Luiza Trajano, empresária e Conselheira da Magazine Luiza: “Eu não rejeito o novo. Estou sempre em evolução” (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter
Publicado em 4 de fevereiro de 2025 às 11h26.
Última atualização em 4 de fevereiro de 2025 às 11h51.
“Eu nasci num berço de empreendedorismo”, conta Luiza Helena Trajano, fazendo referência não só à trajetória de seu avô, que foi um vendedor com espírito de empreendedor –, mas também à determinação e coragem de sua tia (Luiza Trajano Donato) e de sua mãe (Jacira Trajano). “Minha tia, com muita dificuldade, foi vendedora em uma das maiores lojas da época, a Casa Higino. Ela se formou gerente e tempos depois comprou uma loja de presentes que estava à venda na frente do seu trabalho”, conta Trajano.
Foi nessa pequena loja de presentes em Franca, no interior de São Paulo, que a tia e a mãe de Trajano se uniram e começaram a trabalhar para pagar a entrada da loja. Era 1957, período em que até mesmo a televisão ainda não fazia parte do cotidiano das famílias brasileiras. “O resultado dessa pequena loja vemos hoje com a rede Magazine Luiza”, afirma a empresária que cresceu junto com o negócio familiar.
É sob essa influência de empreendedorismo feminino, que Trajano busca inovar este ano. Em abril, a empresária está prevendo o lançamento de um programa voltado para mulheres empreendedoras que são vendedoras no marketplace da Magalu, plataforma que permite que pequenos e médios lojistas vendam seus produtos online, sem a necessidade de investir em uma loja virtual própria. O programa tem como objetivo criar uma rede que facilitará a troca de conhecimentos, experiências e oportunidades de negócios entre essas mulheres. "Sinto que as mulheres tem mais dificuldades em empreender no Brasil, por isso vamos investir neste novo programa", diz Trajano que lidera pelo segundo ano consecutivo o Thought Leaders 100, ranking de executivos transformadores no Brasil pelo 2º ano.
Devido a sua história de vida, a empresária já desenvolveu diferentes incentivos ao empreendedorismo feminino e já criou iniciativas como o Grupo Mulheres do Brasil, que promove a participação feminina na sociedade e fortalece o papel das mulheres em diversas áreas, incluindo negócios, política, educação e direitos humanos. “Eu não rejeito o novo. Estou sempre em evolução”, conta Trajano aos 76 anos.
Em uma entrevista especial à EXAME, Luiza Helena Trajano, que atuou na Magazine Luiza como superintendente por 18 anos, como CEO por 6 anos e que hoje lidera o conselho do Magalu, fala sobre a sua origem, lições de carreira, legado e como pretende contribuir para o empreendedorismo no Brasil neste ano.
Ainda criança, ela conta que foi incentivada a buscar autonomia e aprender com as experiências do dia a dia. “Minha mãe não ficava na escola sabendo se eu era boa aluna ou não. Eu tinha que me virar. Se eu chegasse com um problema, ela falava: o que você pode fazer para a professora gostar de você ou para tirar uma melhor nota nesta matéria?”.
Ao assumir uma loja em Franca com apenas 17 anos, Luiza já demonstrava sua sede de aprendizado e evolução constante. “Eu sempre fui muito curiosa para aprender e para desenvolver soluções”, afirma.
Aos 17 anos Trajano veio para São Paulo para aprender sobre gestão por meio de cursos e da prática. Para ela, a experiência prática sempre foi muito poderosa.
“Eu vim para São Paulo muito novinha falar de uma empresa que era totalmente desconhecida, que o seu nome ‘Magazine Luiza’ não representava o que nós éramos. Não era uma revista ou uma confecção, era uma pequena empresa de varejo que buscava ser grande. Fui vendendo isso de porta em porta em um período em que não era tão comum mulher ser vendedora”, diz Trajano.
A trajetória de sucesso da Magazine Luiza não se deve apenas à dedicação, mas também à abertura para o novo e à constante evolução. Trajano viu uma pequena loja do interior de São Paulo se torna nacional e logo depois tecnológica, e muitas dessas evoluções veio de conhecimentos que ela adquiria por meio de cursos de gestão e de eventos como o NRF (National Retail Federation), principal feira de varejo do mundo que acontece anualmente.
