Caroline Dias, da Kraft Heinz Brasil: Estamos em um momento diferente de recrutamento e seleção, mais atualizado e moderno, que busca cada vez mais contratar pessoas alinhadas aos valores da empresa e sobretudo fazer uma avaliação justa de competências (Getty Images/Divulgação)
Repórter
Publicado em 23 de agosto de 2023 às 07h00.
Encontrar um candidato ideal para a vaga já é um grande desafio, considerando a variedade de perfis, experiências e formação que um profissional pode ter, mas além desses fatores as empresas precisam atender a um requisito que está sendo cada vez requerido: a diversidade dos profissionais.
E essa diversidade não se restringe apenas à raça, idade e gênero, mas também às condições sociais e étnicas que podem impactar desde o título da faculdade de formação até o nível do idioma inglês, por exemplo.
Uma pesquisa do Infojobs mostrou que, na visão de 50,6% dos profissionais, a diversidade e inclusão nas empresas ficam apenas no discurso de marketing, enquanto 43,5% acredita que é uma junção do marketing com conscientização genuína.
Considerando essa menor parcela, algumas empresas já adotaram processos seletivos às cegas e aprovam o resultado. É o caso da Jobecam, da Kraft Heinz Brasil e da Eaton.
A Jobecam, empresa de processos seletivos focada em diversidade e inclusão, trabalha com esse formato de recrutamento às cegas desde 2018, seja para vagas de estagiários até cargos de diretoria.
“Estimamos que mais de 5 mil pessoas, das 50 empresas que são nossos clientes, já foram contratadas neste formato desde 2018”, afirma Cammila Yochabell, CEO e fundadora da Jobecam.
O processo que também é conhecido como “Blind-CV” pode ser realizado de três maneiras, afirma Yochabell:
“Empresas que apostam nesse formato querem enaltecer as reais habilidades e aptidões profissionais da pessoa candidata, eliminando interpretações prévias sobre uma pessoa apenas pelas suas características pessoais e físicas, o que acaba excluindo grupos sub-representados pela sociedade como negros, mulheres, PCD, indígenas e a comunidade LGBTQIAPN+”, diz a fundadora da Jobecam.
Por ser um grupo que normalmente está buscando o primeiro emprego, é de se imaginar que um recrutamento às cegas seja mais desafiador, afinal o candidato não terá muitas experiências para compartilhar, mas é nesse momento de formação que os recrutadores encontram a oportunidade de oferecer espaços de trabalho para os diferentes perfis.
Por buscar a diversidade nesses novos talentos, as etapas iniciais dos processos seletivos de estágio da Kraft Heinz Brasil, dona das marcas Heinz, Hemmer, Quero e BR Spices no Brasil, são realizadas de forma oculta, sem triar informações de curso/faculdade/estágio anterior, ou seja, não enviam nenhum currículo aos avaliadores durante o processo, segundo Caroline Dias, diretora de people e perfomance de Kraft Heinz Brasil.
“Nosso objetivo é diminuir qualquer viés inconsciente e garantir uma avaliação focada em competências, impulsionando diversidade e o aumento da contratação de pessoas com perfis de alta performance. Para a contratação de estagiários, nosso único critério é o ano da formação, o resto é ensinado.”
A Kraft Heinz Brasil aposta no formato Blind-CV também para o processo seletivo de trainee, tanto que já foram contratados neste formato oculto 20 estagiários e 17 trainees:
“O processo de trainee é feito em grande parte de maneira oculta, porque não enviamos aos gestores nenhuma informação prévia sobre curso, universidade, gênero e raça dos candidatos. A liderança entra na sala no horário marcado para a entrevista apenas com informações relacionadas às competências,” afirma Dias.
Além do CV anônimo, a empresa também está apostando no formato da entrevista gravada:
“Estamos começando agora os testes de uma plataforma de inteligência artificial em que a pessoa grava a entrevista e, ao invés da sua imagem, aparece aos avaliadores um avatar. Então, quando o gestor assiste ele não sabe gênero e nem raça – inclusive a voz é modificada. Dessa forma, a avaliação foca no que a pessoa fala e diminui quaisquer vieses”, diz a diretora da Kraft Heinz Brasil.
A Eaton, empresa de gerenciamento inteligente de energia, já utiliza o CV oculto pelo segundo ano consecutivo em seu programa do estágio. Por meio da Bluy (plataforma da Companhia de Estágios), em 2022 a empresa contratou mais de 70 estagiários utilizando recursos da plataforma que ajudam a garantir a diversidade nos processos. Algumas vagas inclusive foram afirmativas só para mulheres.
As etapas do programa de estágio da Eaton são:
“Os recrutadores enviam aos gestores uma lista de candidatos selecionados nas dinâmicas com RH e os currículos são enviados aos gestores no formato oculto. Até o momento da entrevista, o gestor não tem acesso às características pessoais da pessoa candidata, como nome, gênero, etnia, idade e endereço, fazendo com que o destaque do candidato sejam as experiências, competências e habilidades,” afirma Carol Madureira, CEO da Bluy.
Com a Bluy, a expectativa da Eaton para este ano é de quase 100 vagas de estagiários trabalhadas nesse mesmo modelo.
Para ajudar os candidatos nas entrevistas, a CEO da Jobecam compartilha as seguintes sugestões:
“É muito bom receber o feedback destes talentos dizendo que se sentiram mais confortáveis durante as entrevistas, porque puderam focar em suas qualidades e habilidades e não na sua aparência, orientação sexual e religião. Pode soar confuso, mas no final das contas, nós não escondemos a pessoa candidata e sim enaltecemos pontos fortes desses talentos,” diz Yochabell.
A executiva da Kraft reforça os seguintes pontos para preparação do candidato:
“Dessa forma, o avaliador conseguirá entender a sua atuação e a avaliação dele focará nas competências que você apresenta. Afinal, a ideia central deste tipo de avaliação é a de que seus resultados do passados indiquem uma tendência de sucesso no futuro.”
Para a executiva da Bluy, saber destacar as experiências pode ser o diferencial de um candidato:
“No CV oculto as experiências terão maior destaque, por isso a importância de sempre preencher todas as informações que a pessoa candidata tiver. É preciso deixar o CV o mais rico possível. O nosso maior desafio é prestarmos atenção no que de fato faz a diferença.”
Para chegar ao formato ideal, a CEO da Jobecam afirma que ainda é necessário realizar algumas mudanças, e a primeira delas parte da empresa sentir a necessidade de diversificar o seu time:
“Em 2018, quando tivemos a ideia do processo anônimo, recebemos alguns ‘nãos’ de empresas dizendo que só talentos mais jovens iriam gravar vídeos e fazer seleções por vídeo, mas com a pandemia, tudo foi mudando e as empresas acabaram se adequando ao remoto, e aí a anônimo foi ganhando espaço. Ainda temos muito o que caminhar para chegar ao cenário ideal, mas acredito sim que as empresas vão se sensibilizar cada vez mais para esse novo formato de entrevistas,” afirma Yochabell
Para a executiva da Kraft o processo seletivo já é uma tendência, uma vez que o mercado trabalha para a redução de vieses inconscientes, não apenas para impulsionar ainda mais a diversidade, mas também valorizar as habilidades do candidato:
“Estamos em um momento diferente de recrutamento e seleção, mais atualizado e moderno, que busca cada vez mais contratar pessoas alinhadas aos valores da empresa e sobretudo fazer uma avaliação justa das competências,” diz Dias.
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