Carreira

Interior paulista é uma ótima opção para crescer na carreira

Infraestrutura de primeira, centros de excelência em formação de profissionais e investimentos bilionários tornam as cidades do interior de São Paulo uma excelente opção para crescer na carreira com qualidade de vida

Acelerador de partículas, em Campinas: 650 milhões de reais na construção de um novo equipamento, único da América Latina (Fabiano Accorsi)

Acelerador de partículas, em Campinas: 650 milhões de reais na construção de um novo equipamento, único da América Latina (Fabiano Accorsi)

DR

Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2013 às 18h29.

São Paulo - Diariamente, o engenheiro de produção mecânica Leandro Kimura, de 31 anos, gastava 3 horas para ir e voltar do trabalho. Leandro percorria 70 quilômetros para se deslocar de sua casa, em Santo André, até a empresa, em Guarulhos, na Grande São Paulo, e regressar após o fim do expediente.

Foram mais de dois anos nessa rotina, até ele receber uma proposta de emprego, em março de 2012, da fabricante alemã de autopeças Eberspaecher, em Sorocaba, e mudar para o interior. O engenheiro não precisou nem fazer conta diante da oferta de aumento de 15% no salário, do menor custo de vida e da comodidade de trabalhar perto de casa.

"Queria muito fugir da loucura de São Paulo", diz. Assim como Leandro, cada vez mais profissionais têm optado por sair da capital em busca de qualidade de vida e de melhores condições de trabalho. Segundo a consultoria Michael Page, desde junho aumentou 30% o número de currículos enviados por candidatos interessados em trabalhar no interior paulista.

As empresas têm feito o mesmo movimento, atraídas por menores custos de operação, oferta de mão de obra qualificada e proximidade com importantes centros de ensino e pesquisa. "Por essas razões, a região vem tirando investimentos que antes tinham o ABC paulista
como destino", afirma Paulo Vicente Alves, professor de estratégia e gestão da Fundação Dom Cabral.

Com isso, mais oportunidades surgem fora da capital. De janeiro a agosto deste ano, foram abertas no interior 70.228 vagas a mais do que o total de empregos criados em 2012. No mesmo período, a cidade de São Paulo gerou apenas 12.162 postos de trabalho a mais do que no ano passado. As informações são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). 

Os salários também estão mais atraentes. Segundo estudo exclusivo da Catho, feito a pedido da VOCÊ S/A, quem trabalha nos setores de agronegócio, veterinária e agropecuária em Jundiaí pode ganhar até 75% mais do que os empregados desses segmentos na capital.


Em Franca, os rendimentos na área de comércio exterior superam em até 60% os de São Paulo. Isso acontece porque, com mais empresas se instalando fora  da capital, aumenta a disputa por mão de obra qualificada no interior — o que valoriza o passe dos profissionais.

Mesmo com a desaceleração da economia, o movimento de negócios rumo ao interior deverá continuar. A montadora alemã Mercedes-Benz anunciou, em outubro, o investimento de 500 milhões de reais e a criação de 1.000 empregos diretos na nova fábrica em Iracemápolis.

A planta entrará em operação em 2016. A coreana Samsung promete colocar 300 milhões de dólares em uma fábrica de refrigeradores e máquinas de lavar, localizada entre as cidades de Limeira e Americana. A unidade deverá gerar mais de 2.000 empregos.

Como esses, há outros casos de cidades paulistas que estão atraindo novos negócios e criando oportunidades de trabalho, com bons salários. Tudo isso com uma oferta de qualidade de vida e acesso a escolas de primeira linha.

A versão brasileira do Vale do Silício

Campinas e sua área metropolitana, com 19 cidades, é hoje a região no Brasil que mais se assemelha ao Vale do Silício, sede das maiores e mais inovadoras empresas de tecnologia, nos Estados Unidos.

Localizada a 83 quilômetros de São Paulo, Campinas reúne em seu entorno um centro de excelência em pesquisa e formação de mão de obra qualificada (a Unicamp), além de outras universidades, polos de tecnologia formados por políticas de governo para atrair indústrias intensivas em conhecimento, redes de investidores e empreendedores com vontade de aplicar recursos que estimulam novos negócios.


Tudo isso à beira das mais importantes rodovias do país, a Anhanguera, a Dom Pedro I e a Bandeirantes. O Aeroporto Internacional de Viracopos, inaugurado na cidade em 1960, é o maior terminal de cargas em volume do Brasil. Em agosto de 2012, teve início o projeto de expansão, que vai anexar uma área de 145.000 metros quadrados, com novo prédio, 28 pontes de embarque, novas pistas e mais 4.000 vagas para veículos.

