Carreira

Da Globo para a maconha medicinal, esta brasileira virou CEO em 5 anos

Ela se formou em jornalismo e já trabalhou na Globo, mas encontrou sua vocação na nova (e promissora) indústria da cannabis medicinal

Caroline Heinz: de assistente de vendas a CEO, ela conheceu os benefícios da cannabis medicinal em primeira mão (Felipe Levy/HempMeds/Divulgação)

Caroline Heinz: de assistente de vendas a CEO, ela conheceu os benefícios da cannabis medicinal em primeira mão (Felipe Levy/HempMeds/Divulgação)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 17 de junho de 2020 às 07h30.

Última atualização em 17 de junho de 2020 às 15h11.

Quando decidiu largar sua carreira como produtora na televisão e cinema para estudar nos Estados Unidos, Caroline Heinz não imaginava que teria uma reviravolta ainda maior na sua vida por causa de um exame de rotina.

A brasileira se formou em jornalismo e trabalhou em produções da Rede Globo como o The Voice Brasil. Hoje, com 35 anos, ela é CEO da HempMeds, empresa americana de cannabis medicinal e a primeira a conseguir autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para importar o produto para o Brasil.

“Fui fazer alguns exames antes de deixar o Brasil e descobri que tinha células pré-cancerosas no colo do útero. Enquanto fazia MBA nos Estados Unidos, elas cresceram e precisei fazer um procedimento para removê-las. E tinha grandes chances de não poder engravidar. E meu sonho era ser mãe”, conta ela.

No entanto, Caroline engravidou apenas dois meses após a  cirurgia. As células do útero se regeneraram rapidamente depois do tratamento com canabidiol (CBD), uma das substâncias da maconha.

Caroline havia recebido a recomendação para procurar a HempMeds não de um médico, mas de um conhecido que viu uma vaga de emprego de mídias sociais para alguém fluente em português. Foi assim que sua história se cruzou com a da HempMeds, onde ela começou a trabalhar como assistente de marketing e vendas.

“Eu não conseguia sair de casa por causa da cirurgia, então era o trabalho perfeito. Eles estavam abrindo no Brasil e eu negociei para conseguir o medicamento de graça, pois já sabia dos benefícios para quem passou pelo mesmo que eu”, fala.

Durante toda sua gravidez, ela fazia o contato com clientes que compartilhavam suas dificuldades e buscavam o medicamento, a maioria delas eram mães com problemas parecidos com o seu ou com filhos que poderiam se beneficiar do tratamento ainda inacessível no Brasil.

“São tantas histórias de vidas que mudaram com o tratamento. Os clientes viram nossos amigos, estava indo pra maternidade e tentando ajudá-los ainda. E as mães me davam bronca: ‘desliga o telefone e vai parir’. Não tinha mais volta, eu me apaixonei por esse trabalho. E nunca imaginei que fosse dar essa reviravolta na vida. De assistente fui diretora de operações no Brasil, vice-presidente e agora CEO”.

Nesta quarta-feira, 17, Caroline fará uma bate-papo no instagram da HempMeds do Brasil, às 19h. Confira aqui a entrevista completa com ela:

EXAME: Como vê a presença feminina no mercado de cannabis medicinal?

Caroline Heinz: Desde que fui promovida, há seis anos, para o time executivo, sempre fui a única mulher. Agora sou a CEO da empresa. A liderança feminina é um diferencial. No Brasil, a maior parte do time é de mulheres. O mercado no Brasil e nos Estados Unidos é diferente e as mulheres têm uma sensibilidade maior para tratr o tema. No Brasil, as pessoas podem apenas acessar o remédio com indicação médica. Nos Estados Unidos, qualquer pessoa compra. No nosso país, temos que trazer a urgência que o produto deve ter para toda a sua logística, lembrando que é um medicamento, não uma jujuba.

Se ocorre um erro na entrega ou atraso para liberar a entrada no país, é a vida das pessoas na linha. Nós mantemos contato com os clientes e ligamos para entidades de transporte e do governo, temos que lembrá-los que as pessoas dependem daquele produto, que aquela poderia ser sua criança convulsionando, ou seu avô com dor. Ser mulher e mãe faz uma grande diferença nessas interações e para entender a necessidade dos nossos clientes.

