Carreira

Mesmo com vacina, retorno ao trabalho presencial é parcial

Mesmo com um cenário mais positivo pela frente, as empresas e os seus funcionários não estão tão animados para voltar ao trabalho presencial

Nos tornamos “acessíveis” a todo momento, uma agenda com início antecipado e fim desconhecido (kiszon pascal/Getty Images)

Nos tornamos “acessíveis” a todo momento, uma agenda com início antecipado e fim desconhecido (kiszon pascal/Getty Images)

Karla Mamona

Karla Mamona

Publicado em 15 de agosto de 2021 às 17h25.

Última atualização em 20 de agosto de 2021 às 11h10.

Nos últimos meses, a vacinação no Brasil se acelerou. Atualmente mais da metade da população tomou, pelo menos, a primeira dose do imunizante contra a covid-19. Os números de casos e mortes, que ainda estão altos, tiveram redução desde o pico no período entre abril e junho. Mesmo com um cenário mais positivo pela frente, as empresas e os seus funcionários não estão tão animados para voltar ao trabalho presencial: o retorno está sendo a “conta-gotas”.

O desejo das companhias em retomar as atividades presenciais, mesmo que de maneira híbrida, é claro. Segundo estudo realizado pela consultoria KPMG no primeiro semestre, 66% das empresas estavam interessadas em voltar ao trabalho presencial ainda em 2021, e os 34% restantes em 2022.

A situação, porém, já mudou desde o levantamento. “Agora estamos vendo que está em um patamar de 50% para voltar neste ano e 50% no ano que vem”, afirma Luciene Magalhães, sócia da KPMG. Não por acaso, 74% das empresas ouvidas pela consultoria afirmam que os planos da volta ao trabalho presencial mudaram em algum momento por causa do surgimento de novas cepas. Além disso, a vacinação completa ainda está na casa dos 20%, o que também atrapalha retomada.

A empresa de benefícios Ticket é uma das que estão bem conservadoras com a volta ao escritório. A companhia já possuía um programa de trabalho híbrido - misturando presencial e home office - desde 2018. Mas, com a pandemia, 100% dos funcionários foram para casa e por lá ficaram. Agora, a empresa começa a desenhar um retorno dos 600 colaboradores em três fases. A primeira delas, que deve ocorrer ainda neste ano, contemplará apenas voluntários vacinados e deve alcançar cerca de 10% dos funcionários, sendo que serão dois dias no escritório e três em casa.

Já a segunda terá um aumento considerável, de até 50%, respeitando os protocolos de distanciamento. A terceira fase, que só deve acontecer no ano que vem, terá 100% dos funcionários mas trabalhando no modelo híbrido. Segundo José Ricardo Amaro, diretor de recursos humanos da Ticket, tudo está sendo feito em contato com os empregados. “E a quantidade de dias trabalhados em casa e no escritório vai variar de área para área”, diz.

O modelo híbrido é visto tanto por empresas quanto por especialistas como um caminho sem volta. Uma pesquisa realizada pela companhia de coworking WeWork com a consultoria Workplace Intelligence aponta que 53% dos funcionários desejam trabalhar três ou mais dias em casa por semana.

O Mercado Livre vai apostar nesse modelo, mas hoje vive uma dualidade. Enquanto há mais de 6 mil colaboradores trabalhando presencialmente nos centros logísticos, a sede, em Osasco (SP), com mais de 33 mil m², está vazia. Nesse segundo caso, mesmo sem prazo para voltar, há uma certeza: o retorno será no esquema híbrido. A empresa criou um comitê para avaliar a volta e definiu que, quando tudo estiver normalizado, 50% da carga horária dos funcionários será de casa e a outra metade, na sede.

“Entre os indicadores que avaliamos para a volta está a evolução dos índices pandêmicos e de vacinação das equipes, acompanhado a partir de um formulário em que o colaborador pode informar se já foi vacinado”, diz Patrícia Monteiro, diretora de pessoas do Mercado Livre no Brasil.

Novatos. Existem os casos de pessoas que foram contratadas durante a pandemia e sequer tiveram contato com os colegas. Beatriz de Oliveira, analista de marketing da startup de entregas Daki, é uma delas. Para ela, seria interessante voltar a trabalhar pelo menos dois dias da semana no escritório. Mas existe um problema: a Daki, que foi fundada em janeiro deste ano e já recebeu um aporte de quase R$ 1 bilhão, sequer tem sede.

De lá para cá, a empresa já contratou 150 pessoas - um número que cresce todos os dias. Segundo Rafael Vasto, presidente da Daki, a maior parte está trabalhando de casa e alguns poucos ficam em salas dentro das “dark stores” (lojas ocultas) que a empresa utiliza como estoque.

