Carreira

Devo sair do armário?

A cruel dúvida de um executivo gay

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h33.

Augusto é um jovem e brilhante executivo. É gerente de marketing de uma empresa que fabrica aparelhos eletroeletrônicos. Augusto tem uma formação exemplar: formou-se entre os primeiros da turma na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. E depois fez MBA em Harvard, onde consolidou o inglês e a visão cosmopolita do mundo. Augusto é um viciado em trabalho. Trabalha 10, 12 horas por dia, e não hesita em levar tarefas para casa nos finais de semana. É um executivo em quem todos na empresa enxergam um grande futuro.

E é gay.

Recentemente, ele disse isso aos pais. Foi duro, mas Augusto se sentiu aliviado ao se livrar de uma mentira. Agora ele pensa em sair do armário também na empresa. Não que esteja pensando em virar um militante gay no escritório. Ele gostaria apenas de não ser mais obrigado a esconder a sua condição de homossexual em nome de uma vida mais clara e transparente.

Mas entre sua intenção e a realidade existe Otavio, o diretor de marketing da empresa, seu chefe. Otavio tem quase 50 anos e é um conservador em relação a estilo de vida. Augusto já ouviu piadas suas a respeito de homossexuais.

Augusto quer sair do armário. Mas deve?

Sempre que uma empresa bem administrada convida uma pessoa para integrar seu quadro de funcionários, o objetivo que prevalece é o de obter o maior sucesso possível nos resultados. Por isso, a preparação acadêmica, a aposta no talento, o espírito de competitividade e a seriedade profissional, entre outros, são os dados relevantes. O comportamento do profissional como pessoa, no entanto, é um fator que, dependendo do caso, pode se tornar bastante relevante também.

O homossexualismo está presente na literatura ocidental há séculos. Na fase áurea da filosofia grega encontramos várias manifestações. Não dá para dizer que os profissionais do nosso país aceitem tranqüilamente a dramaticidade do homossexualismo em suas empresas. Sabemos que alguns são bastante radicais. Desclassificam automaticamente candidatos que demonstrem qualquer indício desse comportamento.

Quando o funcionário apresenta atitudes "afetadas" no ambiente de trabalho e perturba o clima organizacional, a solução, via de regra, é a demissão. Preconceito? Desrespeito ao direito de opção? Conhecemos profissionais que, constantemente, aparentam o jeito dos que assumem as convicções do homossexualismo. Alguns, porém, são incapazes de manifestar franca e publicamente suas escolhas sexuais - procuram acobertá-las criando situações diametralmente opostas ao seu modus vivendi. Mas sua opção dificilmente escapa à percepção dos colegas de trabalho.

Contudo, não havendo qualquer interferência no bom andamento do relacionamento interno e da produtividade da empresa, essa convivência ocorre sem riscos. É o caso de Augusto, que parece ser um profissional de talento e de sucesso. Nessas circunstâncias, não vejo qualquer necessidade de expor a Otavio convicções de ordem pessoal que não estejam interferindo na consecução dos fins propostos pelo contrato de trabalho.

José da Costa Ferreira é diretor da Talentum, consultoria de recursos humanos no Rio de Janeiro, e tem 16 anos de experiência na busca por talentos entre os estudantes

O comportamento sexual só é um problema quando interfere no ambiente de trabalho. Mas isso não diz respeito apenas a homossexuais. O chamado "galinha", aquele homem que não resiste a uma saia, pode criar problemas muito maiores do que um homossexual discreto. Quanto a "sair do armário" na empresa, não creio que seja uma boa idéia. E não por causa de Otavio, que certamente não é o único a ter preconceitos a respeito de homossexuais.

Primeiro, porque o que o profissional faz na vida pessoal, e não me refiro apenas a sexo, não é da conta de ninguém, a não ser que afete diretamente a empresa, ou seu desempenho (o que geralmente ocorre com o alcoolismo, por exemplo). E este não é o caso, já que estamos falando de um "jovem e brilhante executivo", com formação exemplar e grande dedicação ao trabalho.