Também no mercado de cannabis, você vê uma presença mais forte de mulheres na produção. Vi uma reportagem sobre uma fazenda na Colômbia com 95% de mão de obra feminina, como é necessário cortar as plantas com bisturi, as mulheres conseguem fazer esse trabalho manual com mais delicadeza. Com o grande número de mulheres, é uma área com potencial para a liderança feminina.

EXAME: Como é trabalhar com um produto sendo regulamentado e que ainda envolve diversos tabus?

Caroline Heinz: No Brasil, eu faço esse trabalho de conscientização desde 2014. Quando a gente começou, nos aproximamos de médicos e da imprensa. O tabu existe pela falta de informação e meu trabalho na área de marketing era informar com base na ciência, mostrando estudos que comprovavam a eficácia do tratamento.

Quando a gente fala do assunto, muitas pessoas não entendem o que é ter uma criança convulsionando em casa e que o problema não é uma exceção -- ele atinge mais de 3 milhões de brasileiros. O mesmo para o autismo. Não são doenças raras, e elas podem ser tratadas com o nosso produto.

Então, muito do nosso trabalho foi ir a audiências públicas e ajudar movimentos para mudar a legislação, apresentar os dados embasados e questionar: quem aqui não tem familiar com Alzheimer? Ou Parkinson, distúrbio do sono, epilepsia? Ninguém levanta a mão. Você sempre conhece alguém com essa dor.

O tabu não é mais tão forte e temos medicamentos registrados. O Brasil, por ser um país conservador, realmente mudou rápido a percepção sobre a maconha medicinal apenas vendo resultados e ouvindo histórias de mães, crianças e famílias felizes. É assim que acaba com o preconceito.

EXAME: Para você, o que significa atuar no cargo de CEO? Quais seus maiores desafios?

Caroline Heinz: O Brasil ainda é muito machista, sabemos disso. Durante minha carreira no país, eu tive experiências muito fortes de competição, diferença salarial, de receber uma “gracinha” em troca de uma posição. Eram coisas que me frustravam, eu queria sempre fazer mais e ir para os Estados Unidos foi uma reviravolta na minha vida. Agora, sou a CEO e única mulher na alta liderança da empresa, eu sou mais nova e não sou americana.

E meu inglês ainda é ruim. Mas aqui é um lugar onde dão oportunidade para quem trabalha. Quando meu chefe me ofereceu o cargo de CEO, ele chorou ao dar a notícia, ele me disse: “Esse país foi feito por imigrantes, é um lugar de oportunidades para trabalhar”. E é isso que quero refletir no meu time, que eles sejam promovidos e que entendam que trabalham com vidas.

Meu celular toca 24 horas com mães falando comigo. E mesmo sendo CEO não vou deixar de atender, de tentar resolver os problemas que surgem. Novos desafios são minha motivação. E tento passar isso para o time. Aqui nos EUA, todos me viram crescer e isso também os motiva. Para mim, como nova liderança, tenho uma visão global dos desafios que enfrentamos em cada país com regulamentações diferentes.

Mas o maior desafio do líder é ter a equipe certa: não apenas as pessoas certas, mas em posições certas. Você precisa de boas habilidades, mas também que a pessoa esteja feliz com o que faz. Já mudei muitos de posição na equipe para desempenhar um papel que encaixava melhor com eles. Meu time no Brasil levou anos para ser construído e agora eles andam sozinhos. E isso é bem difícil.

EXAME: Como vê o futuro para os negócios de maconha medicinal?

Caroline Heinz: Em relação ao Brasil, a lei foi aprovada em dezembro do ano passado e a gente espera que o medicamento esteja disponível em outubro. Em Portugal, com a reabertura, o comércio do medicamento poderia dar um “up” na economia. Em breve vou para lá para a finalização do registro. Temos um projeto encaminhado, o mesmo caminho que tivemos no Brasil, com muitas mães e médicos em contato com a gente.

E, sem dúvida, venho conversando com outras empresas e associações, entendemos que esse mercado vai expandir. Mas, para crescer, vamos precisar de um trabalho colaborativo. O sucesso do mercado e das empresas no ramo de cannabis será por um processo colaborativo, não por competição.

Nos EUA isso já acontece, existem empresas de soluções de pagamento, outras especializadas em extração ou em plantio. São empresas de todo o processo que atuam como parceiras.

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