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Como um fracasso no início da carreira pode ajudá-lo a ter sucesso depois

Um estudo com jovens cientistas a quem foram negadas verbas de pesquisa mostra os benefícios de superar fracassos logo no início da carreira

Fracasso: superar derrotas tende a tornar o profissional mais resiliente (Prasit Photo/Getty Images)

Fracasso: superar derrotas tende a tornar o profissional mais resiliente (Prasit Photo/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2019 às 05h50.

Última atualização em 5 de dezembro de 2019 às 06h50.

Quem você acha seria mais bem-sucedido: um jovem cientista que recebeu financiamento de pesquisa importante no início da carreira ou alguém que simplesmente não recebeu nada?

Esta pergunta pode parecer "óbvia", diz Dashun Wang, o professor associado de administração e organizações da Kellogg School. Muitos de nós pensamos que sucesso gera sucesso e que o fracasso, especialmente um revés no início da carreira, é sinal de mais problemas por vir.

Por outro lado, aqueles que endossam o ditado de que “o que não mata te fortalece” podem suspeitar que os cientistas não tão bem-sucedidos se beneficiaram realmente de um revés inicial.

“A ideia de que uma pessoa se fortalece com o fracasso é o tipo de conselho padrão que as pessoas podem dar a si mesmas em tempos difíceis", diz Benjamin F. Jones,  professor de estratégia da Kellogg.  “Mas existe alguma verdade nisso?"

Um novo artigo de Wang, Jones e do pesquisador de pós-doutorado da Kellogg Yang Wang, mostra que os otimistas estão certos: fracassos no começo da carreira podem gerar sucesso no futuro. Cientistas que por pouco deixaram de ganhar um importante financiamento de pesquisa do National Institutes of Health (NIH) acabaram publicando trabalhos mais bem-sucedidos do que os que se qualificaram para a verba. A longo prazo, "os perdedores acabaram se dando melhor", diz Wang.

A análise da equipe sugere que o fracasso sofrido pode ter levado os cientistas frustrados a melhorar. O que não os matou os tornou mais fortes.

É uma descoberta esperançosa para Wang, que brinca ser especialista nessa área, devido à sua "extensa experiência em fracassos". De fato, muitos de seus pedidos de verbas de pesquisa foram recusados, o que, no final das contas, talvez não tenha sido um grande problema.

O impacto dos tropeços

A equipe estudou um tipo de pedido de verba de pesquisa do NIH chamado de R01. O conjunto de dados da equipe incluiu todos os 778.219 pedidos de verba enviados ao NIH entre 1990 e 2005.

Os pesquisadores se concentraram na categoria de verba R01 por ser o tipo de financiamento de pesquisa mais antigo e mais comum do NIH, e extremamente importante para os pesquisadores em ciências biomédicas no início de carreira. Em algumas universidades, receber uma dessas verbas, cujo valor médio é de US$ 1,3 milhão, pode colocar um jovem acadêmico no caminho certo do sucesso.

O processo de avaliação do NIH foi também um modelo ideal de verba para estudar. Quando um pesquisador envia seu pedido ao NIH, é avaliado por um painel de especialistas e recebe uma pontuação numérica. Em seguida, dependendo dos recursos monetários disponíveis, o NIH determina uma nota de corte. Um exemplo: os pedidos que pontuaram no 15º percentil mais alto são financiados; e o restante, não.

Para os autores, isso significava ser fácil determinar quais pesquisadores quase receberam os recursos (as chamaram de verbas "perdidas por pouco") e quais conseguiram passar da nota de corte (as chamaram de verbas "ganhas por pouco").

Depois disso, eles comparararam os cientistas do grupo perdidas por pouco e ganhas por pouco. Os dois conjuntos de cientistas eram, em várias medidas, notavelmente semelhantes, ou “gêmeos idênticos”, diz Wang, sob a perspectiva de carreira científica. Tinham o mesmo período de tempo de atuação em campo quando apresentaram seus pedidos de pesquisa e publicaram aproximadamente o mesmo número de artigos, acumulando quase a mesma parcela de citações.

Em outras palavras, a única diferença significativa nas carreiras naquele momento era que os que ganharam por pouco receberam mais de US$ 1 milhão do NIH. "Agora a pergunta é: 'Pois bem, que diferença isso faz dez anos depois de receber a verba?'" Wang explica.

O fracasso o torna mais forte?

Para descobrir quanta diferença esses sucessos ou tropeços iniciais geraram na carreira científica, os pesquisadores traçaram as carreiras de 623 cientistas com verbas perdidas por pouco e 561 com verbas ganhas por pouco.

