Nunes, coronel da PM e integrante do BOPE: Quando comecei a me relacionar com grandes empresários em cursos de gestão, eu comecei a ver que esses dois mundos têm muito em comum, desde a atração de talentos até na gestão de crise (Divulgação: CHRO Exame)
Repórter
Publicado em 24 de novembro de 2023 às 09h57.
Última atualização em 24 de novembro de 2023 às 10h30.
Quem já assistiu o filme “Tropa de Elite” vai lembrar que o exercício de um policial que faz parte das Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro, conhecido como Bope, exige trabalho de alto desempenho e sob pressão, mas para que a missão dada se torne uma missão cumprida, é preciso uma liderança treinada, que estimule a confiança e a empatia dentro da equipe mesmo em tempos extremos.
Este foi o tema central da quinta edição do Clube CHRO, plataforma da EXAME dedicada ao debate sobre desafios para os CHROs, sigla para Chief Human Resources Officer, liderança que está se tornando cada vez mais estratégica para os negócios.
“Somos chamados quando todos os atores da segurança pública não funcionam mais, ou seja, só trabalha no caos, com o problema escalonado lá em cima. É preciso além da técnica, controle emocional de todos e um líder que veja o soldado como ser humano,” afirma Maurílio Nunes, coronel da Polícia Militar do RJ e ex-comandante do Bope, que compartilhou lições de liderança em tempos extremos com C-levels de RH que participaram do evento.
O encontro, que contou com o apoio da Flash, empresa de tecnologia para benefícios corporativos flexíveis e people analytics, reuniu nesta quarta-feira, 22, líderes de grandes empresas em um jantar na Casa Dupac, em São Paulo.
Compareceram representantes das seguintes empresas:
O Clube é um espaço seguro e intimista para interação, troca e está aberto à participação. Além do apoio da Flash, o evento conta também com o apoio da We Work.
O painel do 5º encontro de CHRO foi realizado por Nunes, coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro, com uma carreira de 27 anos, sendo 17 anos como integrante do Batalhão de Operações Policiais Especiais do RJ.
Por ter comandado o Bope por três anos, o coronel trouxe exemplos de suas experiências na carreira militar de como um bom líder pode formar e estimular um time de profissionais competentes, inclusive no ambiente corporativo.
“Quando comecei a me relacionar com grandes empresários em cursos de gestão, eu comecei a ver que esses dois mundos têm muito em comum. Eles enfrentam grandes dificuldades desde atrair pessoas de alta performance até em processos de gestão de crise,” afirma Nunes que além de militar, é advogado e um dos integrantes do programa de desenvolvimento de liderança da Faculdade EXAME.
Muitos gestores chegaram a perguntar para Nunes como um soldado, que está disposto a arriscar a sua vida todo o dia, sua integridade física e sua liberdade, pode estar super motivado a entregar cada vez mais. E ele resume essa motivação em uma simples palavra: cultura.
“Nossa atividade é de altíssimo risco de vida. A maior perda não é o emprego, é a vida, seja a sua ou a do próximo. Desde quando o Bope foi criado, temos alguns valores que são inegociáveis. E a cultura de pertencimento e de alta performance faz parte desses valores. Além disso, não existe um grande herói, existe um grupo. Então, quando vencemos ou erramos, é o grupo que responde. Por isso creio que o principal motivador para os soldados do Bope é estar em um grupo de excelência,” afirma Nunes.
Esse sentimento de pertencimento e de alta confiança chamou a atenção de Renato Basso, CHRO do Gympass.
“É interessante ver as características que eles buscam para entrar em um batalhão. Apesar de ser um ambiente de alta performance, é também um ambiente que exige alta confiança. Muitas vezes uma pessoa que tem alta performance, mas não é de alta confiança pode ser muita tóxica para o time, no sentido de querer ser a herói e não de representar o grupo. E neste caso podemos fazer um paralelo importante para o mundo corporativo, uma vez que você precisa ter clareza sobre quais características você busca para as pessoas terem sucesso em sua organização.”
Na realidade do Bope, o cuidado com a saúde mental começa já na busca de perfis que se adequam melhor a realidade do trabalho, afirma Nunes.
“Realizamos logo de início, durante o recrutamento dos soldados, os testes físicos, psicológicos e agora até teóricos, porque um soldado representa todo o time e precisa ser testado e aprovado em todas as instâncias. No Rio tem muito morro e é muito quente, fora isso a pessoa vai carregar muitos equipamentos, além de trabalhar em um ambiente de alto estresse, com tiro para todo o lado. Por isso, as características de entrada são essenciais.”
Durante o processo, o comando conta com uma psicóloga que acompanha as ocorrências e desvios de comportamentos que podem acontecer principalmente quando o soldado perde alguém próximo.
“Perder um companheiro no combate, por exemplo, é muito difícil, e para isso existe um protocolo de acompanhamento. Neste momento é muito importante o empoderamento dos líderes de equipe que são os primeiros interventores de uma crise, mas se tem um desvio de comportamento mais grave, isso sobe para a gestão do comando que avalia com a psicóloga qual é a melhor forma de tratamento,” diz Nunes.
Fazer um paralelo da realidade de um policial com profissionais que trabalham em uma empresa pareceu difícil para Daniele Salomão, CHRO da Energisa, mas considerando que o setor de energia elétrica é de alta periculosidade, a executiva ficou surpresa ao entender como é avaliada a saúde mental em uma atividade que também está o tempo inteiro entre a vida e a morte.
“Para além da questão da alta performance, me chamou a atenção como que eles lidam com situações de alta pressão, e fazem com que essas pessoas, em um ambiente totalmente hierárquico, tomem decisões sob alta pressão onde podem colocar a vida deles e a do próximo em risco,” diz Salomão.
Assim como entrar na carreira militar não é algo fácil, também é difícil deixar o cargo, afirma Nunes. E esse processo de se desvincular do trabalho pode ser algo duro em outras profissões do mundo corporativo. “Tem gente que não consegue parar de trabalhar. O cara vive a vida dele dedicado exclusivamente ao trabalho, deixando a família muitas vezes em segundo plano. É um trabalho que consome,” diz Nunes.
Para apoiar esses profissionais que após um tempo precisam deixar as ruas, Nunes disse que foi criado um curso de liderança para os novos sargentos, assim como um processo de desaceleração para os antigos comandantes.
“Buscamos aprender sobre gestão com exemplos de polícias de outros países. A polícia alemã, por exemplo, tem um processo de desaceleração. Entre 20 e 25 anos na ativa, o policial sai do trabalho de rua e vai para a administração. Dos 25 para 30, vai para a instrução, e devagar ele vai desapegando da rotina. É preciso fazer esse encaminhamento, vejo isso como empatia ao profissional que se dedicou tanto ao seu trabalho.”
Pensar além do mundo corporativo é importante para trazer reflexões e ter insights para saber como atrair e manter um profissional do início ao fim de carreira, afirma Charline Carolino, CHRO da Braskem.
“Você pensa que não tem nenhum tipo de comparação entre a carreira militar e o mundo das empresas, mas quando Nunes traz a relação de que executivos também lideram operações especiais, ele fala sobre o nosso dia a dia o tempo inteiro, seja na gestão de conflitos, na leitura de cenários complexos ou até na análise de saúde mental. É saber colocar a melhor competência no melhor momento.”