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Longe é advérbio, adjetivo ou substantivo?

Diogo Arrais, professor do Damásio Educacional, traz trechos da literatura para exemplificar os diferentes usos para o termo longe

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Da Redação

Publicado em 7 de abril de 2015 às 14h19.

* Escrito por Diogo Arrais, professor de Língua Portuguesa do Damásio Educacional

Há pouco mais de dois anos, os céus receberam, à mesa da genialidade, o escritor mineiro Autran Dourado. Com escrita fina, psicologia atenta, discurso típico, presenteou-nos com a obra Uma Vida em Segredo.

Durante a narrativa, o leitor é levado a infindáveis descobertas de uma rica gramática do sertão.

“Depois que o noivo se foi para longes sertões, algumas mudanças começaram a se processar em prima Biela. Não eram mudanças bruscas que todos notassem assustados e se interrogassem e dessem explicações e procuras – sem ver no sumiço do noivo a razão de tudo – vocês viram como ela ficou depois? aquilo foi um golpe de morte na vida dela, não é mais a mesma, nada disso diziam (...)”

Descrever simplesmente que “o noivo está longe, em um sertão longe” não retrata a mesma indefinição de “longes sertões”. O bom escritor vai sempre além dos básicos acordes vocabulares; com um simples e existente plural, coloca o noivo em um “mais que longe” local.

O uso mais comum de “longe” (proveniente do latim longe) é como advérbio – classe sem a flexão de gênero ou número. Diz-se, por exemplo, que “o sujeito está longe demais” ou que “eles chegaram longe”.

No entanto, ao consultarmos quaisquer dicionários de nossa Língua, perceberemos uma outra classificação do termo, como adjetivo de dois gêneros: “casas longes”, “prédios longes”, “longes lugares”. Longe, determinando um substantivo, em referência ao “longínquo, remoto, distante”, concorda, pois, em gênero e número.

Existe ainda o substantivo plural “longes”, que remete a “traços vagos, indícios”. Em Obras Completas, Gonçalves Crespo assim redigiu:

“E havia nessa voz tamanha heroicidade / E uma energia tal, que uns longes de piedade / Cintilaram no olhar do torvo guerrilheiro.”

O próprio Autran Dourado, em entrevista, afirmou sofrer a angústia de suas personagens; daí, penso eu, teve ele o cuidado com a pluralização de tantos sentimentos.

No intuito de retratar longes horizontes vocabulares, longes percepções, há o ofício do escritor.


Um abraço, até a próxima e siga-me pelo Instagram!

 

Diogo Arrais
@diogoarrais
Professor de Língua Portuguesa – Damásio Educacional
Autor Gramatical pela Editora Saraiva
Acompanhe tudo sobre:Dicas de PortuguêsGramática

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