Segundo a equipe, há evidências de que as "fases quentes" são reais e onipresentes (Ryan Morse/Flickr)
Mariana Martucci
Publicado em 5 de setembro de 2018 às 16h32.
Em 1905, ninguém segurava Albert Einstein. Entre março e junho daquele ano — o qual os cientistas chamam de seu annus mirabilis, ou "ano milagroso"— o lendário físico concluiu três trabalhos diferentes que transformariam radicalmente a maneira como pensamos sobre espaço e o tempo, e abririam espaço para a física quântica.
"E, no hemisfério norte, o verão nem havia chegado", maravilha-se Dashun Wang, professor associado de gestão e organizações na Kellogg.
Para Wang, o grande ano de Einstein era um quebra-cabeça. Em um estudo anterior sobre as carreiras de mais de 10 mil cientistas, Wang descobriu que a periodicidade da publicação do artigo mais influente de um determinado pesquisador era completamente aleatória. Era igualmente provável que ocorresse em qualquer ano da carreira do acadêmico, seja no começo, meio ou fim. Mas o conceito de um "ano milagroso" parecia desafiar essa conclusão.
“Qual a probabilidade de isso ocorrer, se tudo acontece aleatoriamente?" Wang perguntou a si mesmo.
Em um novo artigo, Wang investiga se os períodos de "fase quente", como os de Einstein, são mais do que apenas uma agradável coincidência, seja na ciência ou em outros campos. Ele se juntou à estudante visitante Lu Liu e ao pós-doutorando da Kellogg, Yang Wang, bem como Chaoming Song da Universidade de Miami, Roberta Sinatra, da Central European University, e Lee Giles, da Pennsylvania State University.
Analisando as histórias de carreira de milhares de cientistas, artistas e diretores de cinema, a equipe encontrou evidências de que as fases quentes são reais e onipresentes, e praticamente todos os participantes da amostra passaram por uma fase dessas em algum momento de sua carreira. Embora a periodicidade dos maiores sucessos de um indivíduo seja mesmo aleatória, é bem provável que suas principais realizações surjam bem próximas umas das outras.
Embora seja necessário um número maior de pesquisas para determinar a causa dessas explosões de genialidade, Wang diz que as descobertas lançam uma nova e importante luz sobre os padrões subjacentes ao sucesso em todos os campos e que isso pode ser usado para melhorar decisões sobre permanência no cargo, promoções e contratações.
“Se soubermos onde está nosso melhor trabalho, saberemos muito bem onde estará o segundo melhor trabalho e o terceiro", diz ele, "porque eles estarão bem na nossa frente".
Wang apelidou seu artigo anterior sobre a periodicidade dos sucessos científicos de "projeto esperança". Ao demonstrar que o artigo mais citado de um cientista tinha a mesma probabilidade de aparecer em qualquer ano, suas descobertas refutaram a ideia convencional de que os pesquisadores na faixa dos 50 ou 60 anos não tinham nada mais a oferecer. A única razão de os sucessos em início da carreira serem mais comuns, explica Wang, é porque os cientistas mais jovens tendem a produzir mais. "Assim, se continuar produzindo, talvez seu mais importante trabalho ainda esteja por vir", diz ele, e assim, há muita esperança.
Mas o que acontece depois do grande êxito de uma pessoa? Wang apresenta dois cenários bem diferentes.
Se a periodicidade de cada artigo escrito por um cientista fosse realmente aleatória, então deveria aparecer uma "regressão em direção à média", significando que seus próximos trabalhos teriam maior probabilidade de ser normal do que espetacular.
Por outro lado, havia motivos lógicos para pensar que um artigo forte possa gerar outro também importante. "Se eu produzi um bom trabalho, sinto como se tivesse aprendido o truque", diz Wang. “Agora sinto estar equipado para fazer outro trabalho que seja tão bom ou melhor que o anterior".
Trabalhando com Liu, um doutorando na Kellogg, Wang começou a projetar um experimento. A ideia era a seguinte: "Não vamos nos concentrar apenas no maior sucesso, mas analisar também o segundo e o terceiro maior sucesso de cada participante na amostra", explica ele. Seu objetivo era ver se havia algum tipo de padrão estatisticamente significativo na periodicidade das maiores conquistas dos profissionais de sucesso.
Usando o Google Scholar e a Web of Science, Wang e Liu obtiveram dados sobre trabalhos de pesquisa publicados por mais de 20 mil cientistas, que incluíam o número de citações que cada artigo recebeu em seus primeiros dez anos depois da sua publicação.
Em seguida, decidiram expandir a análise para outros campos fora do meio acadêmico. “Percebemos que, puxa, se isso acontecer, pode ser algo que ocorra em qualquer tipo de carreira", diz Wang.
Essa ideia foi inspirada por Alejandro González Iñárritu, diretor de Birdman e The Revenant, explica Wang. “Ele foi premiado com dois Óscares consecutivos como melhor diretor. E foi aí que percebi que não são apenas cientistas. Há muito mais para descobrimos nessa história”.
Assim, os autores do estudo coletaram dados sobre carreiras de artistas e diretores de empresas. Para avaliar o êxito desses profissionais, obtiveram os preços de leilão de obras de arte produzidas por 3.480 pintores, escultores e outros artistas e vasculharam o banco de dados de filmes do IMDB para analisar os históricos de carreira de 6.233 diretores usando as classificações do IMDB para aproximar o sucesso.
A princípio, o que os pesquisadores descobriram pareceu confirmar a conclusão anterior de Wang: consideradas individualmente, cada uma das três obras de arte mais caras de cada artista, os três melhores filmes de um determinado diretor e as três publicações mais citadas de acadêmicos parecem vir de pontos completamente imprevisíveis na carreira da pessoa.
"Parece que tudo é aleatório mesmo, uma loteria o tempo todo", diz Wang. “Mas, na verdade, o quebra-cabeça começou a ser desvendado quando nos perguntamos 'E quanto à periodicidade relativa?'”
Os pesquisadores calcularam a distância temporal entre os três principais êxitos de um indivíduo. Em seguida, fizeram uma simulação que colocava em ordem aleatória o momento em que cada obra ocorreu durante a carreira do indivíduo, e calcularam novamente a distância temporal entre seus três principais trabalhos. Se a fase quente fosse um mito, os sucessos nos dados reais não deveriam estar mais próximos uns dos outros do que nos dados aleatórios.
Mas não foi isso que descobriram. Na verdade, os dois trabalhos mais importantes de um determinado indivíduo tinham cerca de 50% mais probabilidade de ocorrerem em sequência do que o mero acaso poderia prever. Da mesma forma, o segundo e o terceiro melhores trabalhos de um indivíduo, e seus primeiros e terceiros melhores trabalhos, tinham uma probabilidade incomum de ocorrerem consecutivamente.
Nos três campos, cerca de 90% dos indivíduos tiveram pelo menos uma fase quente. Assim, por exemplo, há o annus mirabilis de Einstein, mas também a sequência da série O Senhor Anéis, de Peter Jackson, o “período de pintura por gotejamento”, de Jackson Pollock, e as obras produzidas por Vincent Van Gogh em um único ano depois de ter se mudado de Paris para o sul da França, com as obras A Casa Amarela, Cadeira de Van Gogh, Quarto em Arles, O Café da Noite, Terraço do Café à Noite, Noite Estrelada Sobre o Rio Ródano e Natureza Morta: Vaso com doze girassóis.
Analisando os dados, os pesquisadores observaram que a maioria dos indivíduos apresentou pelo menos uma fase quente. (Apesar de alguns sortudos terem várias fases, a maioria da população apresentou apenas uma.) A duração da fase quente variava de acordo com a carreira, com os artistas mais frequentemente em torno de 5,7 anos, diretores com duração de 5,2 anos e cientistas com duração de 3,7 anos.
Além disso, as pessoas cujo trabalho causou menor impacto médio (menor número de citações, lances de leilão e avaliações) durante os dias fora da fase quente tiveram um impulsiono relativo maior durante o período de sua fase quente.
Os autores suspeitavam que poderia haver uma explicação simples para as fases quentes em todas as disciplinas: produtividade. Se uma pessoa produzisse mais filmes, arte ou artigos científicos durante um período específico, faria sentido que seus melhores trabalhos se agrupassem durante esse período, simplesmente porque tinham mais chances de criar obras bem-sucedidas.
No entanto, os autores não encontraram nenhuma mudança perceptível na produtividade durante as fases quentes.
Wang espera analisar mais de perto em pesquisas futuras sobre o que realmente faz com que uma fase quente comece e termine. Mas ele enfatiza que os resultados atuais são significativos por si só. "Não importa o que impulsiona o fenômeno — ele realmente existe", diz ele.
A importância desse fenômeno ocorre em uma das descobertas finais dos autores: quando seus modelos estatísticos intencionalmente não consideravam as fases quentes, eles subestimavam sistematicamente quão bem-sucedida seria a carreira de uma pessoa no geral.
“Pelo fato de o que você produz durante uma fase quente ser substancialmente melhor, sua fase quente basicamente determina o impacto de toda a sua carreira", diz Wang.
O estudo poderia mudar a forma como pensamos a respeito de talento promissor. Apesar de Wang advertir contra a interpretação excessiva dos resultados — “Imagine uma pessoa rumo a uma reunião do comitê de cargos e diz: 'Preciso só de mais dois anos, minha fase quente está chegando!' Seria hilário” — ele acredita que os comitês de cargos e os recrutadores propositalmente negligenciam as fases quentes. “Precisamos pensar em diversas formas e políticas para identificar e nutrir indivíduos com impacto duradouro”.
Se Wang considera sua pesquisa anterior como seu “projeto esperança”, como ele se sente agora sabendo que alguns anos de sucesso retumbante podem definir sua própria carreira como pesquisador?
“Essencialmente, isso dobrou minha esperança", diz ele, já que quase todo mundo consegue ter uma fase, e não há como prever quando ela chegará.
Wang sonha feliz com o dia no qual terá a sua própria fase quente. "Quando chegar a hora, não se trata apenas de uma grande oportunidade", diz ele, "é uma após a outra por alguns anos. Espero ansiosamente por esse dia”.
Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management.