A reforma representou a contratação de 4.500 profssionais e vai mais do que dobrar a capacidade de trânsito de passageiros, dos atuais 6 milhões para mais de 14 milhões por ano a partir de maio de 2014.

"Campinas tem uma situação geográfica, social e econômica privilegiada", diz o professor Wilson Cano, do Centro de Estudos do Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Não bastasse isso, houve forte estímulo para empresas de base tecnológica se instalarem na cidade e em seus arredores. Nos últimos 20 anos, houve a criação das Companhias de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de  Campinas (Ciatecs) I e II, próximas à Unicamp, e, mais recentemente, do Techno Park, que reúne empresas ligadas à biotecnologia, à indústria de transformação, aos serviços hospitalares e laboratoriais e à tecnologia da informação.

Em 2006, sete anos depois da inauguração do Techno Park, três leis municipais foram sancionadas, aprovando a redução fiscal de IPTU e créditos de ICMS para empresas que queiram se instalar no parque. Hoje, há 65 companhias, 43 delas ligadas à área tecnológica, como a americana IBM e a chinesa Huawei. 

Novos investimentos 

Nos parques tecnológicos, trabalham 5.250 funcionários, com apenas 5% deles residindo fora da região metropolitana de Campinas. O salário de mestres fica entre 6.000 e 7.000 reais. O de doutores, entre 9.500 e 17.000, valores médios equivalentes aos da capital.

"A região se tornou centro promotor de inteligência", diz José Luiz Guazzelli, diretor da Associtech, que faz a gestão do Techno Park. A cidade não para de atrair investimentos.


Até 2016, entrará em operação no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, o acelerador de partículas de terceira geração, o único da América Latina (o de segunda geração já opera no LNLS).  O custo será de 650 milhões de reais.

A chinesa Lenovo vai transferir seu centro de pesquisa mundial para a cidade até dezembro, contratar 220 funcionários e investir mais de 130 milhões de reais na operação, que contará com parcerias com a Unicamp para a área de pesquisa. O intercâmbio entre empresas e universidades, que ainda não é uma prática estabelecida no país, funciona na região.

Só a Unicamp é responsável por 10% da produção científca nacional e é um importante centro de pesquisa básica, que gera conhecimento para pequenas empresas e grandes investidores transformarem em negócios.

Um exemplo recente do encontro entre capital e conhecimento é a GranBio, que tem como pivôs o investidor Bernardo Gradin (ex-Braskem) e o cientista Gonçalo Pereira, doutor em genética molecular. Criada em 2011, a GranBio é a primeira planta comercial de etanol de segunda geração, feito de bagaço e palha de cana, no Hemisfério Sul.

Oportunidades em outras áreas também têm crescido em Campinas e nos arredores. Atualmente, a área metropolitana emprega 249.000 pessoas na indústria de transformação, outras 37.000 no setor automotivo, 35.000 no setor têxtil e 8.000 em farmacoquímica.

O setor de serviços responde sozinho por 20 bilhões de reais no PIB e foi impactado pela expansão da área de cobertura da Azul Linhas Aéreas. Agora mais pessoas se deslocam para Campinas. 

Procuram-se técnicos e engenheiros

Puxadas pelo sucesso de Campinas, cidades vizinhas, como Louveira e Hortolândia, viram o número de indústrias dobrar na última década. Hortolândia, a 24 quilômetros de Campinas, recebeu mais de 250 empresas de 2005 a 2010. Nesse período, a taxa de desemprego na cidade despencou de 17,2% para 4%.


O PIB municipal, que hoje chega a 4 bilhões de reais, é um dos mais altos entre as cidades com menos de 200.000 habitantes. "A demanda por profissionais de áreas técnicas é contínua, principalmente para engenharias de produto, processos, manutenção, logística e suprimentos", afirma Miriam Kimura, gerente de aquisição de talentos da Dell Brasil, fabricante de computadores localizad em Hortolândia, que também é polo de indústrias de tecnologia. 

Se, por um lado, as empresas instaladas fora da capital encontram condições mais favoráveis para crescer, por outro, se deparam com a falta de mão de obra qualificada em algumas carreiras técnicas e nas engenharias.

