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De bolha em bolha financeira, desde 1697

O primeiro crash do mercado financeiro, há três séculos, deixa claro: o roteiro da crise de 2011 não tem nada de original

Ilustração - Crash financeiro (Mariana Coan/EXAME.com)

Ilustração - Crash financeiro (Mariana Coan/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2013 às 19h11.

São Paulo - Foi uma quebradeira. De cada 100 empresas, 72 faliram. Até as ações da maior companhia do país derreteram: 80% de queda. Tragédia. Mas, para muita gente, uma tragédia anunciada. A economia não ia bem das pernas, então, claro que, mais hora menos hora, a bolsa levaria um tombo daqueles.

“Qualquer um poderia ter previsto que a alta das ações a um preço tão superior ao que elas valiam teria uma consequência fatal”, escreveu um analista financeiro. Isso não aconteceu no mês passado. Nem em 2008. Nem em 1929. Mas em 1697. O analista financeiro era Daniel Defoe, o escritor que 18 anos mais tarde escreveria Robinson Crusoé. Foi o primeiro crash da história.

O primeiro, porém, com roteiro quase idêntico ao último. E ao penúltimo. E ao anti penúltimo. A Inglaterra estava endividada até o pescoço por causa de mais uma guerra contra a França. Sem condição de honrar os títulos públicos (os government tallies) que estavam vencendo, o governo deu um calote na dívida interna, pagando só a metade e deixando o resto para depois.

Para sair do vermelho, o Estado inventou uma loteria nova. A ideia era arrecadar 1,4 milhão de libras (3,6 bilhões de dólares nos valores de hoje), mas conseguiu só 18 000 libras (47 milhões de dólares). Pronto. O desastre tinha se instaurado. 

Com o calote do Estado, banqueiros quebraram. Menos banqueiros, menos crédito na praça. Começou a faltar moeda. Quem tinha ações na mão precisava convertê-las em dinheiro o mais rápido possível, até para tocar as despesas do dia a dia. Todo mundo começou a vender os papéis feito louco. E os preços foram lá para baixo.

Com menos moeda na praça, dois terços das companhias britânicas da época quebraram. Com a corrida para vender ações, a maior empresa de lá, a Companhia das Índias Orientais, que lucrava trazendo seda da China e especiarias da Índia para revender na Europa, tomou aquele tombo de 80%. Mas não era só culpa do governo.

Os investidores também tinham sua parcela de responsabilidade pela crise. Como disse Daniel Defoe, o mercado acionário tinha ficado louco mesmo.

Tesouro no fundo do mar

A insanidade começou quando acharam um tesouro no fundo do mar. William Phillips, um capitão de navio, voltara do mar em 1687 com 32 toneladas de prata retiradas de um galeão espanhol naufragado. A notícia se espalhou por Londres e começaram a pipocar empreitadas de caça ao tesouro — companhias dedicadas a fabricar equipamentos de mergulho e sair atrás de galeões no fundo do mar.

Como financiar essas empreitadas? Com uma forma inovadora de financiamento, recém-importada de Amsterdã: as ações. 


Em 1602, o governo da Holanda convidou a população para virar sócia de sua maior estatal, que acabava de ser criada: a Vereennigde Nederlandsche Oostinduche Compagnie (Companhia Unida Holandesa das Índias Orientais) — ou VOC, como o pessoal preferia chamar. Era a empresa responsável pelo comércio deles com a Ásia.

Convidar a população para virar sócia significava dividir a empresa em partes. No caso, em milhares de partes.

E vender esses pedaços no mercado para bancar a construção dos navios e os salários dos marinheiros, mercadores e soldados que iam a bordo. Para vender essas partes da empresa (as ações), construíram um mercado em Amsterdã e deram o nome de bourse. Era o primeiro IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) de todos os tempos. Mais: era a reinvenção da roda. 

Com o dinheiro dos milhares de sócios, eles conseguiram bancar dezenas de expedições comerciais. Os lucros vieram forte e as ações da VOC começaram a render dividendos anuais de 40%. A procura pelos papéis cresceu, a empresa conseguiu vender mais papéis para bancar mais viagens... E a Holanda foi virando uma potência global.

Não demorou e a ideia genial das ações migrou para a Inglaterra — principalmente para bancar as expedições da VOC deles. Deu certo por lá também. Mas no meio do caminho tinha um tesouro.

Aquelas startups (novas empresas) de mergulho lançaram ações para financiar suas empreitadas, certo? E foi uma festa. Sonhando com as toneladas de ouro e prata que as expedições trariam de volta, o povo correu para virar sócio.

Correu tanto que as ações de algumas dessas companhias subiram 500% antes de elas terem aberto as portas — exatamente como aconteceria pouco mais de três séculos mais tarde com as ações de algumas empresas de Eike Batista. Só que aí a realidade bateu. 

Aquela crise do governo britânico bagunçou as finanças. A correria dos investidores mudou de direção. Todo mundo estava tentando vender as ações para pagar as próprias contas. E as companhias que nem tinham saído do papel foram as que mais viram suas ações caírem, exatamente como aconteceu no mês passado com as empresas de Eike. Certas coisas nunca mudam...

E quem tinha comprado ações na alta ficou com as calças na mão, agravando mais ainda a crise. Depois dessa, o governo britânico quase proibiu o mercado de ações. Mas ficou no quase, claro. Trinta anos depois a Inglaterra afundaria em outra bolha, bem maior.

Na mesma época, a França quase deixaria de existir depois de passar por uma das maiores catástrofes econômicas de todos os tempos (talvez a maior de todas). E ainda viriam 1929, 2008, 2011... Por outro lado, sem a especulação o mundo seria um pouco mais chato (e muito mais pobre). De bolha em bolha, a gente vai levando.

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