Carreira

Com os bolsos cheios

O brasileiro está ganhando mais, mas ainda não aprendeu a organizar as finanças para consumir bem e poupar mais. Saiba como aproveitar melhor seu dinheiro

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2013 às 14h24.

São Paulo - Você já parou para pensar nas transformações que aconteceram na economia brasileira que impactaram no seu bolso? O real se tornou uma moeda estável e a taxa básica do juro da economia baixou. Essas mudanças deram maior poder de compra a seu salário e tornaram o financiamento mais acessível.

Mas não é só. Há mais empregos, com melhor remuneração, e a inflação é bem menor do que a registrada nos anos 80 e 90. Está muito mais fácil poupar. Na Caixa Econômica Federal (CEF), instituição que detém o maior volume de depósitos no Brasil, a quantidade de pessoas com aplicações entre 7.000 reais e 8.000 reais cresceu 61% nos últimos dois anos.

Se olharmos para o segmento mais endinheirado dos correntistas, também houve melhora. De 2008 para cá, o número de clientes da CEF com investimentos acima de 500.000 reais cresceu 80%. Esses números mostram que quem soube poupar viu seu patrimônio crescer nos últimos anos. 

O economista e pesquisador da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), Marcelo Neri, vem medindo essas mudanças ao longo dos últimos anos. Segundo ele, o número de pessoas nas classes A e B, da qual fazem parte as famílias que têm renda superior a 4 807 reais, cresceu 43,8% de dezembro de 2003 a dezembro de 2008.

Já a classe C, que representa as famílias com renda entre 1 115 a 4 807 reais, cresceu 25,2%. De acordo com o pesquisador, 32 milhões de pessoas ingressaram nas classes A, B e C entre 2003 e 2008 e outras 36 milhões devem se juntar a esse contingente nos próximos quatro anos, mantidas as condições econômicas do país. A trajetória do advogado paulistano Felipe Coimbra, de 31 anos, ilustra o movimento ao qual os números do professor Neri se referem. 

Filho de pais de classe média, Felipe começou a trabalhar aos 15 anos como office boy. Aos 18, ingressou na faculdade de Direito. Antes de se formar, aos 21 anos, já estava empregado como auxiliar no departamento de operações estruturadas, na corretora de valores SLW, de São Paulo. Felipe recebia um salário de 800 reais.


Com 600 reais pagava a faculdade e usava o restante para gastos com transporte  e alimentação. De lá pra cá, sua carreira deslanchou. Ele se tornou chefe de departamento, gerente e, no final de 2009, foi promovido a diretor de compliance, área responsável por analisar e verificar se os produtos financeiros estão dentro da lei.

Seu salário hoje é 17 vezes maior do que quando começou na SLW. Felipe foi organizado e se preocupou em direcionar parte do dinheiro que ia entrando para construir seu patrimônio, sem deixar de curtir a vida (leia mais da estratégia financeira do advogado na página ao lado).

Ele está pagando um apartamento que comprou por 600.000 reais, que fica pronto em 2012, e tem uma grana investida, que possibilita viajar e fazer pequenas extravagâncias. “Faço pequenos resgates para curtir as coisas que gosto, como mergulhar.”

Nem todo mundo, porém, tem o mesmo controle sobre as finanças pessoais. E aí, mesmo ganhando mais, há a sensação de que o dinheiro está sempre curto. É o caso do engenheiro paulistano Antônio Carlos Viaro, também de 31 anos (leia a história dele nesta reportagem). Ele é perdulário com relação ao próprio dinheiro.

Antônio teve um aumento de 60% no salário quando deixou a função de trainee, em 2008, para assumir o cargo de engenheiro de processos, na multinacional francesa Cray Valley, produtora de massa plástica. Hoje, ganha em torno de 7.000 reais fora o bônus, que no ano passado foi de 20.000 reais.

Esse dinheiro ele gastou em viagens, festas e presentes. Além de não ter mais nada do bônus que recebeu, ainda deve 25.000 reais ao banco. "O grande problema é que, ao ver meu salário crescer, eu aumento imediatamente meus gastos", diz o engenheiro. 

Quando o consumo se torna um problema

Casos como o de Antônio são bastante comuns. O descontrole financeiro, além de causar dor de cabeça para a pessoa, compromete o desempenho no trabalho. O professor William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), fez uma pesquisa, em 2008, com 135 funcionários endividados da instituição — a amostra corresponde a 20% do total de empregados da FGV-SP.


A análise mostrou que há uma relação entre estresse financeiro e alguns indicadores de produtividade e planejamento econômico desse pessoal. Colaboradores com maior estresse financeiro não se filiam ao GV Previ, isto é, não conseguem planejar adequadamente seu futuro, faltam mais e usam mais o abono concedido pela chefia.

Algumas empresas já se deram conta disso e passaram a oferecer cursos de administração em finanças pessoais para seus funcionários. Um exemplo é a Vivo. Lá, qualquer profissional que esteja com as finanças descontroladas tem acesso a um consultor particular. 

Existem duas armadilhas que são comuns quando você começa a ganhar mais. A primeira é passar a usufruir de bens e serviços muito mais caros. Exagerando, significaria trocar o seu cabeleireiro do bairro pelo mesmo salão de uma celebridade da Rede Globo. A troca passa a comprometer um naco maior dos seus rendimentos.

