senac, enxergar o curso técnico como trampolim pode dar muito certo: é uma porta de entrada mais rápida para a nova profissão e pode até ajudar a financiar a continuidade dos estudos numa universidade.

“A qualificação deve ser contínua, ainda mais em tempos de crise”, explica ela.  “Um profissional que tem tanto diploma técnico quanto superior é visto como diferenciado pelo mercado”.

 

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