A pandemia fez com que a procura por um escritório central ficasse para depois, mas a empresa já está em busca de espaços que comportem um número ainda maior de funcionários, pois tem mais vagas abertas. “Montar um time e construir uma cultura sem que ninguém se conheça é mais difícil e, agora que a vacinação está andando, estamos pensando em um escritório, que adotará modelo híbrido”, afirma Vasto.

Saudade do escritório

No entanto, ainda existe uma fatia de 34% que gostaria de trabalhar todos os dias do escritório, seja por falta de estrutura em casa ou por se concentrar melhor no escritório, segundo o estudo da WeWork e da Workplace Intelligence. Esse cenário é cada vez mais distante, mas há empresas que querem 100% da sua força de trabalho em alguns dias da semana. É o caso da Simpress, que faz locação de equipamentos e soluções para gestão de documentos.

A empresa viu a demanda para seus negócios, especialmente para a locação de computadores e notebooks, disparar durante a pandemia. Com um crescimento de 35% no primeiro semestre, a empresa chegou a faturar R$ 1 bilhão em 2020. Para dar conta da demanda, o presidente da empresa, Vittorio Danesi, esperava que essa volta fosse ser mais rápida.

Hoje, o escritório da companhia está completamente vazio. Danesi porém, espera que até dezembro todos os seus 1,9 mil funcionários estejam vacinados e trabalhando presencialmente de terça a quinta - já segunda e sexta, todos farão home office. A partir de setembro, todos os funcionários que tiverem tomado as duas doses serão convocados a voltar à sede. “Há um desejo grande de as pessoas voltarem ao escritório. O home office não substitui a troca diária que acontece na empresa”, afirma o executivo.

Empresas ‘tech’ se expandem

A pandemia de covid-19 foi um baque para o mercado de escritórios em São Paulo - maior centro corporativo do País. No fim de junho, um quarto dos prédios comerciais estava sem locatário. No entanto, um alento surgiu nesse cenário difícil: empresas ligadas à tecnologia, muitas delas capitalizadas após rechear o caixa com rodadas de investimento ou aberturas de capital, estão em busca de mais espaço. Mesmo com o home office, algumas dessas companhias têm contratado tanta gente que estão precisando de escritórios novos - de preferência, nos melhores e mais caros endereços da capital paulista.

No momento, a PagSeguro, a Kavak, a Stone e a chinesa Shopee, entre outras, estão em busca de novos espaços, apurou o Estadão. Dentro dessa tendência, um movimento que agitou o mercado imobiliário veio do Facebook: o aluguel de um espaço de 20 mil metros quadrados em um novo prédio na Faria Lima - apesar de a empresa estar hoje em regime 100% remoto.

Além das empresas 100% “tech”, companhias mais tradicionais da indústria, como a SaintGobain, segundo fontes, estão buscando ampliar seus espaços para regiões mais centrais. No caso da multinacional francesa, isso reflete a expansão da área de inovação.

“Muitas empresas de tecnologia cresceram muito, e houve um aquecimento da busca por escritórios”, diz Mariana Hananina, diretora de pesquisa e inteligência de mercado da Newmark, consultoria especializada no setor corporativo. Esse movimento começou há 18 meses e continua até hoje. Na maior parte dos casos, essa procura por novos espaços se refere a uma demanda futura - uma vez que, por enquanto, o trabalho remoto domina as rotinas das grandes companhias.

Entre os exemplos de empresas de forte crescimento buscando escritórios está a 1m2, uma plataforma de venda de loteamentos. Aproveitando-se de um espaço que ficou vago próximo ao local onde mantinha seus escritórios, a startup decidiu mudar de endereço e ampliar seu espaço. “Crescemos em 50% o número de funcionários. Percebemos uma vacância muito grande e detectamos uma oportunidade”, diz o presidente da 1m2, Rodrigo Gordinho. A empresa espera encerrar este ano com um crescimento de vendas de 200%.

Apesar desse aquecimento entre empresas de tecnologia, os números do mercado imobiliário corporativo ainda mostram um elevado índice de vacância. Isso é reflexo da pandemia e também do aumento de lançamentos em São Paulo.

Segundo dados da Newmark, a taxa de espaços vazios na capital paulista atingiu 25,1% no fim de junho no mercado de prédios de alto padrão. No entanto, uma análise mostra um desempenho desigual entre as regiões. No Itaim, só há 1,4% de espaço livre. Na Faria Lima, a oferta está em cerca de 15%. Na contramão, a área próxima à Chucri Zaidan, na zona sul, tem mais de 35% de vacância.

Recorde de entregas

O que chama a atenção, diz a presidente da Newmark, Marina Cury, é que neste ano muitas outras obras serão entregues, chegando a um volume de aproximadamente 250 mil metros quadrados em lançamentos de lajes corporativas - um recorde. Ela lembra que essas decisões de investimento, que se refletem em novos edifícios entregues hoje, foram tomadas cinco anos atrás. Por isso, o estoque continuará subindo nos próximos anos: serão 63 mil m² em 2022 e mais 66 mil m² em 2023.

