Rodrigo Nasser de São Paulo: é diretor de tecnologia da Netshoes e sócio e instrutor de uma escola de mergulho (Fabiano Accorsi)
Da Redação
Publicado em 13 de setembro de 2013 às 19h54.
São Paulo - Quando encerra seu expediente diário como diretor de tecnologia do site de comércio eletrônico Netshoes, de São Paulo, por volta das 19 horas, o administrador de empresas Rodrigo Nasser, de 33 anos, faz um lanche rápido, pega o carro e em poucos minutos está na escola de mergulho da qual é sócio, na zona sul da cidade. Inicia, então, sua segunda atividade profissional diária.
Nas três ou quatro horas seguintes, Rodrigo prepara e ministra cursos e resolve questões administrativas da escola. A jornada dupla ocupa com frequência os fins de semana, quando Rodrigo desce ao litoral para dar aulas práticas de mergulho. Ele considera a rotina cansativa, mas garante que a satisfação de fazer o que gosta compensa o ritmo intenso.
"O ócio me incomoda", diz Rodrigo. Na época em que começava sua carreira, ele vislumbrava três alternativas: trabalhar com tecnologia, mergulhar ou dar aulas. Decidiu ficar com o mais garantido e, com o tempo, tornou-se responsável pela estratégia tecnológica de um dos mais bem-sucedidos endereços de comércio eletrônicos do país, onde lidera uma equipe de 135 pessoas.
Em 2012, a vontade de ensinar e explorar o fundo do mar bateu forte e Rodrigo foi atrás das coisas que lhe davam prazer. Resolveu investir em um negócio e ingressou na sociedade da escola. "Encontrei a possibilidade de trabalhar com tudo que gosto", diz Rodrigo.
Desenvolver uma segunda atividade profissional é a realidade de muitas pessoas. Em outro site de comércio eletrônico, o Mercado Livre, há 9.000 brasileiros usando-o como forma de obter uma segunda renda ou que já abandonaram o emprego para viver das vendas pela plataforma. "São pessoas que desejam trabalhar com comércio sem ter de abrir um negócio", diz Leandro Soares, diretor do Mercado Livre. Seja por prazer, seja por dinheiro, muitos profissionais não se satisfazem com apenas um trabalho hoje em dia.
Segundo a consultora Maria Candida Baumer, sócia da People & Results, especializada em carreira e cultura empresarial, de São Paulo, é crescente entre profissionais o interesse de manter duas carreiras paralelas. Maria Candida acaba de concluir a primeira etapa de um estudo sobre o tema.
Seu recorte: encontrar pessoas que desempenham atividades diferentes, simultâneas, que demandam desenvolvimento profissional e exigem responsabilidade. Seu objetivo é realizar uma ampla pesquisa sobre o assunto no Brasil ainda neste ano. "As pessoas querem mais de uma fonte de relacionamento, de aprendizado e de desafio", diz Maria Candida.
O movimento é reflexo de mudanças sociais, como o aumento da expectativa de vida, que obriga as pessoas a planejar o trabalho até uma idade mais avançada, e as possibilidades que a tecnologia proporciona, que permitem administrar um negócio remotamente. Combinados, esses fatores empurram e facilitam a iniciativa profissional de manter duas carreiras.
De acordo com o filósofo australiano Roman Krznaric, um dos fundadores da escola inglesa School of Life, que concedeu entrevista neste mês a VOCÊ S/A (veja na página 86), as pessoas já não podem — nem querem — planejar a carreira tendo como alvo um único trabalho perfeito. Ao contrário, deveriam pensar em maneiras de dar vazão a suas diferentes vocações.
"As pessoas têm muitos traços de personalidade, uma identidade formada por diversos conhecimentos e interesses", afirma Roman.
Na Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira de Porto Alegre, há uma área destinada exclusivamente a trabalhar as possibilidades alternativas de renda para os clientes, em geral executivos.
