Carreira

Escritório: história de produtividade, desconforto e poder

Como a arquitetura das empresas evoluiu, nem sempre para melhor, para tirar o máximo dos profissionais, um movimento que acontece ainda hoje

Cada um no seu quadrado: a arquitetura corporativa atende mais a empresa do que o funcionário (Getty Images)

Cada um no seu quadrado: a arquitetura corporativa atende mais a empresa do que o funcionário (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 26 de junho de 2014 às 00h00.

São Paulo - De que modo a arquitetura do escritório influencia o relacionamento entre os funcionários? Como ela estimula a produtividade? Que efeito tem na felicidade dos profissionais que ocupam suas mesas todos os dias? De que maneira as empresas mudaram a decoração ao longo dos anos para criar locais mais adequados às funções executadas naquele momento?

Foram essas perguntas que levaram o jornalista Nikil Saval, editor da revista de cultura americana n+1, a lançar o livro Cubed – A Secret History of the Workplace (“Cubículo – A História Secreta do Escritório”, numa tradução livre), que deve ser lançado no Brasil em 2015 pela Editora Rocco.

O livro mostra como a arquitetura dos escritórios evoluiu, nem sempre para melhor, desde o século 19 até hoje. Observar a história do espaço de trabalho ajuda a entender o modo como trabalhamos hoje — e deixa claro que há ainda muitas empresas paradas no tempo.

1850: A pré-história do escritório

Até meados de 1800, a ideia de escritório não existia. A situação mudou quando banqueiros e advogados passaram a precisar de espaço para exercer suas atividades e de assistentes com quem pudessem dividir tarefas. A partir de 1860, surgiram os copistas, contadores, bancários e advogados.

O aumento da população de funcionários obrigou os empresários a procurar espaços para abrigá-los. Foi um tempo glorioso para o escritório, que nascia como opção decente ao trabalho braçal.

Chefes e subordinados sentavam lado a lado, o que estreitava as relações e não havia distinção entre vida profissional e pessoal. A ascensão dependia da simpatia — e não era raro que um subordinado casasse com a filha do patrão.

O clerk: Em inglês, clerk é o termo usado até hoje para designar qualquer pessoa que tenha nível subalterno na gestão, do analista ao gerente. Essa figura surgiu por volta de 1850. Nasceu com ele a ideia de crescer na carreira.

Se você trabalha em um lugar assim: Evite misturar vida profissional e pessoal. Mesmo que o chefe seja amigo, é necessário estabelecer regras de convívio.

1900: Nasce o espaço de trabalho

Entre 1860 e 1920, o capitalismo moderno se desenvolveu e o número de profissões especializadas se multiplicou. Com o aumento da burocracia, cresceu a demanda por profissionais: nos Estados Unidos de 1860, 750 000 pessoas trabalhavam em escritórios. Em 1910, o número saltou para mais de 4 milhões. E era necessário ter espaço para abrigar muita gente.

As mulheres ingressavam no mercado de trabalho em cargos subalternos, como secretária. Eram vigiadas pelos homens. Na Larkin, elas se sentavam no salão principal, no meio das mesas coletivas, ao alcance da supervisão masculina.

Telefone e telégrafo se tornaram comuns e permitiram que os escritórios ficassem em espaços separados das fábricas. Os armários de ferro (tipo arquivo), criados em 1880, se popularizaram, pois guardavam mais documentos e eram mais seguros contra incêndios, em comparação.

O supervisor: O dono começou a precisar de ajuda para controlar os funcionários. Surgiu a figura do supervisor, um intermediário na hierarquia. Era necessário comunicar as diferenças de status. Uma mesa de qualidade superior cumpria essa função.

Se você trabalha em um lugar assim: Empresas desse tipo têm horários rígidos e tarefas bem definidas. Há pouca oportunidade de crescimento. Melhor procurá-la em outro lugar.

1950: A era dos arranha-céus

O profissional de escritório tornou-se o típico representante da classe média americana. Ele acreditava no sonho de que o trabalho pode levar à riqueza. O avanço da engenharia civil permitiu a construção de prédios mais altos e com janelas maiores. O arranha-céu se tornou metáfora de sucesso e poder: só os melhores chegam ao topo.

Começou a haver o entendimento de que um ambiente confortável proporciona maior produtividade. Chefes buscavam se aproximar dos subordinados amigavelmente. Mulheres passaram a ter as mesmas funções, mas com salários menores.

A secretária: Apelidada de “esposa de escritório”, a secretária tinha a função de manter a disciplina das estenógrafas e servir o chefe. Em descrições de cargo da época era comum constar tarefas como fazer compras para a esposa do chefe e cuidar da decoração.

Se você trabalha em um lugar assim: Em lugares abertos, a interação entre os colegas é intensa, o que exige um esforço maior de concentração. Também é preciso cuidar dos limites entre vida pessoal e profissional.

1960-1980: O nascimento da baia

Nos anos 60, teóricos da gestão, como o austríaco Peter Drucker, começaram a imaginar outras possibilidades da organização do espaço de trabalho para ir além das mesas controladas por chefes. A data coincide com o aparecimento do termo “profissional do conhecimento”, para designar as pessoas que são pagas para pensar.

O economista e professor americano Douglas McGregor foi um dos primeiros a defender que o trabalho tem de ser prazeroso. O desafio era construir um espaço que fosse, ao mesmo tempo, aberto e privado.

O uso da baia é uma maneira de reforçar a autoridade e isolar os funcionários: cada um trabalha individualmente. Os profissionais almejam chegar à chefia para ter uma sala própria — e arejada. Teve início a discussão sobre a desumanização que o trabalho provoca.

Nos anos 70, o computador começou a ser usado como equipamento de controle de dados. Na década seguinte, os computadores pessoais foram instalados nas mesas de trabalho.

O gerente: Surgiu o conceito de meritocracia. Havia uma grande massa de gestores trabalhando em baias cada vez menores e mais deprimentes. Os gerentes tinham vontade de ser promovidos e, ao mesmo tempo, temiam a demissão. Na crise do petróleo dos anos 70, eles foram os primeiros demitidos.

Se você trabalha em um lugar assim: O desafio é combater a impessoalidade. Fortalecer os relacionamentos e a motivação é uma forma de trabalhar com mais sanidade em um ambiente insosso. 

1990: A informalidade das empresas de tecnologia

A tecnologia passa a ocupar um lugar central no trabalho e nas aspirações de carreira. Voltadas para a inovação, as empresas americanas do Vale do Silício simulam ambientes de campi universitários e influenciam companhias do mundo todo. O design do escritório passa a funcionar como uma propaganda de um suposto clima de trabalho feliz que a empresa proporciona.

A hierarquia diminui. Os funcionários são estimulados a pensar como donos do negócio. A competição faz aumentar a demanda por educação: só os brilhantes se destacam. As jornadas de trabalho incham e o ambiente amigável não disfarça a pressão por resultados — tanto de chefes quanto de colegas.

O nerd: As figuras de Steve Jobs, Bill Gates e Mark Zuckerberg, que tiveram ideias geniais ainda jovens e ficaram bilionários, fazem com que os profissionais acreditem que podem enriquecer com uma ideia inovadora. Os recém-formados querem abrir a própria empresa rapidamente.

Se você trabalha em um lugar assim: O profissional é visto como parceiro, que participa ativamente da implementação da estratégia e tem parte de sua remuneração atrelada aos resultados. Algumas empresas esperam dedicação até nos momentos de ócio.

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