“Eu vou na NRF há mais de 20 anos. E lá já estive e aprendi com os principais CEOs americanos e do mundo”, diz Trajano. “Eu tenho a mesma vontade de aprender do que há 20 anos. Eu não sinto cansaço, porque tenho muita motivação interna de estar sempre em evolução”.
Dedicação e estar aberto para o novo (inovação), segundo Trajano, são as habilidades que ela herdou da família e que fizeram a Magalu ser a companhia que é hoje.
A capacidade de compreender e se colocar no lugar do outro é um dos pilares da gestão de Trajano nesses mais de 30 anos liderando a Magalu. “Eu aprendi muito lidando no balcão o que é empatia. É trocar de papel, é se colocar no lugar de qualquer pessoa que está comigo”, afirma, demonstrando como essa habilidade influencia não só o atendimento ao cliente, mas também a condução interna da empresa.
Além disso, a empresária destaca o valor do trabalho colaborativo e a soma dos talentos para o sucesso de um time. “Eu acredito muito na soma dos QIs. Investi muito nisso. O varejo, que antes era visto como o último emprego desejado, hoje se transforma graças a essa energia de equipe”, conta a empresária, ressaltando que o sucesso da Magazine Luiza vem de uma cultura organizacional voltada para o respeito, a transparência e a união.
Um dos momentos mais desafiadores da história da Magalu foi a pandemia. As primeiras ações foi preservar os funcionários em home office e fechar as lojas – sem deixar de pensar em uma alternativa rápida para os impactos das lojas físicas.
“O primeiro pensamento foi preservar a vida dos funcionários. Imediatamente, fechamos a loja por precaução e aproveitamos a vantagem que já tínhamos: 50% das vendas já eram digitais”, afirma Trajano. “Em apenas 25 dias, nossa equipe, trabalhando dia e noite, colocou no ar o ‘Parceiro Magalu’, plataforma que permitiu que milhares de pessoas, não só nossos vendedores, mas também outros parceiros, pudessem continuar a vender os produtos da loja de casa.”
Apareceram mais de 600 mil pessoas. Foi a primeira vez que a Magazine Luiza usou o modelo para vender em larga escala, segundo Trajano, que viu uma crise se transformar em uma oportunidade.
“Crescemos duas vezes no período da pandemia, graças a capacidade do time de adaptação e de inovação”, afirma.
Na época, além das iniciativas internas para garantir a continuidade dos negócios e apoiar a equipe, Trajano se envolveu diretamente na campanha de vacinação, por meio do programa "Unidos pela vacina", que ajudou a acelerar a imunização em massa da população contra a Covid-19 e ajudou a auxiliar o poder público na aquisição, distribuição e aplicação dos imunizantes em todo o país. A iniciativa, foi criada pelo Grupo Mulheres do Brasil, criado em 2013 por 40 mulheres de diferentes segmentos com o intuito de engajar a sociedade civil na conquista de melhorias para o país. O grupo é presidido pela empresária Luiza Helena Trajano e possui 130.071 participantes no Brasil e no exterior.
“Eu recebo muitos prêmios fora do Brasil por dois motivos. Um, por causa desse programa de vacina, e o outro sobre programas de diversidade”, afirma Trajano que tem sua sala rodeada por um rack com vários prêmios, entre eles está o prêmio que a homenageia pelo quarto ano consecutivo como a líder de melhor reputação do Brasil, em pesquisa publicada na Revista Exame pela consultoria espanhola Merco.
Outro ponto central na gestão de Luiza Trajano, além do estímulo ao empreendedorismo e crescimento no Brasil, é o compromisso com a diversidade. Ela lembra com orgulho dos programas e iniciativas que implementou para ampliar a presença de mulheres e negros em cargos de liderança.
“A diversidade não é só um ato de bondade, ela é um ato de inovação. Quanto mais gente diferente sentada numa mesa, mais você inova”, afirma Trajano.
A trajetória inclui momentos emblemáticos, como o Trainee focado para profissionais negros – iniciativa que, embora polêmica à época, hoje serve de exemplo para outras empresas.
“Lançamos o treinamento interno e, mesmo com críticas, a mudança se reverteu mundialmente. Hoje, servimos de exemplo para diversas organizações”, conta Trajano, ressaltando que a inovação passa também pela construção de ambientes mais justos e inclusivos e por uma das inovações de Frederico, seu filho, no cargo de CEO.