Nesse serviço, são abordados os caminhos opcionais de carreira, as motivações do profissional e como está o mercado. De 2.400 pessoas que já participaram desse programa, 40% decidiram iniciar uma carreira paralela.
De acordo com Rafael Souto, presidente da consultoria, a maior preocupação desses executivos é não apostar a carreira em um único caminho. "Eles querem ampliar as possibilidades de trabalho e fonte de renda", diz.
A pesquisa de Maria Candida identificou alguns motivos para esse movimento, como a vontade de mudar de carreira, um plano para a aposentadoria, insatisfação no trabalho atual ou uma forma de ajudar alguém, como um filho ou o cônjuge.
A maioria dos executivos busca a proteção contra um eventual desemprego, mas muita gente opta por uma segunda carreira por já ter chegado ao topo da primeira e precisar de novos estímulos. "Tocar mais de uma atividade profissional amplia os desafios e as competências necessárias para o mercado de trabalho", diz Maria Candida.
O que você ganha
O movimento é comum tanto para homens quanto para mulheres. E de todas as idades. Porém, sejam quais forem os motivos da busca, a recomendação dos especialistas é que a atividade complementar seja algo que proporcione satisfação pessoal.
"Quando o outro projeto é apenas uma oportunidade de ganhar dinheiro, ele não se sustenta, pois a carreira paralela exige um grau de dedicação que só tem quem gosta do que faz", afirma Rafael. Apostar em uma carreira que você odeia pode tornar o trabalho muito mais difícil.
Vale reforçar que carreira paralela é diferente de um hobby ou um segundo emprego. É fácil entender a diferença. Se você joga basquete todo fim de semana com os amigos, isso é um hobby, mas, se você é contratado por um time para ser jogador de basquete de forma contínua e mantém seu antigo trabalho, isso é carreira paralela.
O mesmo critério se aplica ao segundo emprego, que é quando você faz a mesma atividade para patrões diferentes, como médicos que atuam em mais de um hospital ou professores que lecionam em mais de uma faculdade. Para caracterizar uma carreira paralela é preciso que o profissional desenvolva uma atividade distinta, que demande investimento no desenvolvimento, que o obrigue a assumir compromissos e que seja um projeto duradouro.
O tempo de dedicação não importa: pode ser apenas um dia por semana ou todos os dias. A médica Fabiana de Castro Angelo, de 43 anos, gerente de farmacovigilância da unidade farmacêutica da Bayer, de São Paulo, por exemplo, reserva um dia na semana e todos os sábados para atender pacientes em um consultório de dermatologia.
"Queria diversificar e ter mais segurança financeira", diz Fabiana. Ela negociou com a empresa um horário alternativo, das 7 às 16 horas, para conseguir começar a atender às 18 horas no consultório às terças-feiras. "Nesse dia só volto para casa às 22 horas", afirma Fabiana, que diz precisar das duas atividades para se sentir completa.
Há inúmeros benefícios em ter mais de uma carreira. Em primeiro lugar está a proteção contra o desemprego e variações de mercado. Quanto mais alto o cargo, maior a dificuldade de conseguir uma recolocação em caso de demissão.
Segundo a coach Eliana Dutra, do Rio de Janeiro, a maioria dos executivos que ela atende tem um plano B como forma de se manter no mercado e se sentir mais segura. "Isso é saber olhar a carreira no longo prazo", afirma Eliana. Outro ganho é a ousadia. Saber que existe uma alternativa se a primeira carreira der errado faz os profissionais ousar mais, o que contribui para a primeira atividade.
“O segredo é saber alinhar uma atividade a outra como forma de crescimento profissional”, diz Rodrigo Nasser, diretor de tecnologia da Netshoes e professor de mergulho. No dia a dia de trabalho no site de comércio de tênis, Rodrigo diz empregar muito das competências utilizadas na escola de mergulho, como paciência para esperar a melhor hora de agir e cooperação.
