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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.
Uóxington Oliveira era representante comercial de uma empresa de porte médio. Depois de quatro anos de trabalho árduo, atingiu uma posição satisfatória e sabia que teria um futuro ainda melhor. Mas tudo mudou quando ele dividiu o quarto de hotel com o chefe, Taumaturgo, durante um congresso. Numa das noites, Uóxington foi acordado pelo chefe, que voltara de um jantar acompanhado e pediu que ele "fosse dar uma voltinha". Além de seu superior ser um homem casado, a mulher que o acompanhava, Isaura Lopes, era uma das clientes que Uóxington atendia. Mas o tom de voz de Taumaturgo o convenceu a vestir uma roupa e passar duas horas perambulando pelos corredores do hotel de madrugada.
A partir desse episódio, toda vez que Uóxington visitava a empresa de Isaura ouvia comentários jocosos dos colegas dela, que testemunharam o caso e não deixavam em paz o "sonâmbulo do hotel". Um mês depois do incidente, um gerente de treinamento acompanhou Uóxington em sua visita, ouviu as piadinhas e quis saber o que ocorrera. Uóxington decidiu então contar a verdade.
O gerente de treinamento ficou indignado e disse que Taumaturgo seria severamente punido, provavelmente demitido. Só que Taumaturgo era muito bem relacionado e o assunto foi esquecido - a não ser por Taumaturgo, que passou a azucrinar a vida do "delator". Bloqueado em sua carreira, discriminado pelos colegas, afogado em trabalhos sem importância e em conseqüência disso ganhando menos comissão, Uóxington não agüentou e pediu demissão.
Hoje ele está em uma outra empresa, de outro setor, mas a dúvida fica martelando sua cabeça: será que tomou a atitude certa ao tornar público o deslize do chefe? O que mais poderia ter feito?
Isto é o que podemos chamar de "meter-se numa enrascada quando menos se espera". Realmente ao caro Uóxington, que estava "quieto no seu canto", não foi dada outra alternativa senão a de ser conivente com a pouca responsabilidade de seu chefe.
Lamentavelmente, não é tão incomum vermos este tipo de conduta; afinal conhecemos até casos de presidentes de grandes países que passaram por situações semelhantes e inclusive foram defendidos por boa parte de seus compatriotas.
No seu caso, porém, Uóxington (o nome do personagem é mera coincidência), não vejo o porquê de sua preocupação. Não foi você quem tornou público o deslize do seu chefe, pois os próprios colegas da Isaura já estavam cientes da situação. A você não restou outra alternativa a não ser contar ao seu gerente de treinamento o que realmente aconteceu, pois ele poderia tomar conhecimento dos fatos de forma distorcida. Aí você acabaria sendo acusado injustamente. A sua autodefesa não pode ser considerada como "delação".
A única coisa que posso criticar é o fato de você ter demorado tanto para sair da empresa. No momento em que ficou clara a perseguição do Taumaturgo, você deveria ter pedido demissão imediatamente, mesmo em detrimento da sua carreira profissional dentro dessa companhia. Você deveria ter deixado bem claro que, para o homem, os aspectos éticos e morais se sobrepõem aos profissionais, ou, melhor ainda, estão bastante interligados para alcançar o sucesso. É claro que não está em você julgar a atitude do Taumaturgo - é um problema dele. Porém, no momento em que ela começou a interferir na sua vida, o repúdio deveria ter sido imediato, para o seu próprio bem e defesa de sua carreira. Envolvimentos desse tipo, mais dia menos dia, você pode estar certo, acarretarão sérios prejuízos aos seus protagonistas, mesmo com toda a influência que hoje, aparentemente, possam ter.
Walter Luiz G. Dias de Carvalho, sócio-diretor da Senso Assessoria em Recursos Humanos
Realmente, o nosso amigo Uóxington não andava muito bafejado pela sorte. Primeiro, só seria interessante dividir o quarto com o chefe se eles tivessem uma grande afinidade e proximidade. Se assim fosse, ele não se sentiria tão incomodado pelo caso e poderia até ter colaborado de outra forma para facilitar o encontro dos amantes. Em segundo lugar, mesmo sendo em um congresso com participantes "mais liberais", digamos assim, ele não encontrou nada melhor para fazer do que andar sozinho pelos corredores, enquanto seu chefe ocupava o quarto como o salão oval da Casa Branca.
