Mandetta: o político foi demitido ontem pelo presidente após semanas de conflito (Ueslei Marcelino/Reuters)
Luísa Granato
Publicado em 17 de abril de 2020 às 07h00.
Última atualização em 17 de abril de 2020 às 15h06.
Nesta quinta-feira, 16, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta após semanas de conflitos sobre a estratégia para enfrentar a pandemia do novo coronavírus no Brasil.
Até o momento, a doença já causou quase 2 mil mortes no país e ultrapassou os 2 milhões de casos no mundo.
Após o anúncio da demissão, o presidente declarou que o ex-ministro “fez o que, como médico, achava que devia”.
O maior ponto de conflito entre os dois foi a questão do isolamento social como medida contra a disseminação do vírus.
Para o presidente no Brasil da Consultoria LHH, José Augusto Figueiredo, o caso se relaciona totalmente ao ambiente de trabalho, mostrando um exemplo de conflito de convicções e causas entre lideranças.
“O ministro tem suas convicções voltadas para a questão da saúde e da debilidade do sistema de saúde. Enquanto o presidente olha para a questão macroeconômica. Foi difícil entrar em acordo”, comenta ele.
No trabalho, mesmo quando um gestor não concorda com seu superior, ainda é necessário que exista um ambiente em que possam trabalhar juntos.
“Mesmo que um tenha poder de demitir e o outro tenha o poder de pedir demissão, uma causa maior pode mantê-los ali. Mas, claro, todos têm seus limites”, fala Figueiredo.
Segundo Roberto Aylmer, médico, PhD e professor internacional da Fundação Dom Cabral, pesquisas acadêmicas e dentro de empresas mostram a mesma coisa: “as pessoas não se demitem de uma empresa, mas de um chefe”, fala ele.
No entanto, ele não acredita que esse será o cenário agora nas empresas.
Por falta de opções no mercado de trabalho por causa da pandemia e com o medo de perder o emprego atual, ele acredita que os trabalhadores sofrerão de sequestro moral.
“As pessoas não vão se demitir e serão mais cautelosas, não concordar com o chefe vai cair na sua lista de prioridades, mesmo que o chefe faça coisas erradas e o funcionário não confie nele”, comenta.
Junto a isso, Aylmer acredita que a crise e a quarentena tragam mais conflitos para as relações de trabalho. E essa combinação traz grandes riscos para o bem-estar e a saúde mental dos trabalhadores.
Com um cenário desfavorável, qual a solução quando o funcionário, mesmo que em posição de liderança, entra em conflito de ideias com seu chefe? Os especialistas apontam diferentes abordagens.
A recomendação de Aylmer é tentar separar as opiniões pessoais das questões institucionais. Um corte de equipe pode não ser bem visto por um gestor, mas aquele é o direcionamento da companhia.
A diferença entra quando a chefia usa da demissão como ameaça para conseguir resultados. O comportamento é uma forma de assédio e demonstra um exemplo de ações incorretas e que podem prejudicar a empresa.
Esse é o momento de denunciar os desvios para uma área de ouvidoria ou compliance, não se deixando render ao erro do outro. “Essa pessoa não representa mais os interesses da empresa. Na verdade, ele representa uma ameaça e deve ser denunciado”, diz ele.
Na área pessoal, que aborda as convicções e causas dos indivíduos, Figueiredo acredita que é comum e esperado que as pessoas entrem em conflito.
“O ponto chave é tentar entender o que move o outro. A convicção de um é diferente do outro. É preciso criar uma tolerância para manter um ambiente saudável e que os dois possam trabalhar juntos”, explica ele.
Quem trabalha sua empatia consegue se sair melhor em resolver esses conflitos, pois entende o repertório e motivação de todas as partes.
Para isso, é importante ter desenvolvido seu autoconhecimento e começar com a compreensão de que não conhece o outro. A primeira barreira para encontrar um compromisso pode ser eliminada aí, porém a relação de confiança precisa ser mútua para alcança-lo.
“Agora, se seu superior não acredita em você e não compra suas ideias, existem duas opções: ou você vende para outro ou sai da empresa”, diz o executivo.
De acordo com os dois, fica uma tarefa maior para as direções das empresas e áreas de Recursos Humanos deixar de lado ideias antiquadas de liderança. O modelo de “comando e controle”, o velho “eu mando e você faz”, se torna um inimigo da produtividade, da inovação e do bem-estar dentro das corporações.
“Não queremos máquinas com medo de se expor. Qual a utilidade de um líder que não ouve sua equipe? Nesse momento, ao presidente ou diretor: saiba que você não é o bastante para tomar as decisões da sua cadeira. Você não tem ferramentas o suficiente para olhar com lucidez os próximos passos e sair da crise”, fala Aylmer.
Figueiredo defende que o CEO da empresa não deve ter medo de falar que não sabe de algo. Cada vez mais, as pessoas em altos cargos precisam lidar com conhecimentos que não possuem. E um bom líder não pode ter medo ou se sentir ameaçado por pessoas que tragam pontos de vista diversos e novos.
“Temos uma premissa que quem está em cima sabe mais. Isso não é verdade. É comum ver as pessoas esperando que as ideias venham de cima. E algumas vem, outras não. Não existe hierarquia do saber e da inspiração. Na vida real, o estagiário pode saber mais e ser mais original do que o presidente da empresa”, fala o presidente da LHH.