Jovens na loja da Riachuelo, em São Paulo: mais da metade das 3 000 posições de chefia é ocupada por pessoas com menos de 40 anos (Omar Paixão / VOCÊ RH)
Da Redação
Publicado em 27 de março de 2014 às 06h00.
São Paulo - Quando o anúncio sobre o novo diretor chegou aos funcionários da Syngenta, no fim de 2013, o comentário geral era sobre sua pouca idade. A diferença entre Antonio Carlos Guimarães, que deixava a empresa agrícola para se aposentar, aos 58 anos, e o alemão Karsten Neuffer, de apenas 41, escolhido para liderar a América Latina, era visível na foto que acompanhava o comunicado.
A Syngenta não foi a única a nomear um chefão jovem recentemente. Em meados de janeiro, David Neeleman, de 55 anos, que vinha acumulando os cargos de presidente e CEO da Azul Linhas Aéreas, passou o comando operacional da empresa para Antonoaldo Neves, de apenas 38.
Até pouco tempo atrás, essa idade chegava a ser um impeditivo para assumir um cargo desse nível. Para ser CEO de uma das 500 maiores corporações americanas há uma década, por exemplo, era preciso ter em média 55 anos, segundo um levantamento da Spencer Stuart, empresa de recrutamento de altos executivos. Em 2010, a média caiu para 53.
Hoje, no Brasil, os executivos chegam ao topo facilmente aos 50 anos — e, como se percebe, as exceções estão aumentando não só lá em cima mas em todos os níveis das empresas.
Do número 1 à base da pirâmide, as companhias estão contratando mão de obra cada vez mais jovem. Em 2011, por exemplo, 68% dos empregados das companhias inscritas no Guia VOCÊ S/A — As Melhores Empresas para Você Trabalhar tinham entre 18 e 39 anos. Em 2013, essa população já representava 76% nas empresas que participam da pesquisa — um aumento de 8 pontos percentuais em apenas dois anos.
Do outro lado, a participação dos trabalhadores de 40 anos ou mais diminuiu 6,5 pontos percentuais. Segundo um estudo realizado por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professores de duas universidades cariocas, a proporção é a seguinte: de cada dez pessoas com mais de 25 anos, quatro são contratadas no decorrer de um ano. De cada dez jovens entre 15 e 24 anos, as empresas contratam nove.
Sem perceber, ao selecionar mais e mais jovens para todas as posições, o empresário está comprando imaturidade e, consequentemente, perdendo eficiência. “Os mais novos não conseguem dar fluxo às discussões de ideia, perdem energia e, por raiva e inveja, acabam com a entropia, a capacidade de transformar energia em trabalho”, afirma Claudio Garcia, presidente para a América Latina da consultoria Lee Hecht Harrison|DBM.
Números comprovam essa tese. De acordo com 75% dos executivos entrevistados por consultores da PwC, os profissionais seniores têm experiência e conhecimento mais úteis à organização do que os juniores. Então por que as organizações estão contratando tantos jovens?
A resposta está no cenário. Falta gente para preencher vagas em aberto — e há uma oferta ainda crua tentadora no mercado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira contava com 60 800 664 pessoas de 20 a 39 anos em 2004.
Uma década depois, elas já somam 67 361 623. Num cenário de pleno emprego (a taxa de desocupação em 2013 ficou em 5,4%), essa massa de trabalhadores é bem-vinda. Preencher vagas nas quais existe escassez de profissionais, portanto, é o principal motivo para as empresas valerem-se dos jovens, de acordo com dados da Nextview People, braço de pesquisa da Cia. de Talentos (veja gráfico Tapa-Buracos).
O segundo é poder pagar um salário menor. Quando se busca um executivo hoje, dizem os especialistas em recrutamento, há limitação de orçamento em 95% dos casos. Isso porque, mesmo sem aumentar seus quadros, os empresários esperam reajuste de 8% na folha de pagamentos.
“Como fechar essa conta se o mercado não crescerá 8%?”, diz Denys Monteiro, presidente da consultoria de recrutamento Fesa. “A organização precisa se adaptar ao talento disponível e interessado em suas oportunidades, o que significa fazer uma proposta a alguém num cargo abaixo, promovê-lo e investir em treinamento.”
Os motivos mais nobres para contratar moços e moças, como trazer pessoas sem vícios de mercado e oxigenar os negócios, aparecem apenas no final da lista, demonstrando que a estratégia de curto prazo prevalece (necessidade e custo) sobre o olhar no futuro (inovação).