"Debaixo d’água, a calma e o trabalho em equipe são essenciais", afirma. Um efeito positivo da carreira paralela é o networking reforçado. Ao trabalhar em duas frentes, os contatos profissionais se multiplicam, as possibilidades de negócio crescem e o aprendizado e a experiência aumentam.
"As pessoas com carreiras paralelas passam a ter mais organização e mais facilidade de olhar para o outro e de identificar oportunidades dentro de projetos", diz Maria Candida, da People & Results.
Planejamento e perfil
Ter duas atividades requer motivação e planejamento. Por isso, antes de pensar em uma carreira paralela, a orientação dos especialistas é estudar quais seriam as alternativas mais adequadas a você e como está o mercado. O segundo passo, de acordo com Rafael, da Produtive, é imaginar como ficará a vida profissional depois de tomada essa decisão.
"Nem todos têm disposição para tocar duas coisas", afirma Rafael. "Não há mágica, o trabalho vai aumentar." Outro ponto essencial é garantir que a qualidade da primeira carreira não diminua. De acordo com Joel Dutra, coordenador do Programa de Estudos de Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Administração, de São Paulo, sempre tem de haver uma atividade principal.
"A outra deve apenas complementar sua vida", diz. Dosar o tempo dedicado à segunda carreira para que a primeira não saia prejudicada e não haja perda de identidade profissional é essencial. "Meu primeiro compromisso é com a Volvo", diz Paulo Turci, de 48 anos, gerente-geral da Volvo, em Curitiba, que há 20 anos é também árbitro de vôlei.
Jogador na adolescência, Paulo foi convidado a apitar o primeiro jogo aos 29 anos e se apaixonou. Ele fez cursos de arbitragem no Brasil e fora do país e hoje leva a segunda atividade como uma alternativa para a aposentadoria. Como na maioria das vezes os jogos são à noite ou nos fins de semana, fica mais fácil para Paulo organizar a agenda a fim de não prejudicar sua atuação na Volvo.
E, quando há campeonatos mais longos, ele usa suas férias ou negocia um esquema de home office. No início de julho, ele ficou uma semana em Cuba para apitar a fase intercontinental da Liga Mundial de Vôlei. "Negociei com a empresa e trabalhei remotamente", diz.
Analisar seu perfil profissional e sua rotina atual de trabalho é outro ponto importante para quem deseja ter uma carreira paralela. Se você já tem uma rotina intensa na carreira atual, costuma trabalhar nos fins de semana e viajar a trabalho, passando pouco tempo com a família, pense bem antes de se lançar em uma nova atividade.
Tão importante quanto saber conciliar as duas carreiras é reconhecer a hora de interromper alguma delas. "Já não tinha mais fins de semana", afirma Aline Lazzaris Freitag, de 31 anos, gestora da seção de alimentação e nutrição da Weg, fabricante de motores elétricos, de Jaguará do Sul, em Santa Catarina, que começou a deixar de lado seu plano B.
A decisão de permitir que a sócia tocasse o negócio (uma fábrica de doces e bombons para festas de casamento e eventos) veio pela falta de tempo de Aline para se dedicar aos estudos.
"Tive de fazer uma escolha, apesar de adorar meu trabalho como empreendedora", afirma. Aline pretende se aperfeiçoar na primeira carreira, mas não descarta a possibilidade de abrir outro negócio no futuro. "Sempre gostei de ter mais de uma atividade, mas é essencial saber a hora certa de fazer isso."
A segunda carreira demanda compromisso, investimento e disposição. "Não há como justificar cansaço, atrasos ou falta de preparo porque estava trabalhando muito para a outra carreira", afirma Camilla Veiga, coordenadora de carreiras e desenvolvimento do Ibmec, de Belo Horizonte. Segundo ela, é importante saber separar as duas atividades.