A empresa de bens de consumo Procter&Gamble, produtora das marcas Pampers, Always, Hipoglós e Vicky, vai triplicar sua atual operação na cidade de Louveira (a 28 quilômetros de Campinas) em cinco anos. São 1.100 funcionários na fábrica — 85% deles das áreas técnicas. Em dois anos, serão mais 300.

"Para as carreiras de nível superior, buscamos engenheiros elétricos, mecânicos e, em menor número, farmacêuticos com expertise de laboratório e microbiologia", afrma Daniel Stoilov, gerente de recursos humanos da fábrica em Louveira.

O caminho da P&G para encontrar profssionais tem sido estreitar a relação com a Unicamp, em Campinas, a UFScar, em São Carlos, a USP de Ribeirão Preto, o Senai de Jundiaí e o de Campinas, e o colégio técnico da Unicamp. Uma das iniciativas é levar grupos de 30 alunos das escolas para conhecer a fábrica, de duas a três vezes por ano.

Outra é fazer palestras e participar de feiras voltadas para os estudantes. Uma vez na companhia, os jovens têm a carreira acelerada.
O programa de estágio da P&G, que abre inscrições a cada semestre e dura dois anos, é a principal porta de entrada. O diferencial é que o processo tem o objetivo de formar futuros líderes. 


"Se o estagiário é contratado, já entra como supervisor", diz Thais Simão, supervisora de RH da P&G. Funcionou para o engenheiro de produção Heitor Mariano, de 24 anos, que fez um ano de estágio e ficou com uma vaga de líder. Durante o programa, ele conheceu diversas áreas da empresa, passou quatro meses na fábrica de São Paulo e agora embarca para a Itália, onde passará 90 dias.

"Em 2014, vou para a França, a Suíça e a China", diz. Assim como Heitor, outros profissionais-chave para a ampliação da estrutura já foram contratados e passam por treinamento, inclusive com módulos no exterior.

"Os equipamentos que serão instalados aqui vêm da Itália e já são usados em outros países. Os novos empregados precisarão visitar o fornecedor para aprender a montar e a utilizar as máquinas, para só depois trazer esse know-how", afirma Marcelo Nery, diretor da fábrica de Louveira.

Com a  expansão, a P&G criou também o Programa de Estágio para Tecnólogos, em 2012. "O objetivo é atrair os melhores técnicos, porque a concorrência é grande", afirma Marcelo. 

Disputa acirrada 

As regiões próximas a Louveira têm recebido muitas fábricas. Só em Sumaré, a 28 quilômetros de Campinas e cerca de 50 quilômetros de Louveira, foram instaladas 300 novas indústrias nos últimos dez anos.

"Uma região que equilibre qualidade de vida com infraestrutura de cidade grande é atraente tanto para empresários quanto para funcionários. E aqui existe essa combinação", afirma
André Celso Scatolin, diretor de recursos humanos da 3M, de Sumaré.

A cada ano, a companhia contrata cerca de 40 profissionais das áreas de engenharia de produção, química, mecânica e elétrica. Os tecnólogos também têm oportunidade e, em geral, trabalham na área de qualidade e em laboratórios, executando testes. Na siderúrgica de aços especiais Villares Metals, também em Sumaré, a produção triplicou de 2012 para 2013.


Há 1.430 funcionários, sendo a maioria da área técnica. As formações mais buscadas são as de engenharia metalúrgica, de produção e de materiais. "Temos engenheiros até na área de vendas e no marketing estratégico", diz Tatiana Godoi, diretora de recursos humanos da Villares Metals.

Atualmente, 30 posições estratégicas estão sendo trabalhadas. "A sucessão se dará em cinco anos, mas já estamos contratando para que haja a passagem de conhecimento", diz Tatiana.

A invasão da autoindústria

O setor de autoindústria também está aquecido no interior. A Honda, que já tem uma fábrica em Sumaré, em um terreno de 1,7 milhão de metros quadrados, começará em novembro as obras para uma nova unidade, em Itirapina, onde produzirá uma linha de veículos compactos.

Será uma revolução na história da cidade de 16.000 habitantes, a pouco mais de 200 quilômetros de São Paulo, no caminho entre Rio Claro e São Carlos. Com investimento de 1 bilhão de reais, a operação tem previsão de entrar em funcionamento em 2015 e empregará 2.000 funcionários.

A prefeitura da cidade pediu ao governo a implantação de uma Escola Técnica Estadual (Etec) para capacitar a mão de obra. Afinal, a chegada da Honda deverá motivar também a vinda de outras empresas, como aconteceu no ano passado com a instalação da fábrica da Hyundai em Piracicaba. 

