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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h31.
"Sou formado em administração de empresas pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), no começo dos anos 90. Logo após a formatura, ingressei no programa de trainees do Citibank, onde, posteriormente, fui promovido a gerente adjunto e a gerente de Corporate Bank. No fim de 1994, aos 26 anos, decidi sair do banco e iniciar carreira-solo. Vamos situar a época em que resolvi pedir demissão. Em 1994, logo antes do Plano Real, tempos de hiperinflação, era muito fácil ganhar dinheiro com um gerenciamento de caixa eficiente. Eu conhecia pessoas que estavam ficando ricas com isso. E eu, afinal, era um profissional do mercado financeiro. Sabia como ganhar dinheiro com gestão de caixa. Além disso, eu tinha dinheiro, fruto de bônus recebidos no Citibank.
A autoconfiança era exagerada, tendendo para a arrogância. Apesar de ter somente 26 anos, achava-me maduro e experiente. Coisa que os fatos mostraram ser um enorme engano. Montei, simultaneamente, uma corretora de commodities, uma corretora de seguros e uma companhia de factoring. Nesta última, amarguei um pesado prejuízo por perdas de crédito, e fui à falência (física e jurídica) em 1999. Uma factoring compra duplicatas ou cheques pré-datados de terceiros. Imagine, por exemplo, que uma indústria recebeu uma duplicata de 1000 reais de um lojista. O vencimento é em 30 dias, mas a indústria precisa do dinheiro hoje. Ela vai à factoring e vende a duplicata com um desconto. A diferença entre o valor futuro da duplicata e o que paga hoje é o lucro da factoring.
Minha falência começou em meados de 1998, quando meu principal cliente, uma metalúrgica, forjou duplicatas frias. Isso desequilibrou minha estrutura de capital e decidi diminuir as atividades. Acontece que, à medida que deixava de trabalhar com um determinado cliente, eu descobria que uma parte das duplicatas também era fraudada ou problemática. Como operava com recursos próprios e de terceiros, ao fim de 1998 percebi que devia mais do que tinha.
Vendi todos os meus bens, inclusive a casa onde morava. Nem assim consegui pagar todo meu passivo. No início de 1999, eu quebrei. O resultado é que hoje devo 800000 reais. A queda foi muito dura (e continua sendo). Fui empresário de sucesso, ganhei muito dinheiro e prestígio profissional. No ano passado, iniciei minha recolocação no mercado de trabalho. Hoje, sou diretor comercial de uma empresa de tecnologia da informação (TI). Não pude voltar para o mercado financeiro, meu hábitat natural. Os bancos não contratam executivos cujos CPFs constem do Serasa (serviço nacional de proteção ao crédito). Só consegui me recolocar porque na área onde estou não existe a preocupação de consultar dados. Se soubessem, provavelmente não teria sido contratado.
Na vida de quem enfrenta a falência acontecem problemas variados. Abrir conta corrente, alugar um apartamento ou até mesmo comprar um telefone celular são tarefas difíceis. O meu telefone é pré-pago porque as lojas não vasculham a ficha do comprador. O preconceito e a desconfiança são enormes, mas nada se compara ao duro golpe na auto-estima. Você se sente em um beco sem saída, fracassado, sem apoio, sem futuro. Para a depressão, é um pulo. E daí para a marginalização total têm-se um caminho pavimentado. Eu morava e trabalhava em uma cidade de médio porte do interior de São Paulo. Quando quebrei, foi um escândalo. Tive uma depressão séria e tomei remédio por dois anos. Também precisei de análise. Não bebi para esquecer. Acho que não tinha dinheiro para comprar bebida...
Não escrevo para lamentar as dificuldades e, sim, para levantar o assunto. Acredito que, além de existir muita gente na mesma situação, os profissionais temem quebrar. O pior é que as outras pessoas não sabem como lidar conosco, os falidos. Quando você está indo para o buraco, gerentes de banco e operadores de telemarketing dos cartões de crédito, por exemplo, ligam para emprestar dinheiro.
A situação é surreal: eu ali, falindo, e as pessoas me tratando como se tudo fosse normal. Depois, durante a falência, lidei com outras situações absurdas: propostas indecentes, ameaças esdrúxulas e a absoluta falta de preparo de todos para lidar com a questão. Isso vale tanto do ponto de vista do negócio quanto da carreira e da vida pessoal de quem está à beira do abismo. No pós-falência, ignoram você. Você "morre", ninguém mais o procura. Tanto faz se são "amigos" ou credores. A postura é a mesma.
Os urubus têm várias caras. No meu caso, eu tinha uma certa experiência para não cair nos golpes mais comuns. Mas já vi empresários pegos em dois tipos freqüentes de golpe. O primeiro é o do advogado mágico, que aparece oferecendo milagres. Um cliente meu, por exemplo, estava sendo executado judicialmente. Uma falsa advogada prometeu destruir o processo. E conseguiu mesmo! Ela levou o processo ao devedor e eles queimaram a nota promissória. Lógico que o credor conseguiu retomar o processo de cobrança e o devedor correu o risco de ir para a cadeia. O segundo tipo é o lobbysta do BNDES. De repente aparece um "consultor" que sabe como levantar dinheiro do BNDES para salvar a empresa. Lógico que ele pede um adiantamento para molhar certas mãos. Não precisa nem dizer o que acontece depois...
