No dia 15 de outubro é celebrado o Dia do Professor no Brasil (Divulgação: Klaus Vedfelt/Getty Images)
Repórter
Publicado em 15 de outubro de 2023 às 10h07.
Última atualização em 21 de março de 2024 às 22h58.
O dia 15 de outubro celebra o Dia do Professor no Brasil. A data foi criada por conta de uma lei decretada pelo imperador D. Pedro I, exatamente no dia 15 de outubro de 1827, chamada “Lei Geral relativa ao Ensino Elementar”, conhecida mais tarde como “Primário” e logo depois como “Anos Iniciais ao Ensino Fundamental”. Essa Lei previa escolas ou pelo menos professores abrindo suas casas para o processo de ensino em todos os municípios ou vilas mais populosas, mas não tinha intenção de universalizar o acesso às primeiras letras, segundo Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades.
“Era para ser um ensino separado para meninos e meninas, com currículos diferentes. Os meninos seriam mais levados à sério, e para as meninas seria ensinado as letras, as quatro operações de matemática e um pouco de prendas domésticas. A ideia era a menina interromper seus estudos em quatro anos, eram escolas para crianças entre 7 e 12 anos, mas os meninos poderiam prosseguir com um estudo mais aprofundado.”
O direito das meninas realizarem o curso normal que conhecemos hoje, que vai até o Ensino Médio, foi estabelecido apenas no século 19, afirma Costin, que reforçou outras mudanças que essa lei sofreu com o tempo, por meio de várias edições da Lei de Diretrizes Bases.
“Algumas das mudanças foram que meninos e meninas passaram a estudar juntos, há poucos casos de escolas exclusivamente para meninos e as que existem pagam uma multa, porque não é um sistema autorizado. Hoje também não estamos mais restritos aos anos do fundamental, porque é obrigatório meninos e meninas estudarem dos 4 aos 17 anos, ou seja, da pré-escola até o ensino médio.”
Outra mudança que tivemos nos últimos anos é que era no Ensino Médio que se preparavam os professores, já hoje para ser professor de educação básica precisa cursar licenciatura ou pedagogia, diz Costin.
Além da exigência da formação do professor em uma faculdade, outra mudança é uma política pública, expressada em Lei, que é a política do piso, que estabelece um salário-mínimo para professores que é corrigido em cima da inflação. Apesar da política de piso, Contin afirma que os salários dos professores ainda estão muito baixos no comparativo internacional.
“Hoje pagamos aos nossos professores cerca de 1/3 do que pagam países da OCDE. Parte desse problema está relacionado ao fato de que o Brasil não tem aulas de turno único. Os países que têm bons sistemas educacionais têm 7 horas educacionais em média e os professore tem dedicação exclusiva a uma escola. Isso torna mais atrativo a profissão do professor.”
Quem escolhe a carreira de professor hoje no Brasil tem duas grandes motivações: a paixão por lecionar e a busca por uma melhoria da sociedade, segundo estudo “Educo Barómetro”, realizado pela Fundação SM, instituição espanhola sem fins lucrativos que atua em nove países, inclusive no Brasil desde 2009.
Entre as principais motivações, o estudo aponta:
A pesquisa foi realizada entre 24 de abril e 17 de maio deste ano e contou, no Brasil, com 600 entrevistas feitas com docentes da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio. As entrevistas foram presenciais e a amostra teve como base o Censo Escolar do INEP, abrangendo as cinco regiões do País. A metodologia contemplou a distribuição proporcional de amostra para cada região, com 120 estabelecimentos de ensino selecionados no total.
O conjunto da pesquisa inclui a amostra coletada junto a instituições de ensino e profissionais da docência de outros três países: Espanha, onde está a sede da Fundação SM, Chile e México.
“Embora a pesquisa aponte para docentes motivados pela paixão em ensinar, é nítida a insatisfação desse profissional com as condições de trabalho. Em comparação com os países analisados (Chile, Espanha e México), os docentes do Brasil são os que estariam mais dispostos a abandonar a profissão,” afirma Érica Carvalho, Gestora da Fundação SM no Brasil.
