Carreira

O mercado financeiro tira os engenheiros das obras

Os melhores cérebros da engenharia estão indo para o mercado financeiro, e não para os setores mais críticos, como indústria, infraestrutura e energia

O engenheiro Danilo de Melo Aguiar e Oliveira, trainee do Itaú: ele optou pela carreira em finanças (Alexandre Battibugli / VOCÊ S/A)

O engenheiro Danilo de Melo Aguiar e Oliveira, trainee do Itaú: ele optou pela carreira em finanças (Alexandre Battibugli / VOCÊ S/A)

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Da Redação

Publicado em 19 de março de 2013 às 12h17.

São Paulo - Os engenheiros nunca foram tão necessários como agora. Estima-se que seria preciso duplicar a oferta de profissionais na área a cada ano para atender minimamente às necessidades atuais do país. É fato que há mais cursos de engenharia.

Enquanto nos anos 1980 surgiam três novas escolas de engenharia a cada dois anos, desde 1996 foram criados 125 novos programas a cada ano, segundo os dados da Associação Brasileira de Educação de Engenharia.

As universidades também vêm colocando um número cada vez maior de profissionais no mercado. Em 2005, saíram das faculdades brasileiras  26.753 engenheiros. Em 2010, esse montante já havia chegado a 41.112. Porém, para responder à demanda das empresas, é necessário formar 75.000 engenheiros por ano, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria. O problema não está apenas no lado da oferta.

Dos profissionais que chegam ao mercado, muitos têm preferido atuar no setor financeiro. "Apenas três de cada dez engenheiros permanecem em sua área típica. Os demais migram para outras carreiras", diz Carlos Cavalcante, superintendente do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), entidade que atua junto a universidades e setor privado, preparando os jovens para o mercado.

Segundo Carlos, o quadro é uma herança das décadas de 1980 e 1990, quando nem a indústria nem a construção civil conseguiam empregar os formados.

Pesam na decisão de migrar para o segmento financeiro fatores como melhor remuneração , plano de carreira acelerado, status e possibilidade de continuar morando nos centros urbanos, o que é inviável para os jovens engenheiros que trabalham em grandes projetos de infraestrutura, cujos canteiros de obras estão espalhados pelos rincões do país.  

Danilo de Melo Aguiar e Oliveira, de 27 anos, estudou engenharia civil justamente por entender que a profissão permitiria escolher uma de duas áreas que adora: finanças e engenharia civil. Danilo acabou pendendo para a área financeira ao comparar as perspectivas de carreira. "Tenho amigos que optaram pela civil, foram trabalhar em regiões inóspitas, não aguentaram e desistiram", diz.


Ao se formar, em 2010, o jovem se inscreveu nos programas de trainee dos grandes bancos. Entrou no Itaú e foi contratado. "O trabalho em grandes obras é difícil e pode significar passar até um ano morando longe de casa, em locais com pouca infraestrutura." Danilo considera que a carreira num banco oferece mais incentivos — como pagamento de bônus, prêmios e participações nos lucros — do que os oferecidos por companhias de engenharia.

Os especialistas confirmam essa percepção. "No mercado financeiro, depois de um ano já é possível receber remunerações relativamente altas. Um engenheiro de obras terá um salário no mesmo patamar só depois de alguns anos de experiência", diz Fabiano Kawano, gerente da divisão de engenharia da empresa de recrutamento Robert Half, de São Paulo.

Dentro dos bancos as áreas que mais atraem os jovens são varejo, pelos desafios e competitividade, e investimentos, pelo status e pela remuneração ainda mais agressiva do que nas outras unidades. Porém, a carreira em instituições bancárias cai melhor para quem é seduzido pelo mundo das finanças.

No dia a dia, a rotina é exigente, há muita pressão por resultados e existe pouca margem para erro. O ambiente interno é formal e cheio de regras. O engenheiro que gosta de colocar a mão na massa provavelmente vai achar entediante o cotidiano num banco. 

Fora dos bancos

A boa notícia é que as construtoras, as mineradoras, as companhias do setor de energia e a indústria estão revendo seus incentivos e propostas de carreira para atrair e reter engenheiros com perfil mais técnico. Um dos bons exemplos de investimento sistemático na retenção desse tipo de profissional vem da Embraco, fabricante de compressores usados em equipamentos de refrigeração, sediada em Santa Catarina.

