Focused businessman is reading through magnifying glass document (BernardaSv)
Claudia Gasparini
Publicado em 12 de maio de 2017 às 06h00.
Última atualização em 12 de maio de 2017 às 08h45.
São Paulo — Mesmo num cenário de forte desemprego e um grande volume de mão de obra disponível no mercado, cerca de 40% das empresas brasileiras sofrem para preencher vagas de nível técnico no estado de São Paulo. O motivo? Faltam candidatos com as competências necessárias para preencher esses postos de trabalho.
O dado foi divulgado no estudo “Novas habilidades no trabalho - Desenvolvimento de competências que levam ao crescimento econômico”, feito em parceria entre a Fundação JP Morgan Chase, o Conselho das Américas (COA) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e apresentado num seminário que aconteceu esta semana em um hotel em São Paulo.
Em palestra no evento, Marcos Lisboa, presidente do Insper, afirma que a produtividade brasileira está em queda livre há cerca de 40 anos, na contramão do que ocorreu com outros países da América Latina e do resto do mundo.
As causas do problema incluem diversos fatores conjunturais, tais como a falta de eficiência do poder judiciário, a pouca qualidade dos instrumentos de crédito e escassez no acesso à informação. Além disso, afirma Lisboa, o Brasil protege e favorece empresas ineficientes — que jogam o desempenho médio do país para baixo.
Dito isso, o baixo nível de qualificação da mão de obra é uma das principais explicações por trás do atraso. Consequentemente, a reversão desse problema é um fator crítico para a retomada do crescimento econômico do país.
“É preciso se mobilizar para melhorar a formação dos técnicos, e muitos empregadores já começaram a fazer isso”, disse no seminário Nilson Pereira, country manager da Manpower Brasil. “O brasileiro é muito fixado na ideia de ter um diploma de graduação, e acaba se formando em áreas como administração ou direito, que não são tão solicitadas pelo mercado atualmente”.
Uma saída para os jovens, os mais atingidos pelo desemprego, é apostar em cursos técnicos, sobretudo na área de TI (tecnologia da informação), que oferecerá cada vez mais postos de trabalho. “É um movimento benéfico tanto para aumentar a empregabilidade do jovem quanto para tirar o Brasil da crise”, afirma Pereira.
Segundo André Portela, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o momento é de mudança radical nas necessidades do mercado de trabalho. “Hoje, o jovem precisa se pensar como um imigrante num novo país”, diz ele. “É como se o brasileiro fosse trabalhar na Ásia: ele está diante de um mercado de trabalho que exige competências novas e mais complexas”.
O estudo analisou o cenário nos três setores que apresentam o maior potencial para impulsionar o crescimento econômico e gerar empregos no estado de São Paulo: serviços de TI (tecnologia da informação), atenção à saúde e fabricação de produtos alimentícios. Em cada um desses campos, a escassez de talentos se manifesta de uma forma específica.
No caso do setor de TI, a principal lacuna está nas habilidades técnicas, algo que só será corrigido se houver uma revisão do currículo dos cursos da área. Para fugir do problema, muitas empresas contratam pessoas com nível superior para cargos de nível técnico, uma saída desaconselhável do ponto de vista dos organizadores do estudo.
Já os técnicos de saúde apresentam deficiências quanto às suas habilidades práticas. Eles têm conhecimento técnico suficiente, mas pouca experiência no desempenho de suas atividades. A solução seria que as instituições de ensino aumentassem o número de horas de treinamento prático e as empresas investissem em mais oportunidades de estágio.
A indústria alimentícia, finalmente, tende a contratar trabalhadores pouco qualificados e de baixa renda. De modo geral, diz o estudo, faltam a eles habilidades socioemocionais — que, aliás, compõem uma lacuna importante em toda a mão de obra técnica brasileira.
Para Luiz Eduardo Leão, gerente de tecnologias educacionais do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o ensino no Brasil é excessivamente conteudista, isto é, centrado na transmissão de informações teóricas sobre temas como história, biologia e geografia. “Há pouca conexão com a prática do mercado de trabalho, o que desestimula a continuidade dos estudos”, disse ele no evento.
Porém, se o ensino fosse voltado para o desenvolvimento de competências, haveria espaço para incorporar ao currículo escolar as chamadas capacidades socioemocionais, ligadas a fatores como comportamento e relacionamento interpessoal.
Em entrevista exclusiva a EXAME.com, Leão afirma que as habilidades mais procuradas pelos empregadores nesse quesito são quatro: comunicação, capacidade de resolução de problemas, pensamento crítico e criatividade.
É evidente que o desenvolvimento de habilidades socioemocionais não cabe no currículo de um curso técnico, que não dura mais do que 1200 horas. São competências desenvolvidas ao longo da vida, afirma o gerente do SENAI, e deveriam ser incluídas na formação do indivíduo desde o ensino fundamental.
Isso não exclui a premissa da formação nas disciplinas clássicas. “Uma coisa não substitui a outra, apenas complementa”, diz ele. “As escolas não podem só fornecer ‘soft skills’, ou seja, elas também precisam dar uma base sólida de conhecimentos técnicos e científicos ao aluno”.
Para Leão, incluir a dimensão socioemocional no currículo depende da modernização da abordagem e da metodologia de ensino no país. Ele também defende a inclusão de novas tecnologias pedagógicas e a possibilidade de o estudante aderir a trilhas vocacionais no ensino médio.
Segundo Ivone Lainetti, diretora da Etec SEBRAE, a responsabilidade pelo desafio de qualificar o profissional técnico brasileiro é compartilhada por governos, escolas e empresas. “O jovem só continua a estudar se enxerga vinculação entre a vivência em sala de aula e o seu futuro profissional”, afirma. “Juntos, nós precisamos oferecer a ele um plano de carreira desde a formação”.
O Centro Paula Souza é um exemplo de instituição de ensino que faz esforços na direção de capacitar os estudantes também no quesito socioemocional. De acordo com Lainetti, o Centro reúne grupos com dificuldades comportamentais parecidas e promove coaching e treinamentos coletivos. É uma das iniciativas para promover o desenvolvimento de competências como administração do tempo, organização e liderança.
Claro que nada disso é possível sem a participação ativa das empresas na criação dos currículos dos cursos técnicos e no próprio processo de formação do jovem. Palestras e oficinas promovidas por companhias nas escolas, por exemplo, têm grande valor para o aprendizado.
A Arcos Dourados, operadora dos restaurantes McDonald's na América Latina, diz que faz grandes esforços nesse sentido. No evento em São Paulo, o CEO da empresa, Sergio Alonso, afirma que a companhia é líder na geração de primeiros empregos para jovens e investe fortemente em treinamento. Uma dessas iniciativas é a Universidade McDonald’s.
“Temos foco em habilidades comportamentais, tais como comunicação, trabalho em equipe e respeito às normas”, diz Alonso. “Não à toa, muitos atendentes de restaurante, após alguns anos, acabaram assumindo cargos gerenciais na Arcos Dourados”.
Na visão de André Portela, professor da FGV, a parceria entre escola e mercado é uma condição obrigatória para qualificar o profissional técnico, promover inclusão social e colocar o Brasil em condições de competir com o resto do mundo.
Os números só reforçam a urgência do recado. De acordo com um estudo de 2011 da Penn World Tables, a produtividade no trabalho do Brasil não perde apenas para países desenvolvidos como Japão e Coreia do Sul. Também temos índices mais baixos do que países desconfortavelmente parecidos conosco, tais como México, Colômbia e Peru.