Neymar em partida pelo PSG em 8 de setembro (Dean Mouhtaropoulos / Staff/Getty Images)
Camila Pati
Publicado em 26 de setembro de 2017 às 15h20.
Última atualização em 26 de setembro de 2017 às 15h33.
São Paulo – A discussão em campo entre Neymar e Cavani na hora de bater um pênalti, transmitida aos quatro cantos do mundo, só tornou público o que já era evidente no vestiário muito antes de o Paris Saint-Germain (PSG) encarar a equipe do Lyon, naquele fatídico domingo, 17 de setembro.
Segundo reportagem do jornal El País, a chegada de Neymar à equipe em agosto minou o clima entre os jogadores e deu início à guerra de egos no time de futebol do magnata do Catar, o empresário Nasser Al-Khelaifi. O estranhamento em campo é só a ponta de um iceberg que "gelou" a relação entre companheiros de equipe.
Na opinião do sócio-diretor da empresa de treinamentos corporativos Ynner, Yuri Trafane, o responsável pela “torta de climão servida ao time” é a liderança do PSG, que pode ser personificada pelo bilionário dono do time já que Al-Khelaifi foi o grande articulador da chegada da estrela brasileira à equipe.
O dono do PSG não economizou esforços e nem euros para tirar Neymar do Barcelona, mas cometeu um erro crasso de liderança: não fez um planejamento antes de contratar um grande craque. Esse equívoco, aliás, pode ser uma lição valiosa para líderes de dentro e fora do mundo da bola.
“Deveria ter sido feito um plano de aterrissagem do Neymar na cultura do PSG. Parece que esse plano não existiu o que é muito amador. E se o plano existiu foi de uma incompetência enorme”, diz.
Para além de seduzir o jogador brasileiro com uma fortuna e a oportunidade de ser o “ Rei Sol” da equipe de futebol da Cidade Luz, Al-Khelaifi deveria ter garantido, de fato, o compromisso de Neymar com a manutenção do bom clima dentro e fora de campo.
“Era dizer ao Neymar: ‘você é estrela, queremos trazer você mas precisamos da sua ajuda, precisamos que mostre integração e respeito. Vamos pagar essa fortuna, mas você tem que assumir o compromisso de fazer parte do time’”, indica Trafane.
Dessa forma, poderia se tentar garantir que Neymar tomasse para si a tarefa de não só conquistar a torcida com seus dribles e jogadas geniais, mas também a sua legitimidade perante toda a equipe de jogadores PSG, atuando de forma mais humilde e voltada para a harmonia do grupo.
O aprendizado vale para o mundo do trabalho em geral: independentemente de currículo, cargo e feitos de carreira, o poder de influência e liderança não são aspectos dados a ninguém, e, sim, conquistados. E essa disposição para encontrar o seu lugar na equipe deveria ter sido avaliada em Neymar antes mesmo da assinatura do contrato, segundo Trafane.
Caso o craque não se mostrasse afeito a esse trabalho em equipe, a contratação deveria até ser repensada, segundo Trafane. “Por que o empresário trouxe o Neymar? Foi para levar o título europeu. Desse jeito vai ser difícil. Uma pessoa só não leva”, diz.
Além de conversar com Neymar, a liderança do PSG também teria que ter previsto e mitigado os riscos do impacto da chegada do craque na autoestima restante do elenco.
Uma reunião geral com o time antes de uma contratação desse calibre resolveria? Não, diz Trafane. “Um líder amador poderia ter cometido o erro que seria chamar todo o elenco para uma reunião porque a reação em público é muito diferente da reação individual”, diz.
Consultar apenas os profissionais com maior poder de influência na equipe sobre a validade ou não de trazer um novo e estrelado membro para o time teria sido o mais acertado a se fazer, segundo Trafane.
“Num time sabe-se quem são os líderes. Esses caras deveriam ter sido chamados para conversar”, diz. Se os formadores de opinião do grupo, como Cavani que é veterano no time, tivessem “comprado a ideia” de ter Neymar na equipe os focos de resistência seriam mais facilmente vencidos, segundo o especialista.
Ao contrário do que pregam as cartilhas de liderança, Al-Khelaifi achou que podia vencer qualquer obstáculo colocando a mão no seu bolso bilionário.
Numa sucessão de trapalhadas segundo a imprensa internacional, o magnata que já havia até ameaçado vender jogadores depois de gastar 222 milhões de euros com Neymar, ainda tentou oferecer dinheiro a Cavani para colocar panos quentes na disputa, segundo a reportagem.
Obviamente não deu certo. “Demonstra que ele não tem compreensão do funcionamento do ser humano. Isso piorou tudo”, diz.
Não é preciso ter feito um MBA para saber que dinheiro muito provavelmente não é o principal motivador de carreira para um jogador já tão bem remunerado como Cavani.
Não há dúvida de que a situação é ruim para o craque brasileiro. Ao deixar a autoconfiança jogar contra ele, Neymar isolou-se e isso pode comprometer sua acertada decisão de carreira de deixar o Barcelona pelo PSG.
“Deve estar sofrendo uma pressão imensa, perdendo vontade de jogar já que a sua energia agora está voltada para o conflito”, diz Trafane.
Alegando lesão no pé, o jogador já ficou de fora de uma partida e especula-se que os problemas com a equipe estejam por trás do “atestado médico” para não trabalhar.
Da aparente desmotivação do jogador é possível tirar mais uma lição universal de carreira, segundo Trafane: o perigo desajuste de expectativas.
“Já vi muita empresa florear o ambiente de trabalho na hora de trazer um profissional e esconder os problemas”, diz. Esperando chegar como grande estrela já legitimada pelos colegas, é provável, como dizem os jornais, que Neymar não esperasse ser guerreado pelos veteranos. E, segundo Trafane, problemas de relacionamento embora sejam passíveis de solução, sempre deixam marcas aparentes em todos os envolvidos.