Os salários, obedecendo à lei de oferta e demanda, estão nas alturas (Omar Paixão/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 14 de maio de 2012 às 15h51.
O bom momento econômico do Brasil tem sido acompanhado por um aumento dos investimentos. Ainda que o país esteja muito aquém do ideal neste ponto – a taxa de investimento ficou ao redor de 18% do PIB em 2011, o que representa o terceiro menor valor num grupo de vinte nações emergentes em que a China lidera com 47% do PIB –, empresas e próprio poder público têm destinado volumes crescentes de recursos para ampliação da capacidade produtiva.
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estima que serão investidos 3,34 trilhões de reais no país no período 2011-2014. Essa pujança é mais forte em alguns setores que em outros, mas duas grandes áreas merecem destaque: a indústria extrativa e a de infraestrutura. Nelas o vigor é tamanho que empregadores têm dificuldade para encontrar funcionários que preencham seus quadros – não só porque as oportunidades são muitas, mas também porque o sistema educacional brasileiro não oferta pessoal em volume e qualidade suficiente. Os salários, obedecendo à lei de oferta e demanda, estão nas alturas.
A robustez da indústria extrativa, em que se destaca a mineração, está ligada diretamente à acentuada demanda global pelas commodities metálicas. O ramo de petróleo & gás – que mistura características desta indústria com o setor de infraestrutura – tem futuro promissor garantido graças aos projetos bilionários para exploração da camada pré-sal. Por fim, todos os segmentos voltados a suprir as necessidades de desenvolvimento do país, como energia elétrica e construção civil, oferecem ótimas oportunidades.
Neste cenário, empresas que não querem ver seu crescimento freado pela escassez de mão de obra oferecem salários cada vez maiores e benefícios para atrair profissionais de diferentes níveis de formação. A consultoria de recursos humanos RHIO’s fez com exclusividade ao site de Veja um levantamento de quatro áreas promissoras – petróleo & gás, energia elétrica, mineração e construção civil & grandes obras – que oferecem salários iniciais entre 1.500 reais e 3 mil reais para profissionais de nível técnico e entre 3 mil e 8 mil reais para profissionais juniores de nível superior.
Mineração – A indústria de mineração é a que se encontra em situação mais crítica, aponta a RHIO’s. “Somente no primeiro trimestre, empresas de médio porte tiveram crescimento de cerca de 20%,”, afirma Denise Retamal, diretora executiva da consultoria. O segmento tem observado forte aumento de demanda por seus produtos em decorrência do crescimento da China – que é consumidora voraz do minério de ferro brasileiro, por exemplo.
Pesa também o fato de a crise na Europa e nos Estados Unidos ter feito com que os investidores se voltassem a “ativos alternativos” e ditos mais seguros, como as commodities. Em terceiro lugar, o Brasil é considerado ainda inexplorado – isto é, possui enormes reservas de minério, cuja exploração está muito aquém do que se observa no Canadá, na Austrália ou no Chile, onde o setor é mais maduro. Por fim, aos olhos de empresários que avaliam explorar o solo brasileiro, o país oferece boas credenciais: estabilidade econômica e política e segurança jurídica.
Para os próximos quatro anos, estima-se que a indústria de mineração faça aportes de aproximadamente 70 bilhões de dólares no país. O setor deverá oferecer até 2015 aproximadamente 150 mil vagas de emprego, concentradas principalmente nos estados do Pará, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Maranhão.
Mesmo num cenário menos promissor, já seria complicado encontrar profissionais. Isto porque o segmento necessita de trabalhadores com atribuições bem específicas. Um exemplo é o geólogo de exploração mineral, responsável por ir até o greenfield – região inexplorada – e fazer os primeiros estudos de prospecção.
Segundo Denise, esses e outros profissionais são hoje uma raridade, especialmente os que falam inglês e espanhol. Com isso, virou prática comum as empresas “roubarem” profissionais umas das outras oferecendo salários 20% ou 30% maiores. Há três anos, um geólogo júnior ganhava cerca de 2,5 mil reais. Hoje, o salário inicial já chega a 8 mil reais.
Necessidade de energia – Com crescimento do PIB assegurado nos próximos anos, recursos vultosos têm sido direcionados à construção da matriz energética que suprirá a demanda futura do país. “O principal indicador a servir de termômetro para esse aumento da procura por mão de obra é a ampliação vertiginosa nos últimos anos dos investimentos em energia – eletricidade, petróleo óleo e gás”, afirma Walter de Vitto, analista dos setores elétrico e petrolífero da consultoria Tendências. O especialista explica que a energia é matéria-prima para qualquer indústria e o incremento de sua demanda está atrelado diretamente à expansão econômica.