Esses advogados e consultores prometem soluções mágicas. Invariavelmente só agravam o problema. Atualmente, tenho múltiplas visões da falência: a minha própria e a dos outros a que assisti. Se eu pudesse dar um conselho para quem está entrando nessa situação, falaria o seguinte:
Quebre o mais cedo possível. Quanto mais a decisão for adiada, pior.
Procure ajuda médica. Eu tomei antidepressivos durante dois anos. A terapia foi fundamental para eu não enlouquecer.
Como administrar a vida nessa situação? Como viver sem cheque especial (aliás, sem cheque nenhum), cartão de crédito ou qualquer fonte de financiamento rotineira? Como morar, viajar, trabalhar e até mesmo telefonar nessa nova realidade? O que fazer para ser feliz quando as coisas mais simples do mundo se tornam complexas de uma hora para outra? O grande baque é que você perde as referências. Não sabe mais quem é, do que é capaz. Ninguém fala abertamente da própria falência. No máximo, é possível ler em revistas depoimentos do gênero: "Eu quebrei em 1963 e reconstruí minha vida do zero". Os detalhes, ninguém conta. Tenho 33 anos, sou solteiro, perdi um patrimônio considerável (uma casa com três suítes na cidade, um imóvel no campo, carros etc.). Hoje trabalho para limpar meu nome."
A palavra dos especialistas
Levamos o caso de Roberto a três profissionais diferentes. O psicólogo Waldir Bíscaro fala sobre o resgate da auto-estima. Luiza Ghisi, consultora, mostra como Roberto pode retomar a carreira sem precisar mentir. Já o especialista em finanças pessoais, Bolívar Godinho, dá conselhos para Roberto limpar seu nome.
Waldir Bíscaro, psicólogo
"Roberto, você já perdeu muito e, pior, está prestes a perder a única coisa capaz de tirá-lo do buraco: a auto-estima. Sem ela, nada feito! Ter os seus direitos de cidadão arrancados é penoso. Entretanto, você está consciente do problema, está empregado e até se dando ao "luxo" , com esse artigo, de pensar nos outros - os já falidos e os candidatos à falência. Além disso, não deve jogar no lixo uma história da qual se orgulhou um dia: a formação em escola de primeira linha, a carreira meteórica e a coragem de abandonar uma posição segura por outra cheia de riscos e incertezas.
No meu entender, você não fracassou. Sofreu um acidente de percurso freqüente entre os que ousam caminhar com as próprias pernas. Também não foi vítima de falha de caráter nem desvio moral. A hora, portanto, é de agir. Não apareça para os outros como se estivesse tudo bem. Não tenha pejo de levar uma vida simples e despojada. Escreva suas metas. Isso funciona, simbolicamente, como um contrato que você estabelece consigo mesmo. Por fim, algumas considerações:
1) Transforme sua experiência em um "produto" . Ensine pequenas empresas como se prevenir da falência;
2) Escreva, com detalhes, as armadilhas do mundo dos negócios, recolha casos semelhantes ao seu e elabore uma cartilha de prevenção de falências."
Luiza Ghisi, Tristan & Ghisi Consultoria de Carreira
"Sua situação é bastante delicada, mas tem solução. Em primeiro lugar, faça um trabalho de orientação de carreira. Coloque no papel suas expectativas em relação ao tipo de trabalho, de carreira e de setor da economia em que gostaria de atuar num futuro próximo. Se optar pelo mercado financeiro, trace um plano de como limpar seu nome nos órgãos competentes e retome a busca por emprego nas instituições do setor. Se resolver trocar de área, recorra à rede de relacionamentos construída no passado. Acredito que essas pessoas têm uma imagem profissional e pessoal de você que vai além do seu fracasso como empresário. Se ainda assim não for possível uma recolocação, avalie seu perfil pessoal e profissional. Isso vai ajudá-lo a encontrar outro tipo de empresa onde seu conhecimento será útil. Se a opção for permanecer na empresa onde está, fale a verdade. Exponha sua situação de peito aberto. Conte todos os acontecimentos do seu passado e quanto é grato por ter sido acolhido ali. Falar sobre o assunto pode ser difícil. Mais difícil ainda, porém, é não assumi-lo. É bom lembrar que de um momento para o outro sua história pode vir a público, e você será cobrado por tê-la omitido."
Bolívar Godinho Filho, diretor do BMC Asset Management
"Não vejo outra saída para Roberto a não ser saldar a dívida para sair do Serasa. Ele tem um trunfo na mão: a renegociação. Como faliu, provavelmente o credor já nem conte mais com esse dinheiro. Digamos que ele deva 100000 reais para um banco. Ele pode oferecer um pagamento de 30000 reais (ou mesmo de 20000). Nesse momento, o credor topa acordos que não toparia em condições normais. Pode ser que ele esteja devendo para mais de uma instituição. Então, sugiro que renegocie, uma a uma, as dívidas. Pague primeiro a quem oferecer as melhores condições. Assim, resolverá a situação de crédito pessoal. Para as dívidas da empresa, pensei numa saída que talvez fosse bom existir. Segundo estudo de Roberto Azzone e Raul Cristóvão, pesquisadores da USP, um terço das empresas não completam o primeiro ano de vida. Ao final do quinto ano, esse percentual de mortalidade aumenta para 70%. Falta planejamento e sobra inexperiência na grande maioria dos casos. Seria interessante que houvesse uma linha de crédito para empreendedores que fracassaram na primeira experiência. Isso resolveria o problema de Roberto. Mesmo que salde sua dívida, ele certamente encontrará problemas de crédito se partir para outra tentativa de negócio próprio."