Na base da Cooperação - RH - Cooperativa (Adri Berger / GETTY IMAGES)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2013 às 18h35.
Tudo começou com um grupo de 28 operários, na maioria tecelões de Rochdale, na Inglaterra, que, após a Revolução Industrial, se reuniu em busca de uma forma de organização mais justa e democrática. Era o embrião da primeira cooperativa do mundo, a Sociedade dos Probos de Rochdale, fundada em 1844. De lá para cá, o cooperativismo ganhou espaço, força e respeito. Hoje essa natureza de negócio movimenta mais de 1 bilhão de pessoas em mais de 100 países e é responsável por cerca de 100 milhões de empregos no mundo. No Brasil, já representa 6% do PIB e atingiu 6,1 bilhões de dólares em exportações no ano passado. Para sustentar esse crescimento, as cooperativas estão aumentando suas estruturas, e seus líderes de RH precisam enfrentar desafios comuns aos colegas de empresas convencionais, com um agravante: nem sempre o que atrai e retém um profissional numa companhia tradicional é permitido no mundo dos cooperados.
A começar pelo objetivo do negócio. A arquitetura organizacional de uma cooperativa, sua visão, missão e valores são bem diferentes do que se vê numa empresa convencional. Não tem um, mas vários donos; os cooperados ou associados não visam ao lucro — a “sobra”, que seria o lucro, é partilhada entre os cooperados — e as decisões são tomadas coletivamente. Um sistema que poucos conhecem. Segundo o professor Sigismundo Bialoskorski Neto, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, que estuda cooperativismo há 30 anos, os alunos de administração aprendem por quatro anos a lógica de empresas que buscam lucro, e nunca tiveram contato com uma organização cooperativista, o que dificulta a aceitação desse negócio como um lugar para crescer e fazer carreira. “É preciso ter uma formação específica para trabalhar em cooperativas”, afirma o professor.
A psicóloga Andrea Girotto, supervisora de recursos humanos da Copacol, cooperativa agroindustrial paranaense, com sede em Cafelândia, tem vivido essa dificuldade diariamente. Com 4 200 sócios, 7 000 funcionários e faturamento de 1,4 bilhão de reais em 2011, a Copacol tem contratado 300 pessoas por mês para cargos operacionais. “Com o projeto de expansão, que prevê o dobro do faturamento até 2013, devemos contratar mais 900 pessoas para o novo frigorífico até o fim deste ano”, diz Andrea. “Vamos fazer recrutamento, seleção, preparar todo o processo de cargos e salários, treinamentos, desenvolvimento de líderes, folha de pagamento sem contratar nenhuma empresa, tudo será feito pela nossa equipe.”
É dessa forma que a cooperativa vem profissionalizando sua gestão. Sem ferir os princípios do negócio, a Copacol acabou de passar por um processo de transformação da área de RH, na qual desenharam mais de 20 processos em fluxos, como gestão de talentos, avaliação de desempenho e competências. “Olhamos o que o mercado tem de melhor em práticas de RH e voltamos para casa, customizamos isso de acordo com nosso negócio e atratividade necessária aos colaboradores”, diz Andrea.
A customização é uma regra no mundo das cooperativas quando se trata de incorporar ferramentas e práticas de gestão de pessoas. Não é possível, por exemplo, adotar um modelo típico de meritocracia num negócio em que as pessoas são promovidas por votação, como aconteceu com Nelson Paulo Rossi, hoje gerente de RH da Aurora, uma das cinco maiores cooperativas do ramo frigorífico do país, com sede em Chapecó, Santa Catarina, e faturamento de 3 bilhões de reais em 2011. Quando seu antecessor deixou a organização, em 2007, os 11 funcionários da área se reuniram e consensualmente chegaram ao nome de Rossi. Democrático, sim. Não necessariamente meritocrático.
Outras barreiras
Há outras dificuldades que os gestores de RH enfrentam para atrair gente para as cooperativas. Uma delas é a falta de agilidade e velocidade nas tomadas de decisão. “O que numa empresa levaria dois dias numa cooperativa demora dois meses”, diz Márcia Hasche, consultora de São Paulo, com 25 anos de experiência em recursos humanos.