Segundo Caio Castro, sócio da gestora de fundos imobiliários RBR que tem uma série de edifícios corporativos no portfólio, o mercado imobiliário tem passado, em um ano de pandemia, por situações distintas. Regiões como Faria Lima, Paulista e Pinheiros estão com o índice de vacância mais baixo - o que tem ajudado a manter o preço dos aluguéis em alta.

Já em outras áreas, caso da região da Chucri Zaidan e da Berrini passam por um movimento oposto, principalmente por estarem longe de estações do metrô, segundo Castro. Para as empresas de tecnologia, a localização se tornou um trunfo na hora da contratação. O especialista afirma que, em áreas consideradas melhores, o funcionário se mostra mais disposto a abandonar o home office e voltar ao regime presencial.

A diretora na divisão de Escritórios da JLL, Yara Matsuyama, afirma que, apesar de a taxa de ocupação no segundo trimestre ter crescido em relação ao período anterior, o índice de absorção também cresceu, mostrando que houve um maior movimento de empresas montando ou ampliando escritórios.

“Agora vemos no horizonte uma vacinação em massa, e isso faz com que as empresas comecem a considerar um retorno”, afirma. Dentre os destaques, ela confirma a maior busca das empresas de tecnologia por espaços. Muitas startups têm procurado escritórios na região de Pinheiros, bairro que já atraiu a fintech Nubank, por exemplo.

Empresas optam por educar funcionários sobre a vacinação

A discussão em torno da volta aos escritórios ganha mais corpo com o avanço da vacinação. Porém, também cresce o debate a respeito de como as empresas podem cobrar dos funcionários a imunização para que a volta ao trabalho presencial seja segura para todos. A maior parte das companhias se posiciona de maneira mais educacional: querem convencer os seus trabalhadores da importância da vacinação.

A multinacional de tecnologia Intuit só irá retornar aos trabalhos presenciais quando 70% da população estiver completamente imunizada - ou seja, tenha tomado as duas doses necessárias. Mesmo assim, a companhia está apenas mandando comunicados e mensagens falando sobre vacinação para os funcionários.

“Nossa mentalidade é de não obrigar ninguém a fazer nada. Apoiamos que as pessoas se vacinem e facilitamos para que isso ocorra”, afirma Davi Viana, diretor geral da Intuit no Brasil, que tem mais de 100 colaboradores e está com a sede fechada desde o início da pandemia.

A startup Nuvemshop, que é um marketplace para pequenos e médios varejistas, vai seguir o mesmo caminho. Para Santiago Sosa, presidente da empresa que saiu de 100 pessoas para mais de 600 colaboradores (sendo 300 no Brasil) durante a pandemia, trata-se de uma escolha individual.

“A vacinação é bem importante, e vejo que a maioria vai se proteger para proteger o restante. Mas, como defendo as liberdades individuais, não vamos obrigar. Vamos apenas mostrar os vários benefícios que a vacinação tem”, afirma. Empresas como Ticket e Mercado Livre também seguem esse padrão.

Nos Estados Unidos, onde mais de 70% das pessoas com 12 anos ou mais já se vacinaram, mas que começa a sofrer com a proliferação da variante Delta, um grupo de empresas já determinou a obrigatoriedade da vacina para a equipe. Entre as companhias que podem demitir colaboradores sem vacina estão gigantes como Google, Netflix, McDonald’s, Uber, Apple e Facebook.

Tolerância zero

A Simpress quer seguir o mesmo caminho. De acordo com o presidente da companhia, Vittorio Danesi, trata-se de uma obrigação dos funcionários. Ele, que pretende que 100% da sua força de trabalho, de 1,9 mil pessoas, já esteja apta a trabalhar presencialmente no fim do ano, diz que será “tolerância zero” com quem não optar por tomar o imunizante.

“A regra é clara desde o início. A Simpress vai ter tolerância zero. O desejo individual não pode prevalecer à saúde do coletivo. Se a pessoa quiser ter um tratamento diferente da ciência e não tomar a vacina, será demitida”, afirma Danesi.

Juridicamente, os empregadores podem exigir que os funcionários tomem a vacina contra a covid-19. Como a vacinação é uma medida de proteção individual e coletiva ao mesmo tempo, o artigo 158 da CLT afirma que pode haver demissão de justa causa nesses casos.

“O empregador tem o dever legal de manter um ambiente sadio. A liberdade individual não é absoluta, pois o direito da coletividade se sobrepõe a ela. Entendo que, se existir a recusa do empregado (em vacinar-se) mesmo depois de a empresa fazer um informativo com viés educativo, isso poderá levar à demissão por justa causa”, afirma Leonardo Jubilut, do escritório Jubilut Advogados.

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