(Klaus Vedfelt/Getty Images)
Luísa Granato
Publicado em 10 de março de 2020 às 06h00.
Última atualização em 10 de março de 2020 às 06h00.
São Paulo – Em 1482, Leonardo Da Vinci estava procurando um emprego. Para isso, ele escreveu um documento apresentando suas habilidades ao Duque de Milão, Ludovico Sforza, e inventou o que hoje é considerado como o primeiro registro de um currículo na história.
Mais de 500 anos depois, esse ainda é o método mais comum para se candidatar a um emprego e ser notado por recrutadores.
Não que o currículo seja infalível: um estudo feito pela DNA Outplacement mostrou que 75% dos brasileiros mentem em seus currículos. E os pesquisadores americanos John E. Hunter e Frank L. Schmidt descobriram que mesmo os dados verdadeiros não são tão confiáveis assim para escolher os candidatos ideais para uma vaga.
Qual seria a melhor forma? Por meio de uma entrevista de emprego estruturada, quando o recrutador aplica perguntas específicas com o objetivo de encontrar as características essenciais para a vaga. Mas poucos candidatos chegam a essa etapa.
Com o avanço da inteligência artificial (IA), a Seedlink, empresa chinesa de tecnologia em Recursos Humanos, muda essa ordem e coloca a entrevista de emprego em primeiro lugar.
“Nós tentamos colocar o currículo em um momento diferente do processo, onde ele é mais útil. E queremos tornar possível a entrevista em larga escala, criando a chance de todos serem avaliados por uma ferramenta que relaciona as respostas com a melhor performance para a vaga”, explica Rutger Laman Trip, diretor da Seedlink, em entrevista exclusiva para a EXAME.
O diretor esteve no Brasil para fechar parceria com o Fesa Group e trazer a nova tecnologia ao mercado de trabalho do país. Agora disponível em português, e outros oito idiomas, a empresa já está presente em mais de 30 países.
A ferramenta entrou para o portfólio da FESA XFour, divisão que busca incentivar empresas disruptivas ligadas a recrutamento e seleção, para ser aplicado pelas empresas brasileiras.
No modelo de recrutamento da Seedlink, os profissionais precisam responder a três perguntas abertas, sem resposta certa ou errada. Então, a inteligência artificial lê e analisa a linguagem usada pela pessoa.
Diferente de chatbots e outros algoritmos para leitura de currículos que conseguem processar a informação escrita e relacionar palavras-chave a respostas programadas, a tecnologia chinesa vai mais fundo. Segundo o diretor, se o chatbot representar a superfície, a Seedlink faz uma interpretação quatro níveis mais aprofundada.
“Nossa tecnologia faz uma análise semântica das respostas. Olhamos coisas como: se a pessoa usa frases longas ou frases curtas, muitos pronomes e que tipo, mais palavras negativas ou positivas. Para ser mais tangível, se a pessoas usa mais ‘eu’ ou ‘nós’ e como isso pode mostrar uma inclinação para ser mais sociável. Essa é a ponta do iceberg das correlações que o programa pode fazer”, disse ele.
Além de selecionar usando características relevantes para o cargo, o algoritmo ajuda a eliminar o viés inconsciente humano da contratação e trazer perfis mais diversos para dentro das empresas.
“Nós olhamos para a competência através da linguagem que a pessoa usa, não olhamos para seu histórico, idade, cor da pele ou área de estudo”, comenta o diretor.
Na China, a seleção pela Seedlink mudou o perfil dos contratados pela L’Oréal. Com um mercado semelhante ao Brasil, cheio de jovens recém-formados competindo por vagas limitadas, boa parte das empresas usa como critério a reputação da universidade onde eles estudaram.
Com 33 mil candidatos para 70 vagas, a empresa de cosméticos leu o currículo de apenas 200 selecionados na última etapa do processo.
E o diretor de RH da empresa na China afirmou que um terço dos candidatos contratados eram de universidades que eles não teriam considerado antes, segundo reportagem na BBC.
O resultado é um contraste com o caso da Amazon, que criou um algoritmo com um viés que prejudicava mulheres no processo de seleção.
Para Rutger, esse é um bom exemplo de má administração de inteligência artificial.
“O que eles fizeram foi alimentar o algoritmo com lixo. Respeitosamente, acho que eles cometeram dois erros: primeiro, usaram dados de currículos, que discutimos como não são bons medidores; e segundo, eles usaram seus funcionários, que provavelmente eram 90% homens”, explica ele.
Na tecnologia da Seedlink, os especialistas em linguagem entram em contato com os responsáveis pelo RH da empresa para investigar quais competências são mais relevantes para o sucesso no cargo.
Depois, eles pegam dados de cerca de 50 funcionários e suas formas de expressar linguagem. Em duas semanas, eles criam um modelo treinado para reconhecer o padrão apresentado por aquelas pessoas.
A máquina olha para a forma como eles se comunicam e organizam suas ideias e deixa de lado títulos, gênero ou idade. No final, eles testam o sistema com outro grupo de 10 a 20 funcionários.
Com a IA mais complexa chegando ao Brasil e mais lugares no mundo, o diretor da Seedlink espera ver uma mudança positiva no futuro do trabalho e no recrutamento.
“No futuro, acho que vamos ver uma mudança na dinâmica. Hoje as pessoas se aplicam para um emprego. Acho que veremos pessoas se aplicando para empresas que amam e se encaixando na vaga que é mais adequada para seu perfil. Depois, no longo prazo, acho que teremos um quadro de vagas que esclarece para as pessoas opções onde elas atingiriam seu verdadeiro potencial”, fala ele.