Diz-me quanto deves (Ilustração Hare Lanz)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2013 às 18h41.
Em fevereiro de 2012, os ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deram ganho de causa à empresa G. Barbosa Comercial, de Aracajú, capital de Sergipe, que consultava o cadastro de inadimplentes antes de contratar um candidato. A ação tinha sido movida pelo Ministério Público do Trabalho, que entendia o ato como discriminatório e causador de dano moral aos avaliados. Afinal, acreditavam os promotores, um candidato deve ser avaliado por suas competências, e não por suas contas.
E, se o endividado nunca conseguir um emprego, dificilmente regulamentará sua situação financeira. Para o juiz que julgou o caso, no entanto, o critério usado pela companhia era “justificável pela natureza do cargo, não se caracterizando discriminação de cunho pessoal”. Na opinião do advogado Marcelo Gômara, sócio responsável pela área trabalhista do escritório Tozzini Freire, a decisão do juiz foi técnica.
“Ele se baseou na Constituição Brasileira, na qual discriminação se refere exclusivamente a sexo, raça, cor, origem, estado civil, situação familiar e idade”, diz Gômara. Um candidato endividado não entraria, portanto, nessa classificação. Aliás, administrar bem o dinheiro seria uma qualificação técnica. “Uma pessoa que não consegue gerir a vida financeira e gasta mais do que ganha conseguirá cumprir o serviço acordado? Em princípio, não”, acredita o advogado.
Pela lógica do processo, a pessoa que cumpre com zelo suas obrigações está mais preparada e apta em relação àquela que gasta demais e mantém as contas em desordem. “E o empregador tem o direito de escolher as pessoas mais qualificadas”, defende Gômara. O texto do processo diz ainda que:
“Quem assume dívidas além de sua capacidade de pagamento não pode sentir-se ultrajado nem pretender indenização por dano moral (moral da qual não cuidou devidamente) quando tal fato é levado em consideração em processo seletivo”. Além disso, como o cadastro de inadimplentes, a exemplo do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e o Serasa, é público, a empresa não estaria invadindo a privacidade de ninguém. Apesar da decisão favorável à empresa, o advogado do Tozzini Freire alerta que o caso não abre espaço para outras organizações vasculharem o crédito dos candidatos. “Muitos juízes do TST entendem que essa é uma prática discriminatória, independentemente do que diz a Constituição, e assumem uma posição protecionista a favor do empregado.”
A política na prática
Telma Rodrigues, Diretora de gestão de pessoas do Magazine Luiza
“Esse é um assunto que as entidades (empresas, sindicatos, governo, população) precisam discutir. De um lado, as pessoas devem ter a privacidade (e isso inclui a vida financeira) preservada. De outro, as empresas têm o direito de apurar o tipo de empregado que coloca para dentro, já que algumas funções exigem o manuseio de produtos ou dinheiro do cliente. São trabalhos complicados para quem não é idôneo. Pessoas com desequilíbrio financeiro grave muitas vezes não conseguem separar o trabalho da vida pessoal — e isso afeta a produtividade. Porém, a condição financeira não pode ser restritiva para o candidato entrar numa organização, mas o tema deve ter tratado abertamente. Nós não fazemos a pesquisa e temos muitos programas para ajudar os empregados a arrumar as suas contas.”
Elton Magalhães Silva, Gerente de relações trabalhistas do McDonald’s
“A decisão abre precedentes para outros casos, mas eu entendo que essa é a interpretação de uma turma muito específica do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Outras ações semelhantes podem levar o TST a uma deliberação contrária. Aliás, esse caso chamou tanta atenção porque foi na contramão das sentenças anteriores. A meu ver, as companhias devem ser cautelosas ao realizar esse tipo de pesquisa. Um banco, por exemplo, poderia fazer a consulta de crédito do candidato, já que lidar com dinheiro é a atividade-fim da empresa. Mas, fora isso, a organização deve encontrar outros meios para avaliar a competência do profissional. Eu acredito que o fato de a pessoa ter nome sujo no SPC não é um critério objetivo para medir sua capacidade e sua produtividade.”
Majo Martinez Campos, Diretora executiva de recursos humanos da Atento
“Minha empresa presta serviço para outras companhias. Alguns clientes, principalmente bancos, exigem a pesquisa, e quando isso acontece pedimos que se responsabilizem pelo processo. Eu acredito que isso ultrapassa o limite da avaliação pessoal. É uma invasão de privacidade. E outro ponto: se todas as organizações restringissem a contratação dos endividados, o que seria do mercado? Se as pessoas com problemas financeiros nunca arrumarem um emprego, jamais terão a oportunidade de organizar suas contas. A empresa tem, sim, um papel assistencialista. Ela não pode pensar apenas nela — tem de pensar em toda a sociedade. Nós tivemos o caso de um funcionário que morava na rua. Sem gastar nenhum dinheiro, conseguimos ajudá-lo — e hoje ele é grato à companhia.”