As condições de trabalho, salário, reconhecimento social e níveis de estresse são os principais desafios apontados pelos respondentes da pesquisa:
Condições de trabalho:
O estudo da Fundação SM mostra que 2 em cada 3 docentes afirmam que sua escola não proporciona os recursos necessários para realizar seu trabalho e, na mesma proporção, estão insatisfeitos com suas condições de trabalho.
Os respondentes consideram que para melhorar profissionalmente, deve-se priorizar os aspectos relacionados às condições de trabalho como melhor salário, mais reconhecimento social de seu trabalho, menos horas de aula por semana e mais equilíbrio pessoal-profissional.
“As condições de trabalho não se resumem apenas no salário e na infraestrutura das escolas públicas, mas também na autonomia do professor, no quanto o professor é ouvido no momento em que uma política pública é estabelecida para mudança de alguma lei ou do currículo. A questão que eu deixo aqui é o quanto estamos ouvindo quem de fato está na sala de aula,” diz Carvalho.
Desenvolvimento profissional:
A falta de tempo é o principal impedimento para o desenvolvimento profissional dos docentes. Outros obstáculos indicados foram a falta de incentivos ou a presença de barreiras econômicas.
“Os salários muito baixos, obrigam o profissional a dobrar ou triplicar sua carga horária, trabalhando em várias escolas e com pouco tempo para descanso, estudo e aprimoramento de suas práticas,” afirma Carvalho.
Reconhecimento:
A maior parte dos entrevistados, 3 em cada 4 docentes, não se sentem valorizados nem pela sociedade nem pelas autoridades responsáveis pela educação no país. Houve pouca mudança dessa percepção nos últimos 15 anos, ou seja, segundo dados da última pesquisa.
Um aspecto fundamental para a dignificação da profissão é o reconhecimento da figura do docente, e são muitos os fatores que podem influenciar, como as características dos professores, bem como sua autoridade, as condições em que exercem sua profissão, os valores da sociedade, os processos de seleção e a formação ou a remuneração.
A valorização da carreira docente é o único caminho para uma transformação efetiva na educação, afirma Ericka, que reforça que essa valorização não se refere apenas aos salários e condições de trabalho, mas também a uma percepção mais sensível e empática da sociedade em relação aos professores.
“As tecnologias avançadas e um novo olhar sobre a sociedade vão culminar na extinção de várias profissões e criação de muitas outras, mas, a profissão docente é uma das poucas que sempre vai existir. A forma como um professor cuida, não tem como ser substituída. Ele desempenha um papel importante na construção de uma sociedade justa, capaz de promover a equidade e o cuidado com o outro e com o planeta.”
Saúde mental:
O esgotamento físico e mental apareceu na maioria das respostas dos docentes no estudo, 3 em cada 4 docentes. A metade apresenta sintomas compatíveis com ansiedade e depressão; e 42% demonstram falta de entusiasmo ou perda de interesse pelo que fazem.
Em termos de causas de estresse, no estudo dois aspectos já mencionados anteriormente são reiterados como barreiras para o desenvolvimento profissional (insatisfação com o salário) e dificuldades na tarefa docente (manter a disciplina em sala de aula).
Também foram mencionados de forma destacada: ter muito trabalho administrativo, ter pouco tempo para a preparação das aulas e ser considerado(a) responsável pela aprendizagem dos alunos.
É importante ressaltar que a docência é uma das profissões mais propensas a apresentar a síndrome de burnout (estresse crônico relacionado ao trabalho).
“É, portanto, de se esperar que as pessoas que trabalham nas chamadas ‘profissões assistenciais’ ou em serviços públicos, como a docência, sejam mais afetadas por essa síndrome, já que estão sujeitas a um alto nível de esgotamento profissional”, comenta diretora da Fundação SM no Brasil.
O estudo mostra que o gosto pela docência e a melhoria da sociedade são razões que motivam mais os docentes com menos de 35 anos, em comparação com aqueles com mais de 50 anos. Neste último grupo há maior incidência de motivação ligada à correspondência pela formação acadêmica adquirida.
Os motivos para escolher a docência também diferem de acordo com a etapa educacional. Enquanto em docentes da educação infantil e do ensino fundamental predominam as motivações ligadas à vocação e ao gosto pela docência, os docentes do ensino médio, por sua vez, encontram uma maior motivação na correspondência com a formação acadêmica adquirida.
