Maurício Giamellaro, CEO da Heineken Brasil: “De nada adianta atingir metas se o processo é pesado, se as pessoas adoecem ou se o ambiente não é respeitoso” (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter
Publicado em 25 de outubro de 2025 às 07h55.
“Quem disse que a gente tem que esperar a sexta-feira para ser feliz?”, diz Maurício Giamellaro, CEO da Heineken Brasil, durante o evento do “Prêmio EXAME Melhores em Gestão de Pessoas”, nesta quinta-feira, 23, em São Paulo, que reconheceu 18 empresas com melhores práticas de RH.
À frente de uma operação com 13 mil funcionários, ele defende que a felicidade no trabalho deixou de ser um tema “soft” e passou a ser estratégico.
“Muitos CEOs têm medo de tratar disso, porque falar de felicidade exige vulnerabilidade”, diz o presidente.
Com 35 anos de carreira e passagens por seis companhias, Giamellaro afirma que encontrou na Heineken a combinação perfeita entre propósito e resultado.
“Eu só consegui ser feliz no trabalho quando percebi que meus valores pessoais estavam alinhados aos valores da empresa,” afirma o executivo que reforça o ‘respeito’ e o ‘cuidado’ como os primeiros valores da companhia.
A ideia de criar uma Diretoria de Felicidade surgiu em 2022, após o executivo participar de um evento internacional sobre liderança. Um dos slides comparava as métricas de um gerente (KPIs) às de um líder (KHIs — Key Happiness Indicators).
“Voltei intrigado. O que era isso? Ninguém no Brasil falava sobre indicadores de felicidade”, lembra.
De volta ao país, ele chamou a vice-presidente de Pessoas, Raquel Zagui, e duas especialistas em RH para estudar o tema. O grupo descobriu o modelo PERMA-V, usado na psicologia positiva, e decidiu aplicá-lo internamente. No ano seguinte, a Heineken formalizou a diretoria — liderada por uma executiva sênior de RH — com o objetivo de medir e promover bem-estar de forma intencional.
“Criar a área antes de uma dor do RH foi a grande virada. Normalmente as empresas só agem quando há crise, burnout ou alto turnover. A gente quis fazer diferente”, afirma o CEO.
A Heineken começou aplicando uma pesquisa semanal, que depois virou quinzenal, com cinco perguntas sobre propósito, pertencimento e realização. O índice de participação saltou de 40% para 82% em um ano. Os resultados são analisados mensalmente em reuniões com os vice-presidentes e diretores — e qualquer área com índice abaixo de 60% precisa apresentar planos de ação.
Além da pesquisa, a companhia criou uma rede de 1.300 embaixadores da felicidade (que conta com profissionais de diferentes níveis hierárquicos), treinados para ouvir, identificar e encaminhar demandas relacionadas a bem-estar em todas as áreas. “Não dá para treinar 6 mil líderes, mas dá para formar uma base sólida de multiplicadores”, diz Giamellaro.
Um dos exemplos mais simbólicos veio de um desses embaixadores, um funcionário com nanismo que chamou atenção do CEO para o fato de não conseguir se ver no espelho do banheiro corporativo.
“Na semana seguinte, mudamos todos os espelhos”, conta. “Felicidade também é isso: escutar e enxergar o outro.”
As ações começaram a refletir nos números. Enquanto o INSS apontou aumento de 68% nos afastamentos por burnout no Brasil entre 2023 e 2024, a Heineken registrou apenas 0,06% de casos de saúde mental. O turnover caiu para 0,6%, bem abaixo da média de 5% a 7% do setor de bens de consumo.
“Eu costumo brincar que tenho o problema contrário: as pessoas não querem sair, e isso também é um desafio”, diz o executivo. “Quando o turnover é muito baixo, o desenvolvimento precisa ser ainda mais acelerado, especialmente entre os jovens de 22 a 25 anos, que querem movimento e aprendizado constante.”
Mesmo assim, o saldo é positivo: nos últimos quatro anos, a Heineken Brasil multiplicou o lucro por 180 vezes e se tornou a segunda filial mais lucrativa da Heineken no mundo.
Para Giamellaro, trabalhar a felicidade no ambiente de trabalho começa pela forma como a empresa faz as coisas — e não apenas pelo que ela entrega.
“O como é mais importante do que o que”, afirma o CEO. Na prática, isso significa que a cultura e o jeito de fazer importam tanto quanto os resultados.
“De nada adianta atingir metas se o processo é pesado, se as pessoas adoecem ou se o ambiente não é respeitoso”, diz o CEO. “Quando cuidamos do ‘como’, o ‘quê’ — os números, o lucro, o crescimento — vem naturalmente.”
O lema norteia desde a forma como a companhia se relaciona com seus consumidores — “estar no coração de cada copo brasileiro” — até o modo como cuida dos seus funcionários.
“Para estar no coração do consumidor, eu preciso primeiro estar no coração dos meus 13 mil funcionários”, resume.
Entre as práticas recentes estão o programa ‘Tamo Junto em Movimento’, que incentiva atividades físicas em reuniões fora do escritório, e o investimento em eventos como o Mind Summit, voltado à saúde mental.
“Levamos 120 diretores para aprender sobre foco e equilíbrio. Cuidar de gente é o investimento que mais dá retorno,” afirma Giamellaro.A vulnerabilidade, segundo o CEO, é o primeiro passo para construir ambientes felizes.
“É preciso coragem para dizer ‘não estou bem’ ou ‘meu time não está feliz’. Muitos líderes ainda têm medo de parecer fracos”, afirma.
Ele próprio admite que trabalha para melhorar. “Sou daqueles que chegam a uma reunião com uma caixa de ferramentas e já querem resolver tudo. Preciso ouvir mais, escolher as brigas certas e deixar o ego de lado,” diz Giamellaro.
Para ele, não existe o tamanho ideal para uma empresa criar uma diretoria de felicidade.
“Qualquer empresa que tem gente pode ter. Você não precisa ter a pessoa, precisa ter o propósito. Felicidade é uma decisão de liderança.”