Na indústria, onde 70% do faturamento é fruto de produtos lançados nos últimos quatro anos, vem ganhando força o entendimento de que colocar dinheiro em inovação e nos profissionais de engenharia é uma questão estratégica. Na Embraco, uma das medidas adotadas com esse objetivo foi desenvolver um plano de carreira em que os engenheiros consigam crescer (cargo e salário) sem ter de deixar a área técnica para assumir funções de gestão.


"Mesmo em cargos técnicos, a remuneração fixa e a variável são semelhantes às dos cargos executivos", diz Márcio Schissatti, diretor corporativo de recursos de engenharia. A política de bônus também é agressiva para quem é da área técnica. Caso o empregado entregue resultados acima das metas combinadas com o superior, ele pode até dobrar sua remuneração anual graças aos prêmios pagos. 

Com 12 000 colaboradores divididos entre a sede brasileira e as outras cinco unidades — no México, nos Estados Unidos, na China, na Eslováquia e na Itália —, a organização também promove intercâmbio e experiências internacionais como forma de motivar os engenheiros a trocar conhecimento e vivenciar novos desafios. O suporte financeiro para cursos de mestrado e doutorado nas universidades com as quais a Embraco mantém convênio é uma maneira de estimular o funcionário a ficar na companhia. Lá, os especialistas têm status igual ou superior ao de executivos.

O engenheiro mecânico Rodrigo Link, de 32 anos, funcionário há nove anos da Embraco, conta que o modelo de carreira da empresa incentiva a permanecer na profissão. "Enquanto na maior parte das companhias a trajetória de um engenheiro chega a um determinado ponto e congela, aqui a progressão na área técnica permite chegar a cargos que equivalem ao de vice-presidente, sem que eu tenha de deixar de fazer o que gosto", diz Rodrigo. 

Outra possível alternativa para aumentar a permanência dos engenheiros na profissão seria estimular a contratação em outras regiões do país, fora do Sudeste.


"Os engenheiros brasileiros se formam maciçamente no Sudeste, mas a maioria das obras de infraestrutura acontece em regiões onde essa mão de obra supostamente não está disponível", diz Carlos Cavalcante, do IEL.

Já há iniciativas nesse sentido. A construtora Andrade Gutierrez fez um levantamento há três anos para saber onde prospectar universitários com potencial para se tornar bons engenheiros com perfil técnico.

A construtora chegou a uma lista de 36 instituições de ensino no Brasil, o que foi surpresa para a área de recursos humanos, que conduziu o estudo. A empresa foi aos campi e conseguiu diversificar seu programa de estágio e trainee. Há dois anos, 70% dos jovens escolhidos eram do Sudeste. Hoje, esse percentual caiu para 55%.

Apesar das pequenas vitórias, o grande desafio do país é conseguir que mais pessoas se interessem pelo curso de engenharia. Atualmente, 4,4% dos estudantes de Ensino Médio prestam vestibular para esse curso. Na Coreia do Sul, a economia asiática mais pujante há mais de uma década, 29% dos jovens fazem essa opção.

Melhorar o índice de entrada nas faculdades e reduzir a evasão, hoje na casa dos 40%, dependem de um trabalho profundo e de longo prazo, que se proponha a solucionar questões históricas, como a baixa qualidade do ensino de matemática nas escolas brasileiras. Também será necessário reformular os cursos de engenharia.

"Os estudantes precisam ter aulas que envolvam uma vivência prática da carreira desde o primeiro ano e conversar com profissionais bem-sucedidos da área. O curso precisa ser menos árido", diz Vanderli Fava de Oliveira, diretor da Associação Brasileira de Educação de Engenharia.

Essa seria uma medida para, entre outras, reduzir a evasão nessa área de atuação. Ainda assim, seria uma ação que sozinha não resolve a necessidade por mão de obra qualificada em engenharia. Essa é uma discussão que merece atenção dos melhores cérebros dos setores acadêmico, privado e governo. Parte do desenvolvimento do potencial econômico e tecnológico do Brasil depende, necessariamente, de ter engenheiros no lugar certo. É uma equação básica, que relaciona a oferta e a demanda. 

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