Máquina incompleta
Ao abarrotar suas companhias com rostinhos ainda sem marcas, mais cedo ou mais tarde, os executivos vão perceber que, no mundo dos negócios (talvez somente nele), as rugas fazem falta. “Você tem uma máquina que funciona à medida que acumula vivências, erre, sofra punições e aprenda”, afirma Carla Tieppo, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Se o indivíduo é superprotegido ou demora a ter experiências, seu cérebro não está totalmente desenvolvido. E a cada pulo de geração essa história se agrava. Afinal, os pais tendem a proteger mais seus filhos, que tendem a adiar cada vez mais suas responsabilidades.
Como resultado, o jovem hoje de 20 anos tem um comportamento mais infantil do que o jovem da década de 80. “No fundo, as companhias estão contratando adolescentes”, diz Carla.
Não é exagero. Segundo pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde americano, os mais novos são três vezes mais propensos a se julgar grandiosos e a ter necessidade de admiração e aprovação de outras pessoas do que os mais velhos. Isso vale para todos os jovens, mas os avaliados em 2009 apresentavam 58% mais desse comportamento do que os de 1982.
Apesar de ser multitarefa e pensar em tudo ao mesmo tempo, o jovem não tem “visão transversal, tridimensional e universal”, segundo Robson Gonçalves, professor e neuroeconomista da Fundação Getulio Vargas. “Ele executa a tarefa, vira a noite para entregar o relatório, mas desconhece a importância daquilo para os negócios”, diz Gonçalves.
“Quando o consumidor liga para reclamar de um produto ou serviço, por exemplo, o atendente tenta encaixar o caso em algum dos procedimentos que tem em mãos. Se não conseguir, não sabe como agir.”
A Nextel conhece bem essa situação. Para atender os clientes de seu serviço de telefonia celular 3G, a operadora criou o SAC 2.0, com interação por redes sociais, além do tradicional call center. Até 2012, a grande maioria dos 3 000 empregados da área tinha entre 18 e 25 anos e se reportava a uma diretoria, que também cuidava de outros departamentos.
Na época, a insatisfação estava tão alta que a Anatel (agência do governo que regulamenta o setor de telecomunicações) ameaçou proibir a venda de novas linhas caso a Nextel não melhorasse o índice de reclamações resolvidas, de 18,6%.
A solução adotada foi justamente deixar a equipe mais madura. A empresa criou uma vice-presidência exclusiva para o SAC 2.0, com seis gerentes seniores e outros 19 gerentes plenos, que estão na faixa de 34 a 41 anos. “Para ter senioridade, do ponto de vista de competências comportamentais, funcionais e técnicas, é preciso muita quilometragem”, diz Américo Figueiredo, vice-presidente de recursos humanos da Nextel.
Após a criação da vice-presidência, os resultados do departamento melhoraram. Segundo Figueiredo, a Nextel teve redução de 12% no número de queixas na Anatel e melhora de 16 posições no ranking do Procon, em 2013. O site Reclame Aqui (no qual os clientes publicam seus problemas) mostra que, em 2012, a operadora demorava em média 16 dias e 9 horas para responder ao cliente.
Em 2013, o tempo médio caiu para nove dias e 6 horas. “O fato de a Nextel ter melhorado a rede de telefonia ajuda, mas o melhor posicionamento nos órgãos de defesa do consumidor é resultado da seniorização”, afirma Figueiredo.
Perda de energia (e tempo)
O problema identificado pela Nextel é o mesmo que muitas outras companhias já perceberam — ou vão perceber em breve: os jovens têm muitas horas de simulação de voo, mas nunca voaram na realidade. “Seu déficit é entender a empresa holisticamente, e não por silos”, diz o executivo de RH da Nextel. “E, numa época de tantos dilemas, a visão holística é fundamental para resolver os problemas de negócios.”
Além da falta de experiência, o comportamento desses jovens é outro fator que vem atrapalhando, em alguns casos, os negócios. Uma vez que em casa tratam os pais de igual para igual, os mais novos costumam ignorar a hierarquia corporativa. É comum o relato sobre jovens que passaram por cima do chefe imediato e apresentaram o projeto ao diretor ou ao presidente da companhia.
“Eles nem percebem que estão atropelando a chefia, apenas não querem perder tempo mostrando a coisa para um, quando sabem que é o outro quem dará a palavra final”, diz Vicky Bloch, coach e consultora empresarial.
A situação se agrava quando esse jovem começa a subir os degraus corporativos e se torna o líder de outros profissionais ainda mais imaturos. O resultado? Todo mundo gastando tempo demais para gerenciar equipes. “Eles estão estrangulados entre gerir egos e ansiedade e a tarefa da área”, diz Deli Matsuo, vice-presidente de gestão e pessoas do grupo de comunicação RBS.
