(KatarzynaBialasiewicz/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 4 de novembro de 2018 às 14h54.
Última atualização em 5 de novembro de 2018 às 10h25.
Desde que se formou no ensino médio, Sheldon Patrick dos Santos, de 28 anos, sempre trabalhou com vendas ou eventos. Há um ano, insatisfeito com o tipo de trabalho que desempenhava e com a remuneração, decidiu mudar o rumo da carreira. Matriculou-se em um curso de cuidador de idosos e se apaixonou pela área. "Sempre gostei de trabalhar com idosos e vi que essa profissão estava em alta", conta. A aposta deu certo. Santos já saiu do curso empregado. Foi contratado por uma casa de repouso da zona sul da capital paulista.
A história do jovem vem se tornando cada vez mais comum no País. Com o envelhecimento da população brasileira em ritmo acelerado, a ocupação de cuidador de idoso foi a que mais cresceu no País na última década entre 2,6 mil profissões pesquisadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O balanço, feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com base em dados do ministério, mostra que o número de profissionais do tipo passou de 5.263 em 2007 para 34.051 em 2017, alta de 547%.
"Mesmo com o desempenho ruim da economia nos últimos anos, essa ocupação cresce porque há cada vez mais idosos no País e porque é um serviço de saúde, os últimos a serem cortados em cenário de crise. As famílias sacrificam outro tipo de consumo, mas mantêm os cuidados com a saúde", explica Fabio Bentes, economista-chefe do CNC. "Os dados do MTE não consideram trabalhadores informais, somente os com registro em carteira ou estatutários. Mas deve ter muita gente atuando nessa área na informalidade", opina o especialista.
O crescimento e a formalização desse mercado esbarram na falta de regulamentação e na ainda escassa capacitação adequada dos profissionais. Como a ocupação ainda não foi regulamentada como uma profissão, não há regras claras sobre a formação mínima que deveria ser exigida nem qual seria o conteúdo obrigatório dos cursos.
Um projeto de lei tramita na Câmara para criar e regulamentar a profissão de cuidador não só de idosos, mas de crianças e de pessoas com deficiência ou doença rara. Ele aguarda designação do relator. Há também um projeto de lei do Senado para determinar as atribuições de quem desempenha essa função.
Sem a regulamentação, as atribuições e o perfil de quem desempenha essa tarefa estão descritos apenas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). A orientação é de que devem ser contratados maiores de idade, que fizeram cursos livres entre 80 e 160 horas e que demonstrem empatia e paciência. Entre as atribuições estão ajudar nas atividades diárias, observar o comportamento e estimular a independência.
"O cuidador deve ficar atento à alimentação e ao risco de queda e tem de saber lidar com situações da vida de um idoso, que pode estar confuso, ter dificuldade para caminhar. Ele não deve infantilizar o idoso. Pode ajudá-lo a se vestir, mas não assumir a função", diz Carlos André Uehara, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Muito ativo e com hábitos saudáveis durante toda a vida, o representante comercial aposentado Joseph Cesar Sassoon, hoje com 93 anos, tentou manter, mesmo na terceira idade, a autonomia e a independência dos anos em que era mais jovem. Aos 90 anos, ainda dirigia, passeava pelas ruas do bairro onde mora e ia ao clube.
Até que, há três anos, o idoso sofreu uma queda em casa e, sem conseguir se levantar sozinho, ficou horas naquela situação, até um familiar o encontrar. "Ele ficou lá, caído, sem conseguir pedir ajuda. Levamos para o hospital, ele acabou desenvolvendo uma pneumonia e ficou uma semana internado. Naquele momento vimos que não podíamos mais deixá-lo sozinho", conta o engenheiro Cesar Sassoon, de 62 anos, filho de Joseph.
Foi a partir daí que o aposentado passou a contar com cuidadores 24 horas por dia. Eles o auxiliam nas refeições, no banho, na hora de tomar remédios e nos passeios pelo bairro. "Eu gosto muito de passear, gosto de caminhar no sol. Se eu não tivesse alguém para ir comigo, eu não poderia caminhar sozinho e ficaria só dentro de casa. Eu me sinto mais sossegado por eles estarem aqui", comenta o aposentado.
