Carreira

Conhece executivos desempenho tarja preta?

Executivos recorrem a medicamentos controlados para lidar com a pressão do trabalho e render mais. No começo funciona, mas os efeitos colaterais chegam — e são sérios

Imagem de remédios sobre mesa de trabalho (Fábio Heizenreder/EXAME.com)

Imagem de remédios sobre mesa de trabalho (Fábio Heizenreder/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 20 de março de 2013 às 12h01.

São Paulo - Tudo começou com um comprimido para aliviar os momentos de tensão e a ansiedade. Era para ser algo temporário e com acompanhamento médico para amenizar o estresse e a palpitação, mas a carioca R.M.*, de 31 anos, coordenadora de marketing de uma empresa de serviços de manutenção e limpeza do Rio de Janeiro, passou a recorrer com frequência ao tranquilizante Rivotril.

“Em situações complicadas no trabalho, só consigo relaxar quando tomo um”, diz R.M., ao explicar que o remédio tira a ansiedade e melhora sua produtividade.

“Consigo pensar com clareza e classificar as prioridades. Ele não dá sono, só acalma, é perfeito”, afirma. No começo, R.M. tomava todas as noites para conseguir dormir e algumas vezes durante o dia, em um momento de muita pressão. Hoje, as doses diminuíram, mas o medicamento está sempre por perto.

“Guardo-o na minha carteira para qualquer emergência”, diz R.M., que consome sem acompanhamento médico. “Receita eu consigo com meu clínico-geral”, revela. Apesar de saber que o remédio pode causar dependência, ela não pensa em parar. “Não temo me viciar, pois os benefícios do remédio são maiores”, diz. “Encarei o jeito Rivotril de ser: mais tranquila, leve e calma.”

A história de R.M. retrata uma realidade hoje comum entre profissionais brasileiros de todos os níveis e idades. Para atender às altas demandas de trabalho, muitos recorrem a medicamentos controlados, como calmantes e estimulantes, os chamados tarja preta, como forma de melhorar a concentração, aliviar a tensão ou qualquer outro efeito que melhore o desempenho.

Desenvolvidos para tratar doenças e distúrbios como depressão e ansiedade crônica, remédios como Rivotril e Lexotan passaram a ser usados por pessoas interessadas apenas em superar obstáculos usuais do cotidiano profissional.

O problema está nos danos do uso indiscriminado. Em usos prolongados, há risco de dependência. E o abuso pode levar a problemas cardíacos e alucinações. Um caso notório é o do cantor sertanejo Luciano, que, em novembro do ano passado, foi internado após misturar altas doses de Rivotril com uísque.

Um estudo realizado pela E-Pharma, empresa que faz gestão de planos de saúde, com mais de 500 000 profissionais e seus dependentes em 2011 aponta que os brasileiros consumiram mais remédios contra depressão e ansiedade do que medicamentos para o tratamento de doenças crônicas, como hipertensão, colesterol ou diabetes.

Nesse período, uma em cada cinco pessoas fez uso de algum remédio para o tratamento de problemas emocionais. E os motivos para recorrer aos medicamentos são velhos conhecidos: estresse, pressão por resultados e medo de falhar.

“No mundo corporativo, é comum as pessoas tomarem benzodiazepínicos como o Rivotril e o Frontal, remédios normalmente ligados ao tratamento psiquiátrico de doenças como depressão, falta de sono e pânico, mas que no fundo tratam a competitividade que existe no dia a dia do escritório”, diz o psicanalista Olivan Liger, da Consultoria e Reabilitação em Dependência Química (Soma), de São Paulo. 


Os ansiolíticos são prescritos por psiquiatras para tratar pacientes com algum transtorno mental. São drogas sintéticas usadas para diminuir a ansiedade e a tensão.

Elas afetam áreas do cérebro que controlam a angústia e o estado de alerta, relaxando os músculos. “Não são indicados para tratar problemas pontuais de nervosismo. Sentir um pouco de ansiedade é normal”, diz o psiquiatra Marcio Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, que diz que remédios tarja preta, como os calmantes, não podem ser usados por mais de três meses, nem em casos de transtornos graves. 

Mais-valia

A combinação de um trabalho estressante com o uso excessivo de remédios pode levar um profissional ao colapso mental e, consequentemente, à perda do emprego. “Tinha pavor de ir ao trabalho”, diz o analista de sistemas R.R., de 31 anos, coordenador de serviços de uma empresa de telecomunicações em Barueri, na Grande São Paulo.

Por cinco anos R.R. trabalhou em uma multinacional de alimentos e bebidas como gerente de suporte de tecnologia, responsável pelo atendimento da TI da empresa na América Latina. Um dia, exausto da obrigação de estar 24 horas à disposição da companhia, ele resolveu pedir demissão.

“Por causa do fuso horário, chegava a trabalhar de madrugada”, diz R.R. A multinacional não aceitou seu pedido e prometeu ajudá-lo a se recuperar. Ele foi então encaminhado ao médico da empresa e recebeu dele a prescrição de um antidepressivo. Depois,  o médico o orientou a tomar Rivotril.

“Eles não queriam me ajudar, queriam que eu continuasse a render”, diz. Além dos remédios, R.R. fumava maconha. “Saía do trabalho com a cabeça exausta e o corpo pilhado. Precisava de algo para relaxar”, diz.