A montadora levou pelo menos dez companhias que atuam como fornecedoras. "A operação foi fundamental para compensar os empregos perdidos na cidade pela indústria sucroenergética, estagnada desde 2008", diz Tarcisio Angelo Mascarim, secretário municipal de Desenvolvimento de Piracicaba, afirmando que a cidade ganhou mais de 5.000 novos empregos com o empreendimento
— 2.400 só na montadora.


Antes da Hyundai, 60% do que era gerado na cidade vinha da agricultura e da indústria sucroenergética. Outros 40% tinham origem diversifcada. Agora o setor automotivo já responde por 30%, e a parcela do segmento sucroenergético caiu para a faixa dos 30%.

Em quase todas as cidades do interior que recebem investimentos do setor de autoindústria, os salários são impactados. "No início, a busca por profissionais qualificados causa aumento mínimo de 10%. Depois, acontece uma estabilização, mas sempre em um patamar superior ao verifcado anteriormente", diz Paulo Vicente Alves, professor de estratégia e gestão da Fundação Dom Cabral.

"Além disso, cada emprego direto costuma gerar dois indiretos." Em São José dos Campos, sede da fabricante de aviões Embraer, a média salarial é de 4.451,65, quase o dobro do valor paulista para o setor. A Embraer também tem gerado oportunidades de emprego e renda no interior.

A empresa anunciou a produção do maior avião cargueiro do Brasil, o KC-390, em sua unidade em Gavião Peixoto, município de apenas 4,635 habitantes. Serão criadas cerca de 600 novas vagas para engenheiros e técnicos.

O mercado do luxo

Um bom indicador do crescimento das oportunidades fora de São Paulo é o aumento da renda. No ano passado, o gasto das famílias do interior paulista com alimentação, habitação, saúde, transporte e lazer ultrapassou pela primeira vez o das que moram na região metropolitana, ficando com 50,2% do total, conforme levantamento da consultoria IPC Marketing, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

A resposta dos investidores ao imenso potencial de consumo das regiões é a proliferação de shoppings. Nove dos 14 estabelecimentos previstos para serem inaugurados em 2013 no estado de São Paulo estão no interior — a maioria voltada para as classes A e B, que levam marcas de luxo antes disponíveis apenas para os moradores da capital.

A cifra gasta na construção de três novos centros de compra em Sorocaba, todos com previsão de conclusão até dezembro, foi de 1,1 bilhão de reais. São 27.500 novos empregos diretos e indiretos. A marca Iguatemi empresa do grupo Jereissati, já tem um shopping em Campinas e vai abrir outros quatro: em Ribeirão Preto e em Sorocaba, com inauguração prevista para acontecer até novembro; em São José do Rio Preto, que deve ser concluído em abril de 2014; e em Jundiaí, em 2015.


"Queremos fazer parte do desenvolvimento que essas regiões vêm apresentando" diz Rodolpho Freitas, vice-presidente comercial da marca Iguatemi. Cada shopping deverá gerar de 3.000 a 4.000 empregos diretos ou indiretos para diversas funções: superintendente, gerente de marketing, gerente de manutenção, gerente de operações e executivos comerciais.  Em média,  um empreendimento abrange um portfólio de 200 marcas distintas. 

Mais do que consumir, a demanda agora é por produtos sofisticados. "Estamos na chamada fase da qualificação. O consumidor quer
transformar o hábito de compra em uma experiência agradável", afirma Silvio Passarelli, diretor do programa gestão do luxo da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), de São Paulo.

Em setembro do ano passado, o Jundiaí Shopping abriu as portas com lojas da Sephora, Swarovski e Carmen Steffens. No Iguatemi de Campinas, uma das marcas de luxo é a de cosméticos M.A.C. "O executivo transferido da capital para trabalhar no interior busca os mesmos produtos e serviços que consumia anteriormente", diz Guilherme Kosmann, analista da MCF Consultoria.

Em 2012, 58 dos 334 Porsches comercializados no Brasil foram vendidos em Ribeirão Preto, que também recebeu a primeira loja da grife Daslu fora da capital. Para seguir carreira nessa área, é preciso entender as peculiaridades desse mercado. O candidato deve ter bagagem cultural.

Uma pesquisa das consultorias MCF e GFK com 56 empresas do mercado de luxo mostrou que 69% delas consideram que a mão de obra brasileira tem deficiências para lidar com clientes sofsticados. Está aí mais uma oportunidade para quem quer fazer as malas e seguir carreira fora da capital.

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