A segunda armadilha é passar a consumir com maior voracidade. A pesquisa realizada pelo professor Marcelo Neri, da FGV-RJ, mostra que o potencial de consumo, que é basicamente a renda transformada no poder de compra, cresceu 4,9% ao ano nos últimos cinco anos.

Nesse período, as viagens para o exterior, a venda de carros importados no Brasil e a venda de artigos de luxo registram recordes. O brasileiro adquiriu hábitos de consumo mais sofisticados. Não há problema nenhum nisso, o segredo é aproveitar esses mimos com parcimônia. 

A agência Maktour, de São Paulo, que atua no segmento de viagens internacionais para as classes A e B, projetou para fevereiro deste ano um crescimento de 30% nas vendas sobre o mesmo mês em 2009. O resultado foi muito além do esperado. “Crescemos 90%. As pessoas estão com maior poder aquisitivo”, diz Marcus Di Tommaso, diretor-geral da Maktour. Outro dado que revela o aumento de poder de compra do brasileiro é a expansão nas vendas de carros importados, que no ano passado cresceu 150,13% em relação a 2008, segundo a Abeiva, associação das importadoras de veículos. 

Relação custo-benefício

"O consumo implica uma escolha que esbarra no funcionamento psíquico, regido pelas emoções que nos guiam a buscar uma satisfação instantânea", diz Vera Rita de Mello, doutora em psicologia econômica. Portanto, a dica é: resista ao primeiro impulso. Faça as contas, veja se o objeto de desejo cabe no seu orçamento é só então tome a decisão de compra.

Quem quer guardar mais dinheiro precisa ter disciplina. Primeiro, é importante tentar manter as despesas fixas (como aluguel) no mesmo nível anterior ao aumento do salário.


"Ganhar bem é importante, mas a arte está em gastar bem", diz Lauro Araújo, diretor da área de investimentos da consultoria Mercer. Além do desejo de consumir mais e melhor, o que pode impedir alguém de aumentar a capacidade de poupar é o comprometimento com gastos essenciais, que não podem ser adiados.

Veja um exemplo: se você precisa de um fogão, vai à loja e o vendedor lhe dá duas opções — comprar o modelo mais caro, que tem mil funcionalidades, ou outro mais barato. Se optar pelo produto mais caro, o gasto não é mais considerado básico. Sua necessidade era comprar um fogão, e não o melhor fogão. 

 Claro, isso não significa dizer que você tem de comprar um produto sem qualidade. "É essencial pensar na relação custo-benefício, ou seja, ponderar a decisão do que comprar olhando a qualidade e o preço", diz Mario Amigo, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e consultor de investimentos da Mercer.

Um casal que tem filhos também pode sentir mais dificuldades para poupar, mesmo tendo um acréscimo de renda. "Muitas vezes o ganho a mais é transferido diretamente para o consumo da família. O que nem sempre é ruim, porque há mais condições de investir na educação do filho", diz Raphael Cordeiro, consultor financeiro de Curitiba, no Paraná.

Caso decida aproveitar o aumento do salário para bancar o intercâmbio de seu filho ou reformar seu imóvel, é importante que você faça as contas para não deixar que seus gastos se igualem ao valor a mais no salário.

Quanto mais comprometido estiver seu orçamento, menos flexibilidade terá para lidar com imprevistos. "Quando não há flexibilidade, a pessoa não pode se dar ao luxo de, por exemplo, deixar o emprego para tentar uma nova oportunidade", diz Raphael.

Quando os gastos fixos chegam a representar 60% do salário é sinal de que é preciso rever os hábitos de consumo. "

É um limite de alerta", diz Mario Amigo, da Fipecafi e consultor da Mercer. 

 Padrão de vida confortável

Se está decidido a poupar, precisa primeiro organizar uma planilha com o valor do novo salário e seus gastos fixos. Você vai saber então qual é sua real capacidade de investimento mensal. Com isso fica mais fácil definir objetivos de médio e longo prazo, como comprar uma casa na praia ou fazer uma especialização.


Você também deve definir em quanto tempo quer atingir cada um de seus sonhos. Se a capacidade de poupar ainda é pequena em relação ao que quer alcançar, vai precisar diminuir as despesas. Caso contrário, vai demorar mais para alcançar cada uma de suas metas.

Para o professor e consultor Mario Amigo, o ideal é poupar pelo menos 30% de sua renda mensal. Você pode colocar 20% em investimentos de longo prazo e 10% em aplicações de médio e curto prazo. “É o que vai ajudar a manter seu estilo de vida no futuro”, afirma Mario. 

Se você tem apetite por rendimentos maiores, a dica é assumir mais riscos agora e investir em fundos de renda variável e multimercado. "Se o investidor souber lidar com os momentos difíceis e não se assustar, o investimento de risco é um ótimo aliado, já que há a possibilidade de mais retorno", diz Lauro, da Mercer.

Em períodos de instabilidade, aproveite para acessar investimentos de maior risco por um preço menor. Uma opção é comprar ações de companhias sólidas cujos papéis se desvalorizaram. Se souber esperar, você vai ganhar uma graninha na hora de vender as ações.

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