Depois de um ano, ele resolveu deixar a empresa. Sem emprego fixo e com o casamento desfeito, decidiu se internar em uma clínica de reabilitação. “Precisava me afastar de tudo e me livrar dos vícios”, diz o analista de sistemas, que conta ter visto muitas pessoas entrando na clínica pelo vício em Rivotril. R.R. saiu da clínica no inicio deste ano e diz que a mistura de drogas e remédios ficou para trás. “Ainda vou ao psiquiatra, mas não tomo nada. Hoje escolho o emprego pela qualidade de vida”, diz R.R. “Dinheiro está em segundo plano.” 

Pílula mágica

Dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostram que, das 600 consultas mensais feitas pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da instituição, 50 são de pessoas viciadas em calmantes. “A maioria começa a usar o remédio com indicação médica.

Depois, passa a querer doses maiores e acaba partindo para a compra ilegal ou solicitando receita para médicos de outras especialidades”, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp. Segundo ele, as pessoas subestimam os efeitos desses medicamentos. “Usam como se fosse uma pílula mágica para lidar com os problemas”, diz Dartiu. 


De acordo com ele, em vez de procurar saídas para enfrentar o estresse do dia a dia, as pessoas preferem tomar o remédio por parecer uma saída mais rápida e fácil. Muitas vezes o uso começa apenas com um comprimido para relaxar em um momento de estresse, por indicação de um amigo.

Mas momentos difíceis se repetem e o uso do remédio passa a ser recorrente. “Quando ele percebe, já se viciou”, diz Pedro Oliveira, diretor médico da E-Pharma. “A ilusão que o remédio fornece se torna a realidade da pessoa, que não consegue viver sem aquela sensação. É o mesmo princípio das drogas ilícitas.”

Apesar dos riscos, muita gente prefere recorrer a medicamentos a procurar saídas saudáveis, como fazer exercícios físicos, buscar terapia ou procurar uma ocupação com rotina mais regrada.

Em geral, essas soluções são demoradas e os profissionais parecem ter pressa. “Buscar uma psicoterapia ou mudar o estilo de vida demora muito e ninguém nem pode nem quer esperar”, diz Pedro. Com rápido início de ação, cerca de 20 minutos, os remédios são uma solução imbatível em termos de velocidade de resposta.

“Fico mais de 12 horas na agência e, muitas vezes, tenho de finalizar um anúncio em menos de duas horas”, diz M.W., de 32 anos, diretora de arte de uma agência de publicidade de São Paulo. De acordo com ela, o estresse do dia a dia atrapalha muito seu emocional e só recorrendo ao calmante ela consegue ficar tranquila para concluir as demandas do trabalho.

“Andava descontrolada, sem conseguir organizar meu tempo, e um amigo indicou um calmante. Tomei e tudo melhorou”, diz. A publicitária pede receita para seu ginecologista e recorre ao medicamento sempre que está em momentos de muito estresse. “Sou uma pessoa muito mais tranquila agora”, diz. 

Gás a mais

Há também substâncias usadas para intensificar a atenção e fortalecer a memória e, assim, render mais. É o caso dos chamados psicoestimulantes, como a Ritalina, que são usados para tratar disfunções neurológicas, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). “São remédios fortes, não servem para aumentar a concentração e o desempenho em pessoas sem a doença”, afirma Pedro, da E-Pharma.

Há, ainda, os suplementos alimentares, como o Jack3D e o Oxy Elite Pro, proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em julho deste ano, que são usados para diminuir a fadiga e aumentar a disposição para atividades físicas.

De acordo com a Anvisa, esses suplementos contêm dimetilamilamina (DMAA), substância que pode causar dependência, insuficiência renal, falência do fígado, problemas cardiovasculares, alterações do sistema nervoso e até morte. 


Apesar da proibição, em uma busca rápida na internet é possível comprar esses produtos. “Nunca tive dificuldade para achar Jack3D”, diz A.M., gerente comercial, de 39 anos, que trabalha em uma empresa de tecnologia em São Paulo e toma o suplemento há dois anos. “Consigo ficar aceso o dia todo e meu desempenho melhorou muito”. Segundo A.M., antes de tomar o suplemento, era normal ter sono durante a tarde e o cansaço prejudicava seu trabalho.

Apesar de conhecer os efeitos (até sente alguns, como taquicardia e insônia), ele não pensa em parar. “Sem ele, a pilha acaba”, afirma. De acordo com o psiquiatra Marcio Bernik, do Hospital das Clínicas, no curto prazo essas substâncias funcionam e até parece que não prejudicam em nada. “O preço que você vai pagar é sempre no longo prazo, mas os efeitos colaterais um dia chegam”, diz Marcio. 

Estimulantes e calmantes, se você não tem diagnóstico de uma doença emocional, o ideal é recorrer a outros métodos para aguentar a pressão ou melhorar o desempenho. O diagnóstico de ansiedade crônica ou depressão é complexo, mas uma coisa é certa: essas doenças não são situações isoladas de nervosismo e estresse.

De acordo com Marcio, a principal característica delas é o fato de serem um quadro permanente, imutável. “Uma pessoa que está sempre ansiosa, com medo que tudo dê errado e deixa de fazer coisas por causa disso — no trabalho ou na vida pessoal —, pode ter um transtorno de ansiedade ou pânico”, diz.

Se esse não é o seu caso, no lugar do remédio, vá atrás de exercícios físicos e de outras formas de relaxar e melhorar seu desempenho no trabalho. Seu corpo agradece. 

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