Negocie como um árabe (Marcelo Spatafora (personagem)/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo - Na maioria das vezes você não percebe, mas quando toma uma decisão de compra, empréstimo ou investimentos há muito mais elementos envolvidos que a mera conta na ponta do lápis. Nessa hora, as tradições e os hábitos da família ou das comunidades fazem toda a diferença no trato com o dinheiro em cada canto do planeta.
As tradições culturais passam por culinária, folclore, mas, sobretudo, pela forma como as pessoas lidam com as finanças. Essas diferenças são ingredientes primordiais na prosperidade ou no declínio das nações.
Se no mundo os árabes são conhecidos pela maneira como fazem negócios, os americanos ficaram famosos pelo jeito como fazem a grana render. É claro que nenhum hábito está parado no tempo ou no espaço, mas as raízes fornecem pistas sobre o modo como lidamos com o dinheiro.
A boa notícia é que é possível absorver o conhecimento de outras culturas e incorporar lições financeiras buscando um novo estilo de vida. Basta substituir velhos hábitos por outros mais rentáveis. “Metade da resolução dos problemas financeiros é a consciência de seu comportamento”, afirma Regina Silva, psicóloga e consultora financeira do Gyraser, centro de treinamento em São Paulo.
O que gostaria de aprender nas outras culturas com seus amigos ou familiares? No começo, pode parecer difícil, mas não desista. “Lembre-se de quando começou a usar salto alto ou terno. No início, aquilo parecia não combinar com você”, diz a psicóloga. “Em três meses um novo hábito pode estar dentro de seu cotidiano.”
No Brasil, temos o bônus de uma sociedade miscigenada, com diversas influências, o que torna a adoção de comportamentos financeiros de outros países mais fácil. Aperte os cintos! A VOCÊ S/A destaca as principais atitudes que você pode absorver com vizinhos ao redor do mundo.
Negocie como um árabe
Os mercados árabes e as conversas animadas dos comerciantes são sempre uma boa referência quando o assunto é pechincha. Alexandre Hadade, descendente de libaneses, passou boa parte dos seus 37 anos com a “barriga no balcão”. O pai, empreendedor do antigo magazine Cineral, é sua principal inspiração no mundo dos negócios. Hoje, como sócio da Arizona, empresa de tecnologia de São Paulo, Alexandre se vê diariamente desafiado a negociar com seus clientes.
Flexibiliza preços e chega ao limite dos valores sem prejudicar a qualidade do serviço. “Meu limite é o do ganha-ganha, para ambos os lados.” Para as negociações difíceis, Alexandre lança mão do máximo de transparência, explicando os motivos do preço que pretende atingir.
Nas compras particulares, a atuação é similar, só que do outro lado do balcão. Para acertar no limite da choradeira, a dica dele é a boa e velha pesquisa, na internet mesmo.
O celular acaba sendo o instrumento para isso: no momento da compra, em segundos, a pesquisa é feita e o vendedor pode conferir as oportunidades que estão disponíveis em outras lojas. “É sempre bom ter uma baliza, afinal, quem define os preços das coisas é o mercado.”
Reconstrua como um japonês
Quem acreditaria no poder econômico de um país após uma bomba atômica ou um tsunami que destruiu boa parte de sua costa? Não ter medo da reconstrução é marca registrada dos japoneses e um dos elementos fundamentais para uma vida financeira saudável. Atílio Nory, produtor de eventos de São Paulo, de 32 anos, é prova disso. Descendente de japoneses, aos 17 anos seguiu para Tóquio.
Ao longo de dois anos, viveu o dia a dia de um operário em solo japonês. Mas, diante da crise econômica que o país vinha enfrentando, decidiu voltar para o Brasil em 1999. “Fui demitido no Japão, acabei gastando lá mesmo tudo que juntei”, diz. No começo, teve dificuldade em controlar as contas, que viraram uma bola de neve, mas um ano depois decidiu se livrar das pendências.
Mudou de endereço, vendeu móveis e começou a quitar cada uma de suas dívidas. “Não tenho medo de começar de novo, principalmente porque valorizo cada conquista.” Hoje, tem uma vida financeira mais estável e mantém o olho no futuro. Em seu planejamento, deverá comemorar o fim das dívidas no começo de 2013.
Invista como um americano
Foi com os americanos que Mônica Saccarelli, de 34 anos, diretora da rico.com.vc, home broker da Octo Investimentos, de São Paulo, aprendeu a cuidar de seu dinheiro com foco nos objetivos. Nos dois anos em que estudou na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, aprendeu que por lá todos trabalham visando lucros não só para a empresa, mas também para si mesmos. “É o pensamento capitalista puro: você é o seu desempenho.”
É exatamente esse o raciocínio que Mônica trouxe para suas finanças pessoais. “Eu fico angustiada de ver minha grana encurtando. Meu caminho é fazer o dinheiro trabalhar para mim.” Aprendeu também que nem só da poupança vive uma boa carteira de investimentos. “Há muitas possibilidades. O mercado de ações é uma delas.” Não demorou para Mônica começar a investir de forma mais agressiva. Atualmente, 46% de suas aplicações vão para ações, divididas igualmente entre ativos de maior risco e melhores pagadores de dividendos.
