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Luísa Granato
Publicado em 23 de agosto de 2018 às 06h00.
Última atualização em 23 de agosto de 2018 às 06h00.
São Paulo - É só falar em matemática e muitos já torcem o nariz, sacodem a cabeça e declaram seu desgosto pela matéria. Aos avessos a números e cálculos, provas complicadas, fórmulas impossíveis e outros traumas são, via de regra, associados à disciplina.
Era essa a reação que Ivonete Dezinho via no rosto de seus alunos do 8º ano toda vez que entrava na sala. Era um retrato de desânimo geral com a sua aula e em aprender a matéria.
Como muitos antes deles que já se formaram e têm seus empregos, os jovens se perguntavam: para quê eu vou usar isso na vida?
Com a missão de resgatar a curiosidade desses alunos, a professora de Naviraí, em Mato Grosso do Sul, pediu que os alunos da EMEF Professor Milton Dias Porto procurassem nas profissões do dia a dia como a matemática era utilizada.
Abrindo espaço para sugestões dos alunos, Ivonete deixou que eles investigassem trabalhos pelos quais se interessavam. Médico, chefe de cozinha e astronauta foram algumas das profissões sugeridas e os estudantes também entrevistaram profissionais próximos do seu cotidiano como, por exemplo, padeiros e garçons.
Após a investigação inicial, a etapa seguinte foi na sala de informática. Os grupos fizeram exercícios para os colegas responderem, elaborados de acordo com os desafios cotidianos em que a matemática se faz presente. No papel de professores, eles até corrigiram e deram as notas.
Para lidar com outro trauma, o dos pais chamados à escola somente para ouvir reclamações, ela convidou os responsáveis dos alunos para conhecer o projeto, se envolver no assunto e explicar em casa como a matemática também estava em suas vidas.
“Ao longo do projeto, fui me surpreendendo, naturalmente eles começaram a se interessar e falar de matemática no dia a dia. O fantasma da matemática foi se dissipando. O mais importante foi eles entenderem que é possível aprender”, diz Ivonete.
Os alunos começaram a entender como seus pais faziam o orçamento da casa ou como cuidavam da aposentadoria. “Foram momentos muito ricos de trocas de experiências com pais e avós, todos aprenderam, inclusive eu. Eles trouxeram outros conhecimentos para a aula, como o pai que calcula área sem usar a fórmula ou como o avô calcula os juros”, fala ela.
Com esse projeto, Ivonete foi uma das 10 finalistas do prêmio Educador Nota 10 entre mais de 4 mil iniciativas em educação inscritas de todo o Brasil.
O prêmio em sua 21ª edição é uma iniciativa do Grupo Abril em parceria com a Globo, organização da Fundação Victor Civita e da Fundação Roberto Marinho, com apoio da Associação Nova Escola e patrocínio da Fundação Lemann e Somos Educação.
Os ganhadores recebem um vale-presente no valor de R$ 15 mil. Em outubro, na cerimônia de premiação em São Paulo, será anunciado o Educador do Ano, que ganhará o prêmio adicional de R$ 15 mil.
Ivonete tem 30 anos de carreira e esse foi seu primeiro projeto inscrito no prêmio. Ela conta que nasceu no Ceará, filha de pais lavradores e analfabetos, que aprenderam a ler com sua irmã mais velha.
Ela depois ensinou seus dois irmãos mais novos a ler e escrever. “Eu os alfabetizei com carvão, onde dava, quando foram para escola, já sabiam ler. Meus pais diziam que a única riqueza que podiam dar para os filhos era a educação”, conta.
A professora de São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais, Elenir Novaes sempre quis dar aulas. Ela assumiu sua primeira turma aos 16 anos e nunca mais parou de lecionar. Com 25 anos de carreira, ela também nunca parou de estudar: tem pós-graduação em supervisão, orientação e inspeção escolar e em psicopedagogia.
Sua maior inspiração é a mãe, Luzia Maria Jesus Oliveira. “Ela ensinava cinco séries juntas em uma sala só, dava conta de tudo. No tempo dela, não tinha quem ajudasse na merenda e ela mesma tinha que fazer o lanche dos alunos”, conta.
Na mãe, ela viu a influência que um educador pode ter na comunidade e como ela inspirava os jovens a pensar de formas diferentes.
Esse foi o desafio assumido com seus alunos de 8 anos, na Escola Municipal Campos do Amaral, que passavam mais tempo desenhando os números do que pensando na solução de problemas matemáticos.
Com seu projeto “De cor e salteado”, Elenir também se tornou uma das 10 finalistas do Educador Nota 10 de 2018. Assim como Ivonete, ela precisava ligar o conteúdo da sala de aula com o uso prático da matemática.
Seu objetivo era que seus alunos se apropriassem de estratégias de pensamento lógico para resolução de problemas. Para isso, ela desenvolveu exercícios que exigiam raciocínio e eles deveriam apresentar caminhos diferentes para a solução.
Ela introduziu a ideia de "sobrecontagem", por exemplo, em que o aluno realiza a soma a partir do número de maior valor. Nos jogos e atividades, até a calculadora estava liberada, o importante era desmembrar o processo matemático.
Muitas vezes, a solução de um problema, como a resistência ao aprendizado da matemática, não é tão complexa. É necessário o trabalho, como o da professora mineira, de diagnosticar a dificuldade e agir com os recursos disponíveis. Acima de tudo, o professor ensina a pensar, e faz toda a diferença.
“Fiquei contente quando eles começaram a compartilhar esse conhecimento com a outra turma. Tive que preparar uma atividade para que ajudassem os amigos. E outras crianças começaram a tirar a dúvida com eles”, diz.
Para ela, a premiação foi a coroação de anos de persistência dedicados à educação.
“No momento em que nos encontramos no país, o reconhecimento do professor se faz necessário. Muitos fazem trabalhos brilhantes, mas sem valorização, nem na escola ou na secretaria. A organização desse prêmio contribui para a melhoria da educação. Ele traz um consolo profissional, de que alguém está percebendo que você faz a diferença onde está”, confessa Elenir.