Segundo, porque se nesse caso há um problema, ele, até agora, é de Augusto e não da empresa. Sei que minha opinião pode parecer cínica, mas abrir o jogo, embora possa aliviá-lo, não vai ajudá-lo profissionalmente. Sugiro que Augusto continue levando a vida normalmente, produzindo bons resultados, que são mais importantes para a empresa do que suas preferências sexuais.

É claro que haverá cobranças e indiretas - namorada, casamento... -, mas Augusto terá que se acostumar a lidar com elas. Com o tempo, mesmo aqueles que acreditam que ele é homossexual, reconhecerão que seu desempenho profissional não foi afetado por isso. Aí, quem sabe, naturalmente e sem precisar anunciar que é homossexual via quadro de avisos ou, o que é mais moderno, via e-mail, Augusto poderá sair do armário.

Guilherme Velloso foi jornalista e é diretor da PMC AMROP International, consultoria especializada em contratação de executivos, com 82 escritórios em 48 países

Se Augusto revelar sua condição na empresa pode gerar, no mínimo, duas situações.

Na primeira, seu chefe é ainda mais preconceituoso do que parece. Otavio é capaz de sentir no ombro uma carga pela qual não quer se responsabilizar. Ele pode reagir negativamente, trazendo tensão no dia-a-dia de trabalho e limitando as oportunidades de Augusto continuar a construir seu histórico de realizações positivas.

Na segunda situação, Otavio não é muito mobilizado para a questão do homossexualismo e vai receber com tranqüilidade (ou pouco desconforto) a condição do funcionário. Se além disso ele for um chefe maduro e atualizado, saberá ouvir suas preocupações, orientar ações e criar um ambiente de receptividade e participação, onde prevaleça o respeito à individualidade.

Para tomar sua decisão, talvez Augusto deva antes estar seguro quanto ao patamar de maturidade do seu chefe. Mas se a ansiedade em sair do armário aumentar, a opção é chamar Otavio para uma discussão objetiva e equilibrada sobre suas expectativas a respeito da empresa, sua motivação pelo trabalho e suas preocupações de ordem pessoal.

Na pior hipótese, o chefe não vai gostar do que ouviu e vai dificultar os caminhos de Augusto. No final, pode até levá-lo a ter que sair da área. Mas não terá sido um mau negócio. Um ambiente de trabalho assim não merece um profissional competente.

Considerando essa e tantas outras realidades da vida nas organizações, o essencial para Augusto é manter seu foco no autodesenvolvimento. Ele tem a responsabilidade de checar todo dia sua relação com a empresa e de estar preparado permanentemente para novos rumos. Busca de felicidade é indelegável.

Elizabeth Zorzi foi executiva de empresas como Editora Abril e Citibank e hoje é consultora de gestão de mudanças do grupo Hay, presente em 30 países

O problema apresentado chega num momento oportuno, quando a sociedade tem ampliado as discussões sobre a sexualidade dos indivíduos e suas conseqüências no âmbito pessoal e profissional. Visto que Augusto não está sendo questionado pela empresa, vamos analisar alguns fatores. Seu currículo é bastante interessante, e com certeza muitas empresas gostariam de tê-lo em seus quadros. Da mesma forma, seu desempenho profissional tem trazido retorno positivo para ambas as partes. Além de conservador, o comportamento de seu diretor, no que diz respeito às piadas sobre homossexuais, poderia indicar alguma dose de preconceito.

Pela sua proximidade com Otavio, certamente Augusto tem condições de avaliar se realmente há preconceito. Uma opinião ou análise alheia ao ambiente de trabalho corre o risco de estar fora de foco. Mesmo assim, caso a opção seja ter uma conversa aberta com Otavio para que todas as dúvidas sejam esclarecidas, Augusto deve estar ciente do risco que está correndo. Trata-se de uma decisão pessoal, visto que sua carreira não foi, até o presente momento, afetada de forma negativa.

Carlos Roberto Faccina é diretor de recursos humanos e assuntos públicos e institucionais da Nestlé e durante 18 anos foi professor universitário

Os personagens e o enredo desta seção são fictícios. Mas os especialistas chamados a dar sua opinião são genuinamente de carne e osso. Caso você tenha uma história a contar, entre em contato conosco pelo e-mail: maya@email.abril.com.br

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