A pesquisa de clima da RBS revela que o jovem sente ter menos qualidade de vida (68% de satisfação com esse tema) do que aqueles de 36 a 53 anos (73%) e dos com mais de 54 anos (86%). Isso afeta os negócios, as famílias — e, claro, a gestão de pessoas. “Os liderados que não se sentem atendidos pelos gestores batem à porta do RH. E os gestores, despreparados e inseguros, também batem à porta do RH”, afirma Matsuo.
Lições de liderança
Se a invasão de jovens, no entanto, é algo quase inevitável, o que fazer para minimizar esses problemas? “Os executivos precisam ensinar ao jovem a conviver com a hierarquia, a ler o ambiente, a ouvir o feedback e o que ele faz com aquela informação”, diz Vicky Bloch. É isso o que a equipe de recursos humanos da rede de lojas Riachuelo tenta fazer, usando como base os conceitos do coaching.
A empresa tem a meta de abrir 40 lojas por ano, para as quais precisa de 200 líderes.
Como roubar os candidatos dos concorrentes causaria um déficit permanente de profissionais, a decisão foi formar mão de obra. Por meio de seu programa de trainee, a Riachuelo seleciona universitários de aproximadamente 21 anos que, após um ano, assumirão a gerência de uma loja ou de um produto.
Atualmente, mais da metade das 3 000 posições de chefia é ocupada por pessoas com menos de 40 anos. “Ser líder hoje é mais difícil do que no passado. Como tenho muitos executivos jovens nesse papel, isso é um ponto crítico para o negócio”, afirma Mauro Mariz, diretor de RH da rede.
Para diminuir o impacto que a pouca experiência pode trazer para os negócios, a Riachuelo investe no “Líder Coach”: todos os gestores recebem indicação de como agir, orientar, dar feedback, falar sobre carreira, ouvir e se portar. Ministrado por multiplicadores da área de RH, o curso é refeito anualmente pelos gestores da organização.
Deli Matsuo, do Grupo RBS, também aposta nesse caminho. “Quanto mais treinado o líder júnior, menos trabalho ele dá para o RH e menos pressão impõe a seu chefe”, diz. Neste ano, a Escola de Líderes, mantida pelo grupo, receberá metade de todo o investimento destinado à Universidade Corporativa. Em 2013, foram aplicadas 7 928 horas de treinamento presencial e 601 horas de treinamento online.
Para definir os cursos, o time de RH cruza os resultados da pesquisa de clima, da avaliação dos gestores e da produtividade de cada área. Se os liderados dizem que o chefe é excelente e a produtividade é alta, ele é um exemplo a ser seguido. O RH descobre o diferencial desse bom gestor e, com base em estatísticas, customiza os cursos.
“Os jovens são menos preparados para falar sobre carreira do que os seniores”, descobriu Matsuo e sua equipe. Portanto, oferecer coaching, nesse caso, afeta mais a produtividade do que dar feedback, já que o processo faz com que o funcionário se sinta ouvido e se conecte com o gestor.
Juventude x juniorização
Além dos treinamentos, é recomendado que os jovens sejam acompanhados. Na Riachuelo, apesar de os jovens serem a maioria e de os gerentes terem em média 25 anos, as posições críticas são ocupadas por profissionais maduros.
“A pergunta que se deve fazer é: ‘Como faço para dar a formação e a vivência a esses jovens sem colocar em risco sua carreira e a companhia?’ ”, diz Mauro Mariz. A resposta: “Há uma estrutura acima para tolerar isso”.
Essa estrutura também ajuda a manter a cultura corporativa. Com a rotatividade alta dos CEOs no Brasil (a média em 2012 foi 15%, a maior desde 2005) e a volubilidade dos jovens em permanecer no mesmo lugar, a empresa pode perder seu jeito de ser e fazer. “Ao longo dos anos, ela fica com uma crise enorme de identidade”, afirma Glaucy Bocci, líder da área de gestão da consultoria Towers Watson.
Os jovens, reconhecem os executivos, trazem muitos questionamentos às organizações. Algumas dessas questões talvez deveriam ter sido feitas há anos, mas provavelmente não foram por medo à hierarquia. Novas ideias surgem da reunião com esses grupos, e eles quebram paradigmas — algo fundamental no veloz mundo dos negócios.
Isso tudo é fruto da juventude — e não da juniorização, o fenômeno de colocar para dentro vários profissionais inexperientes e imaturos. Cabe à empresa — e ao RH como orientador máximo — identificar esses dois perfis — o jovem e o júnior. E isso vai depender do tempo que a organização vai definir para esse profissional dar um passo a mais. Se for muito cedo, ele corre o risco de tropeçar e em pouquíssimo tempo derrubar o que sua companhia demorou anos para construir: seus valores.