Planeje-se como um canadense
Quem dá o sangue todo dia no trabalho sabe o quanto é difícil conquistar cada real que cai na conta. Por isso, é fundamental saber exatamente para onde seu dinheiro vai. Para o canadense, cada centavo de dólar — no país circulam os dólares canadenses — faz toda a diferença. O planejamento foi a melhor lição para Marcelo Zorovich, de 39 anos, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
“Eles têm tudo programado, cada centavo tem destino certo e é planejado desde o começo do ano”, diz. “Eles sabem dar valor a cada minuto do trabalho deles e, por isso, não desperdiçam o dinheiro.” Ao longo dos quatro anos em que morou lá, aprendeu na prática a projetar seus gastos e receitas “nos mínimos detalhes”. Atualmente tem todos os seus gastos pessoais previstos e devidamente organizados.
Estude como um alemão
Estudar com afinco o cenário econômico certamente ajudará muito na hora de tomar uma decisão de compra, de empréstimo ou de investimento.
lona Rechlin, de 39 anos, assistente da diretoria do Instituto Goethe de São Paulo, é descendente de alemães e não teve dificuldades em perceber qual o segredo de uma das poucas nações europeias que não caíram no fosso da crise econômica internacional. “O alemão sempre se aprofunda muito nos assuntos que estuda”, diz.
Assim é também em suas contas pessoais. O crediário e o famoso “três vezes” no cartão de crédito não passam sequer pelo imaginário dos alemães nem pelo de Ilona. Ela lembra de ver amigos economizando mês após mês para conseguir dinheiro suficiente para comprar eletrodomésticos, como geladeira e fogão. “Não criar dívidas é uma questão de segurança contra a inadimplência.”
Troque como um africano
A troca de favores e produtos entre amigos pode ser sempre uma boa alternativa para gastar menos. Em um trabalho para o Banco Mundial, Fábio Boa Sorte, economista de 34 anos, cuidou da implantação de projetos de microfinanças no continente africano.
Nos quatro meses que passou na Tanzânia, aprendeu muito sobre gestão de recursos em condições adversas. Por lá, o escambo — troca de produtos como forma de pagamento — ainda é uma importante forma de fazer negócios. “A questão tribal ainda é bem presente no cotidiano dessas pessoas”, diz.
A escassez de recursos faz com que as pessoas sejam adeptas de todo tipo de operação que tenha resultado positivo para todos. Com isso, não só as trocas de produtos mas as trocas de favores são bem convenientes, evitando gastos com serviços. O valor economizado nessas trocas resulta em um montante maior para o caixa de cada família. Por aqui, Fábio ainda não consegue pôr esse aprendizado em prática, já que o brasileiro não tem esse tipo de cultura.
Medite como um indiano
Gente de toda parte do mundo embarca para a Índia em busca de um retiro espiritual. A meditação e a paciência foram as duas principais habilidades que Dionaldo Passos, de 39 anos, gerente de vendas da Neogrid, especializada em tecnologia da informação, aprendeu durante seus dez meses no país, entre as cidades de Mumbai, Nova Délhi, Shanai e Madras. Por ter mudado de continente a trabalho, teve a chance de ver de perto como funcionam as questões de dinheiro e riqueza.
“O desejo de consumir e a ambição pelo dinheiro são iguais em qualquer lugar do mundo, o que muda é a velocidade com que as pessoas querem conquistá-lo”, diz o administrador paranaense.
A velha recomendação de calma, paciência e insistência na gestão das finanças foi tirada diretamente dos conselhos que Dionaldo recebeu de seus colegas indianos. “Uma frase comum que eu ouvia muito deles é ‘Se vai às compras, esteja pronto para não comprar’”, conta Dionaldo, que medita sobre essa frase toda vez que vai às compras.
A reflexão o salvou de algumas enrascadas: às vésperas da crise internacional, ele sentiu que algo não ia bem em seus investimentos. “Aprendi a escutar o chamado interno. Segui a intuição, juntei informações e montei uma estratégia defensiva — o que me deixou tranquilo durante a crise.”
Previna-se como um chinês
Envelhecer com tranquilidade financeira é tarefa para poucos. O que diferencia os chineses é a grande capacidade de organização para poupar um pouquinho por mês, de olho no momento em que o trabalho dará lugar à aposentadoria.
Por tradição, os mais jovens sustentam financeiramente o envelhecer dos pais e avós. Por isso, Ricardo Chen, engenheiro de 31 anos e sócio da Mais Descontos, site de descontos coletivos de São Paulo, já procura fazer várias poupanças: tanto para sua velhice como para a dos pais.
Ele conta que nunca foi muito consumista, justamente por causa de sua preocupação com o futuro. “Eu nunca deixei minha mãe comprar coisas para mim que não precisasse”, diz. Isso fez com que, na fase adulta, ele mantivesse a sobriedade nos investimentos.
Hoje, a responsabilidade com as contas dos pais faz com que ele procure aplicações de maior risco, ainda que eles sejam bastante “conservadores”. “Meu avô operou muito em bolsa, acho que puxei isso dele.”