Sobre mulheres na liderança, esse sempre foi um desafio de Trajano, mas para ela esse desafio se transformou em uma oportunidade para reafirmar sua identidade e força. “Eu nunca quis ser masculina para trabalhar, por isso que sempre optei em trabalhar usando saia ou vestido. Queria assumir minha feminilidade e, ao mesmo tempo, não ter dó de mim mesma, levantar a mão e dizer: eu tenho algo a contribuir”, conta Trajano, ressaltando que sempre teve uma postura firme e autêntica em reuniões e debates.
A missão de Trajano vai além do sucesso empresarial. Ela acredita firmemente que o empreendedorismo é uma das principais alavancas para reduzir desigualdades no Brasil. “Eu só vejo uma forma de sair da desigualdade, e é por meio da educação e do emprego”, diz a presidente do Conselho do Magalu. “Eu sou voluntária da pequena e meia de empresa desde 1986. Não é só porque eu fui pequena um dia, mas porque eu acredito que só vamos sair da desigualdade no Brasil, que tem muita ligação com o período da escravidão, se investirmos por meio da educação e na geração de empregos”.
O pensamento da Luiza Donato Trajano, que foi a fundadora do Magazine Luiza, era criar uma empresa para gerar empregos para as famílias brasileiras, reforça Trajano.
Esse espírito empreendedor também esteve presente em momentos críticos da trajetória da então conselheira do Magalu, como quando chegou no Nordeste, em 2010, e comprou as Lojas Maia. “Na época, mesmo sem lucro, conseguimos triplicar a empresa que hoje tem tanto sucesso no Nordeste. Antes dávamos 350 empregos e hoje já damos mais de 4 mil empregos só na região”, diz.
Além de expandir a Magazine Luiza, a família Trajano tem aposta em iniciativas voltadas para pequenos e médios empreendedores, como os 320 mil “sellers” que já fazem parte da rede online da Magalu.
“Muita gente me pergunta se eu pensava em chegar aonde cheguei. E não, não pensei. Mas também nunca perdi uma oportunidade de melhorar o cenário ao meu redor”, afirma Trajano.
O legado, para Luiza Trajano, não se mede apenas pelos números, mas pelo impacto social e pelas oportunidades geradas. “Minha maior conquista foi acreditar no Brasil e gerar mais emprego. Estar 27 anos entre as melhores empresas para se trabalhar é fruto desse compromisso”, conta.
Em meio a desafios, crescimento e mudanças, a presidente do Conselho da Magazine Luiza segue com uma postura de transparência e proximidade – mantendo uma “sala aberta 24 horas” para ouvir seus clientes e funcionários, de segunda a sexta-feira. Aos finais de semana, seus hobbies se dividem entre assistir filmes de comédia romântica ou até passear de jet ski, e na semana compartilha com a nova geração (o filho Frederico Trajano, atual CEO da companhia) os novos voos da Magalu.
“Frederico tem uma visão estratégica de tecnologia digital muito grande e eu tenho uma visão estratégica do que vai acontecer com o país. Então, juntos, conseguimos pensar em boas estratégias”, afirma a conselheira que busca deixar um legado no Brasil.
“Quero ser lembrada como alguém que não ficou reclamando, mas que assumiu tudo e lutou junto para fazer o Brasil avançar”.
O varejo brasileiro movimenta trilhões de reais anualmente. Em anos recentes, o setor tem registrado cifras que ultrapassam a marca de R$ 1 trilhão em faturamento, consolidando sua importância para a geração de riqueza e emprego no país. Segundo estudos do IBGE e de associações do setor (como a ABRAS ou ABV), o comércio varejista representa uma parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Estima-se que o setor contribua com cerca de 10% a 13% do PIB.
O varejo é um dos maiores empregadores do país, oferecendo milhões de postos de trabalho, tanto formais quanto informais. No caso da Magazine Luiza, mais de 36 mil pessoas fazem parte do time no Brasil. O Magalu encerrou o terceiro trimestre de 2024 com um caixa líquido ajustado de R$ 1,8 bilhão, um acréscimo de R$ 1,1 bilhão em relação ao mesmo período do ano anterior. A receita alcançou R$ 9 bilhões, crescendo 4,9% e se mantendo alinhada à maioria das projeções. As vendas em lojas físicas registraram um salto de 15% em bases comparáveis, evidenciando a força desse canal, que teve um crescimento total de 13%. Em contrapartida, o desempenho do comércio online foi mais modesto, com um aumento de apenas 1,2%.