Isso acontece porque o modelo democrático envolve a análise e a participação de muitas pessoas — em todo e qualquer ponto a ser discutido —, outra barreira para os profissionais mais competitivos. “Podemos construir uma proposta técnica, mas ela vai passar por todas as cooperativas, ou seja, você trabalha como especialista, mas o projeto vai passar pela aprovação de leigos”, explica Viviane Furquim, superintendente de gestão de pessoas do Banco Sicredi (Sistema de Crédito Cooperativo). Pedagoga e pós-graduada em gestão empresarial, com mestrado em administração, Viviane, que trabalhou na CPFL, no Walmart e está há nove anos no Sicredi, onde ajudou a criar a área de RH, diz que os executivos do mercado não entendem que as cooperativas funcionam de forma diferente — em poucas palavras, na base da cooperação. “Temos dificuldade de encontrar gente com perfil adequado para trabalhar em uma empresa cooperativa”, diz Viviane. “E, se não tiver esse perfil, não vai funcionar.”
De acordo com Andrea, da Copacol, todo processo seletivo para trazer novos profissionais precisa identificar nos candidatos valores aderentes à filosofia e à cultura da cooperativa, que saibam e entendam que o dono do negócio são mais de 4 000 produtores rurais. Assim como Andrea, Viviane, do Sicredi, utiliza também ferramentas de gestão parecidas com as de um RH de empresa convencional, mas sempre adapta a sua realidade. “Tudo que buscamos precisa respeitar a cultura cooperativa”, reforça. O Sicredi tem como parceiros consultorias renomadas, mas somente tem aderência aos projetos que forem aprovados pela maioria. “Não posso simplesmente copiar e colar”, diz Viviane. “O mercado não nos trata diferente, mas queremos continuar fazendo do nosso jeito e sendo cada vez mais competitivos.”
Diferente, mas nem tanto
Com mais de 30 anos de experiência profissional, Nelson Paulo Rossi, da Aurora, começou sua carreira na área de desenvolvimento de pessoas na Sadia, onde ficou por 17 anos. Ele diz que nunca viu nada parecido antes de trabalhar numa cooperativa. “Os desafios de uma cooperativa são os mesmos de qualquer organização, a diferença está na cultura, nos relacionamentos”, diz. “Por isso, quem experimenta trabalhar em uma cooperativa não quer saber de voltar para uma empresa convencional.”
Na Aurora desde 2001, Rossi viu a organização triplicar de tamanho nos últimos dez anos. Quando chegou, havia 5 400 funcionários. Hoje, já são 16 000. “A visão de que as cooperativas não são competitivas é coisa do passado. Estamos em pleno crescimento, disputando espaço com as gigantes do setor, ou seja, o mercado não nos trata de forma diferente”, afirma Rossi.
Atrair e reter profissionais para um modelo de negócios pouco conhecido e com regras diferentes do sistema que se aprende em sala de aula é um desafio para o RH. A taxa de turnover da Aurora, por exemplo, é de 2% ao mês, um número próximo à média do ramo agropecuário. Já a média de tempo de casa de um funcionário na cooperativa é de cerca de quatro anos e meio. “Estamos todos desesperados por mão de obra e, por isso, precisamos alinhar nossas práticas às da concorrência, até mesmo para não ficarmos para trás”, diz Rossi. “Vim da Sadia e digo que não existe diferença em termos de políticas de recrutamento, benefícios ou salário. Na Aurora, nosso diferencial, que tem de ser mantido, é a nossa cultura”, afirma.
A boa notícia para os gestores de pessoas das cooperativas é que, além de elas estarem num bom grau de profissionalização — o que ajuda na atração de pessoas —, esse modelo de negócio começa a cair no gosto das novas gerações. “O nosso jeito de atuar está na moda, afinal, algo tem de ser bom para todos, não só para poucos”, diz Maurício Alves, gerente-geral de desenvolvimento de cooperativas do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop).