Michel Temer: presidente editou a MP 808 na noite de terça-feira, 14. (Ueslei Marcelino/Reuters)
Camila Pati
Publicado em 17 de novembro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 17 de novembro de 2017 às 17h53.
São Paulo - A reforma trabalhista – definida pela lei 13.467/2017 - nem bem entrou em vigor e já foi alterada pela Medida Provisória 808, publicada pelo presidente Michel Temer na última terça-feira, dia 14.
A MP já está valendo mas para virar lei, de fato, terá que percorrer um caminho de apreciação no Congresso Nacional. O prazo constitucional para avaliação no Legislativo é de 60 dias prorrogável por mais 60 dias, com suspensão durante o período de recesso.
“Eventualmente ela poderá vir a ser rejeitada pelo Congresso ou perder sua eficácia ou, ainda, ser aprovada com modificações”, explica a advogada Roberta de Oliveira Souza, especialista em Direito e Processo do Trabalho.
Como está agora, a medida beneficia os empregados, na opinião de Gisela Freire, sócia do escritório Souza Cescon. “Não diminuiu nenhum direito ou garantia previsto na lei 13.467/2017. Ao contrário, corrigiu algumas disposições que colocavam o empregado em posição mais vulnerável”, diz Gisela.
Ela diz que a medida ainda resolve questões não consideradas pela reforma como, por exemplo, a questão previdenciária e de cálculo de verbas dos empregados contratados sob o regime intermitente.
“ A MP também conserta algumas distorções da lei, ao extinguir, por exemplo, a multa de 50% ao empregado (na modalidade intermitente) que aceitar a convocação e não comparecer ao trabalho”, diz Gisela.
Outra correção necessária que foi feita com a MP é em relação ao cálculo da indenização por dano extrapatrimonial (como é o caso do dano moral), de acordo com a advogada. Agora, o salário não será mais levado em consideração para fins de definição do valor total da indenização.
“Ao parametrizar a indenização por danos extrapatrimoniais a um critério único, trata de forma isonômica os empregados, independentemente do valor do salário que recebem”, explica.
Embora não traga mais polêmicas do que aquelas já criadas pela reforma trabalhista, a MP não resolve todos os problemas da nova CLT. “Ainda existem algumas inconsistências que deverão ser corrigidas. Na parte relativa aos prêmios, por exemplo, a MP introduziu um novo parágrafo ao artigo 457, dispondo que estes são liberalidades concedidas até duas vezes ao ano, mas não revogou o parágrafo 4º do mesmo artigo que não traz essa restrição de periodicidade de pagamento”, afirma.
Outro ponto que continua cercado de nebulosidade, segundo a especialista, diz respeito ao fim do contrato de trabalho intermitente quando não há convocação durante um ano inteiro, diz Gisela. “Não está claro qual o tratamento será dado a essa rescisão. Por exemplo, será devido aviso prévio? Será devida multa por rescisão? ”
Confira a seguir o resumo dos principais tópicos alterados pela MP, segundo as duas advogadas consultadas.
O art. 2º da medida provisória 808 determina que a reforma se aplica integralmente aos contratos de trabalho vigentes. Ou seja, as novas regras valem para contratos novos e também aqueles já firmados entre empregadores e empregados.
“Essa é uma das nuances que eu reputo mais importantes porque, como regra, as normas de direito material se aplicam apenas de imediato aos novos contratos de trabalho, respeitado o ato jurídico perfeito (aquele que já acabou e foi realizado seguindo-se as normas antigas) e o direito adquirido”, diz Roberta.
Mas ela explica também que se a norma for de ordem pública pode ser criada uma exceção a essa interpretação. “Porque a dita proteção cede lugar a interesses sociais mais relevantes”, diz.
Segundo a especialista, o legislador pode determinar o momento de aplicação da lei nova, mas a reforma trabalhista tinha sido omissa sobre isso.
A reforma tinha estabelecido que o salário seria o parâmetro de cálculo para o valor de uma indenização por dano moral. Assim, quanto mais baixo o salário de uma pessoa, menor seria o valor máximo da indenização, fato que gerou muita controvérsia.
“Com a edição da MP 808, essa querela é solucionada a partir da tarifação do dano moral atrelada ao limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social”, explica Roberta. A exceção dessa regra é o cálculo da indenização por dano de acidente fatal, que terá o valor estipulado pelo juiz.
“Essa é uma medida que prestigia a isonomia, já que a vida de um ser humano e as lesões aos seus direitos da personalidade não podem ser medidas a partir do salário contratual do ofendido, sob pena de ofensa do art. 5º da Constituição”, diz Roberta.
A MP também retira a necessidade de identidade de partes para a elevação do valor da indenização, ou seja, se o empregador reincidir na mesma ofensa com outro empregado, poderá ser condenado no pagamento dobrado da indenização.
A reforma criou o artigo 442-B da CLT que definia que a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afastaria o vínculo empregatício previsto no art. 3º da CLT.
Esse artigo trouxe muita polêmica, segundo Roberta. “Os operadores do direito começaram a questionar eventual possibilidade de uma empresa operar sem possuir empregados, fraudando, portanto, a própria existência da relação de emprego”, diz a especialista em Direito do Trabalho. Na opinião dela, entretanto, isso seria impossível já que a subordinação continuava sendo fator indicativo de vínculo empregatício.
A MP 808 acrescentou 7 parágrafos ao art. 442-B da CLT e a grande mudança é que proíbe a inclusão de cláusula de exclusividade no contrato de prestação de serviços.
Segundo a redação da MP, o autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.
Também garante ao autônomo a chance de se recusar a fazer a atividade pedida pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade prevista em contrato.
A MP também indica que motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do artigo 442-B, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º da CLT.
Mas, Roberta lembra que se não houver a autonomia na realização do trabalho, de fato, esses trabalhadores poderão acionar a Justiça. “Em juízo, poderão vir a comprovar a presença da subordinação jurídica, a qual, caso acolhida, ensejará a declaração do vínculo de emprego”, explica.
A MP condiciona a prática da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, a acordo coletivo e convenção coletiva, com exceção das empresas e entidades do setor de saúde.
Os trabalhadores da área de saúde são os únicos que poderão fazer acordo individual por escrito com o empregador estabelecendo esse tipo de jornada de trabalho.
A reforma trabalhista definiu que o valor fixo mensal estipulado em contrato, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador são parte do salário do trabalhador. Isso significa que entram no cálculo de verbas trabalhistas e/ou previdenciárias tais como férias, 13º FGTS, por exemplo.
Agora, a MP adicionou que gratificações de função, dadas para quem ocupa um cargo de grande responsabilidade na hierarquia da empresa, também são parte do salário.
Também limitou a ajuda de custo. Ela não é considerada salário desde que não exceda os 50% da remuneração mensal.
A MP revogou o inciso 13 do artigo 611-A da CLT, inserido pela reforma trabalhista, que permitia que negociação coletiva prevalecesse sobre a lei no que diz respeito à prorrogação da jornada de trabalho em ambiente insalubre, sem licença prévia do Ministério do Trabalho.
O texto desse artigo agora exige que normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho sejam respeitadas para que convenção coletiva ou acordo coletivo prevaleçam sobre a lei no tocante a enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em locais insalubres.
A MP resolve a polêmica que a reforma trabalhista tinha criado ao permitir que gestantes trabalhassem em atividades insalubres. “Antes da MP 808, haveria o afastamento da gestante que trabalhasse em atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo apenas quando apresentasse atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, que recomendasse o afastamento durante a gestação”, explica Roberta.
O texto agora determina que deverá ser afastada enquanto durar a gestação de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, independentemente do grau de insalubridade.
A gestante só poderá trabalhar em operações e locais insalubres quando em graus mínimo e médio se espontaneamente ela apresentar atestado médico que autorize o seu trabalho nessas condições.
A MP traz muitas alterações nas regras para o trabalho intermitente. Ela retira, por exemplo, a multa para o empregado que aceita a convocação, mas não comparece ao trabalho.
Também estabelece que, se em um ano o trabalhador não for convocado, o contrato de trabalho intermitente está rescindido. E, na hipótese de fim de contrato, serão devidos pela metade o aviso prévio indenizado e a indenização pela dispensa injusta e demais verbas na integralidade.
Outra mudança importante da MP é que ela determina que até 31 de dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de 18 meses, contado da data da demissão do empregado.
Essa medida, explica Roberta, é para que a transição de um regime para o outro seja paulatina.
A MP estabelece que o segurado que recebe menos do que um salário mínimo por mês terá que pagar a diferença para complementar o recolhimento da contribuição previdenciária. Se não fizer isso perderá o status de segurado e pode comprometer seu direito ao benefício da previdência.