A companhia das caminhadas diárias é a cuidadora do período diurno, Luciana Silvia de Souza Nery, de 35 anos, que trabalha na casa de Joseph há um ano. "Uma das coisas mais importantes é tentar manter o idoso ativo, conversar bastante com ele, entender os gostos e manias. Tem de saber ouvir", diz ela.
Para os filhos de Joseph, que moram na região, mas que não podem ficar em período integral com o pai por compromissos profissionais, a presença de um cuidador de confiança na casa do pai traz tranquilidade. "Apesar de ele não ter nenhuma doença séria e estar lúcido, ele tem limitações de locomoção e deficiência auditiva. Então nós também ficamos mais sossegados de saber que tem alguém dando esse apoio", diz Cesar.
Mesmo sentimento tem a professora Maria Luiza Camargo Fleury de Oliveira, de 59 anos, que contratou cuidadoras para a mãe, Therezinha, de 88. "Elas são meu braço direito. Sabem tudo da rotina da minha mãe, mandam mensagem para a geriatra quando têm dúvidas, estão sempre em contato comigo e com os meus irmãos. Se aparecer uma manchinha nova no corpo da minha mãe, elas vão saber", conta Maria Luiza, que optou pelo serviço também por não ter disponibilidade integral para os cuidados que a mãe necessitava.
"Minha mãe perdeu a visão por causa do diabete e tem Alzheimer e Parkinson. Meu irmão mora fora de São Paulo e eu e minha irmã trabalhamos o dia inteiro. Não daria para deixá-la sozinha nessas condições", relata ela, que diz que é preciso analisar com cuidado o perfil do profissional a ser contratado. "Já tivemos outras cuidadoras que não deram certo. Uma delas maltratava a minha mãe. As que estão conosco agora vieram por indicação de outras pessoas e já estão aqui há quatro anos. Agora tenho tranquilidade e confiança."
Com a demanda crescente por cuidadores, tem aumentado também o número de pessoas que buscam cursos na área. A Central Nacional Unimed começou a oferecer curso gratuito de cuidador em 2014, com 22 vagas. Em 2018, o número de postos oferecidos saltou para mais de 600 e, mesmo assim, a expansão não foi suficiente.
"Foram 5 mil inscritos. Ofertar esse curso é necessário porque há muitas pessoas trabalhando na área sem a capacitação adequada. Entre nossos participantes, 30% já atuavam na área mesmo antes do curso", diz Alexandre Ruschi, presidente da entidade. "No sistema Unimed, temos promovido mudanças na assistência para oferecer mais ações de prevenção e promoção de saúde e a capacitação do cuidador vai nessa linha." Segundo Ruschi, 70% dos alunos saem do curso empregados.
No Senac-SP, a demanda também é grande. Desde 2009, 9 mil profissionais já se formaram. A montagem da grade levou em consideração as orientações contidas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Embora o cuidador não possa realizar procedimentos invasivos, como aplicar injeções, a parte de saúde também é incluída no curso.
"Precisa dar conta das questões de saúde e emocionais e trabalhar para que o idoso seja inserido no contexto social, com atividades que ele gosta. Tem de ajudar, mas desenvolvendo a independência", diz a gerontóloga Karen Elise de Campos, professora do Senac-SP.
Na Cruz Vermelha de São Paulo, o número de formados quase quadruplicou nos últimos dez anos, passando de 102 em 2008 para 401 neste ano. "A sensibilização é importante para o cuidador entender por que o idoso age daquele forma. O curso é pertinente para quem quer atuar na área e para a família", conta Márcio José da Silva, especialista em gerontologia e coordenador do curso.
Na avaliação de Karen, o perfil de interessados pela formação mudou. "Antes, eram mulheres de meia idade, que estavam voltando para o mercado. Hoje, recebemos pessoas com pós-graduação, assistentes sociais, estudantes de Enfermagem e de Fisioterapia."
Dados do MTE mostram que, de fato, os cuidadores hoje têm nível de escolaridade maior do que há dez anos. Em 2007, 63,2% deles não tinham nem ensino médio completo. No ano passado, esse índice caiu para 25,1%. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.