Surpreendentemente, os dois grupos publicaram um volume semelhante de artigos nos 10 anos seguintes. Isso não era esperado, já que os do grupo de verbas ganhas por pouco haviam tido uma vantagem financeira inicial com os recursos do NIH. Ainda mais surpreendente é o fato de que os cientistas do grupo de verbas perdidas por pouco, na verdade, tinham maior probabilidade de ter artigos de sucesso (artigos que passaram dos 5% das principais citações em uma determinada área e ano). Nos cinco anos após a solicitação de verba ao NIH, 16,1% dos artigos produzidos por cientistas do grupo de verbas de pesquisa perdidas por pouco eram bem-sucedidos, em comparação com 13,3% do grupo ganhas por pouco.

Em seguida, os pesquisadores quiseram determinar exatamente porque o grupo de verbas perdidas por pouco havia superado o grupo de verbas ganhas por pouco no final. Não foi fácil, considerando todos os complexos fatores que influenciam uma carreira científica.

A primeira e mais significativa hipótese que a equipe examinou foi a de que o fato de não terem recebido verba do NIH causou um “efeito de triagem”. Basicamente, isso atuou como barreira que havia eliminado os acadêmicos mais fracos da profissão. Isso significa que, com o passar do tempo, os membros do grupo perdidas por pouco que haviam persistido eram os cientistas mais fortes.

Aparentemente, parece haver algum mérito nessa ideia. A equipe observou um certo índice de desistências dentro do grupo de verbas perdidas por pouco após a negação do pedido. Os autores descobriram que a negação da R01 levou a uma probabilidade de 12,6% de um cientista desaparecer do sistema do NIH pela próxima década, uma boa indicação de que havia parado completamente de seguir carreira em pesquisa.

Para uma comparação mais justa, a equipe repetiu sua análise, removendo os cientistas do grupo de verbas ganhas por pouco cujos artigos raramente haviam tido sucesso. Especificamente, removeram os 12,6% piores dos que receberam as verbas ganhas por pouco – a mesma parcela que havia deixado o grupo de verbas perdidas por pouco devido às desistências – para que comparassem o que supunham ser os melhores desempenhos de cada grupo.

No entanto, segundo a equipe, as desistências por si só não podem explicar o sucesso dos cientistas do grupo de verbas perdidas por pouco, pois eles ainda publicaram mais artigos de sucesso do que os do grupo de verbas ganhas por pouco.

Wang e Jones testaram várias outras explicações: pensaram que talvez os cientistas do grupo perdidas por pouco se tivessem se saído melhor porque haviam procurado colaboradores mais influentes, haviam mudado de instituição, tinham começado a estudar um tema diferente ou tinham se mudado para uma área “promissora” de pesquisa.

Ao analisar os números, descobriram que havia um certo grau de evidência de que os cientistas do grupo de verbas perdidas por pouco começaram a estudar "temas importantes". Mas isso também não foi suficiente para explicar a diferença de desempenho no geral.

Caio, mas não desisto

Após descartar todas essas explicações alternativas, a equipe chegou à conclusão de que o fracasso pode ter sido a causa da diferença de desempenho entre os grupos das verbas perdidas por pouco e das ganhas por pouco.

Em outras palavras, sem nenhum fator externo definido que possa explicar o sucesso dos cientistas decepcionados, é razoável pensar que a experiência da adversidade os melhorou no final, confirmando a sabedoria convencional de que “o que não te mata, te fortalece".

Jones vê esse resultado como altamente encorajador. “O conselho para perseverar é comum", diz ele. “Mas a ideia de que você se beneficia da perda e se torna melhor com isso é surpreendente e inspiradora".

Wang diz que ele quer saber mais sobre o poder do fracasso. Limita-se apenas às ciências ou as pessoas que enfrentam reveses em outras áreas também terão sucesso? Existe outra explicação para a lacuna de desempenho não testada a partir dos dados disponíveis? Talvez, ele brinca, todos do grupo das verbas perdidas por pouco simplesmente tenham decidido acordar meia hora mais cedo todo dia. "Não há como saber se foi isso que aconteceu", diz ele.

Para Wang, há algo profundo na ideia de que o fracasso pode, paradoxalmente, levar ao sucesso. É um lembrete para ele mesmo e para todos para que não desistam.

"Uso muito esse insight hoje porque, como mencionei, sou uma espécie de fracasso diário", diz ele. (Nota do editor: o status de Wang como "fracasso diário" não é confirmado por outras pessoas que o conhecem.) Se alguém passa por dificuldades, sabe que há uma probabilidade de que realmente se torne melhor em tal coisa do que "o Dashun do universo alternativo" que teve sucesso, desde que persevere. "O fracasso é devastador", diz ele, "mas pode também impulsionar as pessoas".

*Texto publicado originalmente no site Kellogg Insight, da Kellogg School of Management

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