Mas seria só falta de sorte ou também falta de competência? O nosso caro Uóxington "deu uma tremenda bandeira" ao vagar madrugada adentro pelos corredores como um vigia de motel. Pior que isso, ficou tão sensibilizado com a situação quanto uma estudante de colégio de freiras, a ponto de contar o caso para um gerente da empresa tempos depois, colocando em risco sua posição perante o chefe.
Faltou a Uóxington muito jogo de cintura e malícia para se sair melhor no episódio. O melhor seria ter ficado quieto, mesmo não concordando com o fato. Se fosse abrir a boca, que o fizesse na fatídica noite e continuasse a dormir. Ele poderia ainda desabafar em um momento de descontração fora do trabalho com um amigo da empresa em quem ele confiasse e não quisesse prejudicá-lo de forma alguma.
Taumaturgo também não foi brilhante, pois se expôs em nível pessoal com um funcionário e um cliente. De forma nenhuma, em seu cargo de chefe, deveria desqualificar a importância do evento com seus representantes comerciais e clientes. Além disso, errou novamente ao pressionar e prejudicar abertamente seu funcionário por questões pessoais, dando um péssimo exemplo para sua equipe de trabalho.
Por outro lado, não caberia ao gerente de treinamento nenhuma atitude que não fosse revisar seu programa de treinamento e desenvolvimento e processo de seleção, tendo em vista que o nível de atitude e comportamento do pessoal da empresa está realmente muito abaixo do mínimo esperado.
Paulo Ancona Lopez, consultor de empresas e sócio da Vecchi & Ancona Consulting
Não. Uóxington não deveria tornar público o deslize do chefe ou de qualquer outro funcionário de sua empresa porque é o tipo de situação em que todos perdem: o fofoqueiro, o objeto da fofoca e a companhia. A discrição faz parte do manual de sobrevivência do mundo corporativo. Um profissional discreto é sempre mais confiável. Na história, entretanto, o affair de Taumaturgo já era público na empresa de Isaura Lopes. Não era, digamos, nenhum segredo bem guardado. Talvez por isso Uóxington tenha resolvido responder com sinceridade à pergunta do gerente de treinamento. Mesmo assim, falou no calor das emoções, o que acabou soando como denúncia.
O que posso sentir é que esse representante comercial já devia ter tido outros problemas com o chefe, e por isso nao contemporizou a situação e se irritava com as brincadeiras. Taumaturgo e Isaura, sim, deveriam se incomodar com os comentários sobre seu caso, não ele. Profissionais de venda geralmente toleram e dominam com facilidade comentários e sarcasmos. Têm jogo de cintura.
Mas o desejo de Uóxington, me parece, era que Taumaturgo fosse descoberto pela direção da empresa e demitido, mas não às claras. Ele provavelmente torcia por isso, porque os romances de Taumaturgo eram facas de dois gumes. Podiam abrir portas para vendas num minuto e, no outro, emperrar qualquer negociação ao sabor do humor, brigas ou ciúmes da amante.
A história de Uóxington e Taumaturgo é apenas um viés do que acontece com freqüência nas empresas. A todo momento estamos sujeitos a ver, ouvir e até vivenciar fatos nada profissionais. O mundo corporativo não é impessoal. É feito de pessoas que não conseguem deixar suas emoções, suas neuroses e sexualidade em casa. Precisamos saber agir com naturalidade e discrição. É como na história dos três macaquinhos, que têm boca, olhos e ouvidos, mas não falam, não vêem, não ouvem.
Adriano Lima, diretor geral da Computer Associates do Brasil
Os personagens e o enredo desta seção são fictícios. Mas os especialistas chamados a dar sua opinião são genuinamente de carne e osso. Caso você tenha uma história a contar, entre em contato conosco pelo e-mail: avidacomoelae@email.abril.com.br
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