A formação e atuação dos professores muda muito dos pedagogos para os que chamamos de especialistas, diz Carvalho.
“Os especialistas, por exemplo, costumam atuar mais no ensino médio e focam mais no conteúdo, esses precisam desenvolver o olhar humano que identifica as habilidades dos alunos, algo que o professor dos anos iniciais costuma ter.”
“Por outro lado, o pedagogo também não pode ser formado como era antes, ele precisa ser um mentor agora, porque a informação agora está disponível em diferentes plataformas. O que as crianças vão buscar na escola hoje é o desenvolvimento de habilidades e competências para a sua cidadania; o foco precisa ser esse,” afirma Carvalho.
Os docentes com menos de 35 anos são os mais propensos a deixar a profissão por um trabalho parecido, segundo o estudo. Um resultado que pode ser explicado pelas condições mais precárias nas quais as novas gerações ingressam na docência (baixos salários, aumento da proporção professor/aluno, etc.) e pelo desenvolvimento de uma consciência crítica a esse respeito.
Em comparação com os países analisados (Chile, Espanha e México), os docentes do Brasil são os que estariam mais dispostos a abandonar a profissão. “Um resultado que está relacionado à insatisfação demonstrada pelos profissionais com relação às suas condições de trabalho como salário e equilíbrio entre vida pessoal e profissional,” afirma Carvalho.
Para Costin, que atuou como professora e ministra interina da Administração Federal e secretária da Administração durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, algumas políticas públicas já adotadas em outros países poderiam servir para a formação docente brasileira:
Alguns países, que têm bons sistemas educacionais, têm algumas políticas educacionais em relação aos professores que o Brasil não tem, afirma Costin.
“Na Finlândia, por exemplo, a abordagem na formação dos professores ela é altamente profissionalizante. É no mestrado profissional que a pessoa se torna professor, há uma ligação entre teoria e prática muito forte.”
O Chile é outro exemplo, inclusive mais próximo da realidade brasileira, que Costin apresenta em relação a políticas públicas.
“Há uma lei nacional de formação de professores que defende que desde o primeiro ano da faculdade o professor tem que estar presente parte do seu tempo de formação em uma escola, observando práticas de professores experientes, assumindo trechos de aula, até que ele se torne professor. É o que acontece na formação do médico que desde o primeiro ano acaba frequentando um hospital universitário,” afirma Costin.
Além da formação inicial, tanto na Finlândia quanto no Chile são muito seletivos ao acesso às licenciaturas. “Não é fácil tornar-se professor nesses países. O Chile adotou progressivamente um aumento nos salários dos professores e tornou o curso mais difícil, com nota de corte mais alta, e com isso a licenciatura virou uma profissão mais desejada para os alunos do ensino médio. Isso poderia ser adotado no Brasil,” diz Costin.
Adotar essas políticas educacionais no Brasil é mais difícil de fazer, porque, segundo Costin, o Brasil vai enfrentar uma falta de professores. “Uma geração importante de professores está se aposentando e vai ser muito importante repor esses professores com profissionais qualificados, além de diminuir o tamanho das turmas.”
Para que as políticas públicas de educação sejam desenvolvidas com seriedade, a gestora da Fundação SM no Brasil afirma que é preciso uma ação conjunta entre o poder público e professores, em que o governo possa analisar e levar a diante as políticas que estão dando certo e os docentes possam ser ouvidos.
“O relatório da Unesco traz uma diretriz muito importante para se estabelecer uma política pública com 3 perguntas bases: O que fazemos em educação que devemos continuar a fazer, o que devemos parar de fazer e o que devemos fazer de outra maneira?”
“Temos uma ruptura de algumas políticas, algumas vezes, iniciativas começam e morrem durante o ciclo de um governo, e isso prejudica muito, porque os resultados na educação a gente só vê a longo prazo,” diz Carvalho.
Além disso, não existe uma escuta ativa com os nossos docentes, afirma Carvalho. “Para a definição de novas estratégias, elaboração de currículos mais atuais, que possam romper com os padrões atuais e realmente colocarem luz à pedagogia da cooperação, o poder público precisará inevitavelmente ouvir os professores. Apenas os docentes, que atuam de fato em sala de aula, são capazes de compreender e propor as mudanças realmente relevantes e necessárias.”