O profissional não pode, por exemplo, estar no papel de gerente em uma empresa e atender o celular para resolver um problema de sua outra função. Usar celulares e caixas de e-mails distintas ajudam a organizar o trabalho. "Tenho quatro caixas de e-mail diferentes, três profissionais e uma pessoal", diz o carioca Pedro Vasconcellos, de 33 anos, que, além de gerente comercial da FSVas, empresa de telecom de São Paulo, é sócio do site CurtiVendi, uma loja virtual, e artista plástico.
Pedro acorda às 8 horas, checa todos os e-mails e organiza a agenda do dia. Geralmente, realiza os encontros com possíveis clientes na parte da manhã até a tarde, organiza as campanhas e parcerias comerciais para o site no fim do dia e à noite entra no ateliê, em meio a pincéis e tintas.
"São como vários pratinhos que você tem de equilibrar ao longo do dia", diz Pedro. Ele reconhece que é de arte que quer viver, mas para chegar lá é necessário um esforço a mais. "A agenda atribulada é uma forma de ganhar mais dinheiro e no futuro poder investir em arte, que é minha paixão."
Para dar certo
"Quando se busca outra atividade, a primeira deve estar consolidada", diz o psicólogo Tadeu Barbosa Nogueira Junior, de 47 anos, que, além de gerenciar duas clínicas, é vendedor de antiguidades no Mercado Livre. A ideia de Tadeu ao buscar essa alternativa foi, além de trabalhar com algo mais leve, já que ele lida com o sofrimento humano diariamente em sua clínica, uma forma de manter sua coleção de bonecas, canetas e moedas — outra paixão.
Ele tem em seu acervo pessoal cerca de 150 bonecas, 120 canetas e dezenas de moedas. "Vendo hoje cerca de 1.000 peças por mês", afirma. Tadeu diz não se imaginar sem nenhuma de suas atividades e lembra que o começo foi difícil. "Tinha dificuldade de conciliá-las."
Depois de muito planejamento e uma dose extra de disciplina, ele mantém as duas carreiras consolidadas e sem problemas. Seu segredo é dividir o tempo entre elas — de 35 a 40 horas na clínica e 25 horas para o comércio a cada semana. E contar com parceiros. Tadeu tem três funcionários para cuidar da parte operacional da loja virtual.
"Saber delegar é o segredo", afirma. Com tanto planejamento, hoje ele ainda se dá ao luxo de bloquear sua agenda duas noites por semana. Coisa de quem já descobriu o segredo do equilíbrio.
Seja qual for o motivo que o leve a buscar uma segunda carreira, fazer um planejamento e pensar em como ficará sua vida com mais uma atividade é o primeiro passo para que o projeto seja bem-sucedido. Certamente, você terá menos horas livres e mais responsabilidades. É um tremendo desafio, mas, se atender a seus objetivos, vale a pena.
Ponto de partida
Três questões para avaliar antes de investir em uma segunda atividade
1 Por quê
Saber o motivo que o leva a ter uma segunda carreira é essencial para não prejudicar sua carreira principal ou fazer algo que não dê satisfação. Reflita sobre suas paixões e converse com pessoas do mercado em que pretende entrar. "Envolver-se em algo apenas por dinheiro pode colocar tudo a perder", diz Rafael Souto, presidente da Produtive, de São Paulo.
2 Situação atual
Se você já tem uma rotina intensa no trabalho atual e costuma trabalhar nos fins de semana e viajar a trabalho, passando pouco tempo com a família, pense bem antes de se lançar em uma nova atividade. Segundo Rafael Souto, a questão principal é: "Sua condição familiar e profissional atual permite uma jornada dupla?"
3 Perfil
Perfil profissional é outro ponto importante. De acordo com a consultora Maria Baumer, sócia da People & Results, consultoria especializada em carreira e cultura organizacional, se você é do tipo que não gosta de correr riscos e preza pela rotina, pensar em uma segunda carreira é inviável. "A pessoa tem de ser mais arrojada e ter muita energia", afirma.