No setor elétrico, por exemplo, estão previstos aportes de 46,4 bilhões de reais até 2020 somente em linhas de transmissão para integração de sistemas regionais. Conforme o planejamento do governo federal, o país terá 142.202 quilômetros de linhas ao fim dos próximos oito anos – alta de 42% em uma década.
Quanto ao parque gerador, a Tendências estima uma necessidade de ampliação da oferta entre 3 mil megawatts e 4 mil megawatts ao ano, em média, até 2017 – cerca de 28 mil megawatts no acumulado do período. Balanço da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostra que os empreendimentos concedidos ou autorizados vão inserir no sistema elétrico nacional bem mais que isso: 53,5 mil megawatts.
Pré-sal – A indústria petrolífera está consolidada como uma das áreas mais promissoras da economia doméstica. Afinal, somente a Petrobras investe 224,7 bilhões de dólares em 688 projetos – 57% voltados à produção & exploração – no período 2011-2015. A grandeza da cifra deve-se, em grande parte, ao desafio de extrair petróleo de áreas ultraprofundas do litoral brasileiro – a chamada camada pré-sal que encerra, nada menos, que oito bilhões de barris de petróleo.
Somente em 2010, os investimentos totais da indústria de petróleo e gás somaram 43,4 bilhões de dólares, isto é, 750% a mais que em 2000. “Esses valores espelham o aumento da atividade física do setor. São novas estruturas, que demandam recursos, quer seja bens de capital, quer mão de obra”, afirma de Vitto.
Na avaliação do analista da Tendências, este cenário faz do Brasil é um dos lugares mais promissores para a indústria petrolífera em todo o mundo. Além das reservas, o marco regulatório é bom - o que deve continuar a atrair investimentos - e também há a questão de estabilidade política. “A África, por exemplo, também possui grandes reservas, mas não é confiavel politicamente”, analisa Witto.
Construção civil – A construção civil, por sua vez, tem o impulso duplo impulso do expressivo crescimento das vendas de imóveis e dos grandes empreendimentos de infraestrutura em curso no país. A Tendências estima que o PIB do setor avançará 4% neste ano e 4,5%, em média, entre 2013 e 2016.
Neste segmento, é justamente a mão de obra a componente que mais tem pressionado os custos. De acordo com dados do Sistema Nacional de Preços Industriais (SINAPI) do IBGE, essa situação tem sido observada desde 2005, exceto 2008. No ano passado, a variação do custo da mão de obra foi de 8,5%, enquanto a alta dos preços dos materiais ficou em 2,8%.
Alternativas – O desafio de encontrar profissionais que preencham os requisitos das vagas tem obrigado as empresas a apelar para soluções alternativas. Vale tudo. Convencer aposentados a retornar ao mercado de trabalho, oferecer salários/benefícios cada vez melhores e até trazer trabalhadores de outros países. Há cerca de cinco anos, uma mineradora que quisesse contratar um geólogo passava, em média, 30 dias para encontrar o profissional certo. Hoje até seis meses são necessários. Situação semelhante se verifica em outros cargos, como o de gestor de projetos em petróleo e gás, por exemplo.
A escassez de trabalhadores não é mais prerrogativa dos cargos gerenciais e de diretoria, que normalmente requerem homens e mulheres com anos de formação e experiência profissional. Até aquela mão de obra operacional – que em tese deveria ser mais abundante por exigir apenas formação técnica – também está em falta. Trinta a quarenta dias são necessários para contratar um soldador, e não raro uma companhia do Sudeste, por exemplo, tem de trazer o profissional das regiões Norte e Nordeste.
A “importação” de mão de obra de outros países também acontece. Na mineração, por exemplo, para cada dez profissionais brasileiros que são contratados, um estrangeiro – geralmente canadense, chileno ou australiano – é empregado. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil é um dos países que menos forma engenheiros. São apenas 30 mil por ano, enquanto a Rússia e a Índia formam mais de 110 mil profissionais anualmente. A China, por sua vez, entrega ao mercado cerca de 300 mil novos engenheiros todo ano.
Falta de informação – Para Denise Retamal, da RHIO’s, uma das explicações para a escassez de mão de obra especializada nos pujantes indústrias extrativa e de infraestrutura é a ‘velha’ falta de informação. Em outras palavras, muitos jovens simplesmente não ficando sabendo que tantas oportunidades têm sido criadas nestes setores. “O jovem brasileiro é induzido apenas a passar no vestibular”, critica.
A especialista recomenda que os estudantes, com o apoio de professores e pais, saiam do lugar comum: investiguem a vocação, pesquisem o mercado, busquem informações sobre as inúmeras possibilidades de carreira para cada curso técnico ou universitário, etc. “As escolas no ensino médio estão apenas preocupadas em aprovar no vestibular, não importa para quê.” Para ela, é preciso começar a criar o hábito de pensar na carreira antes. “A carência de informação e a falta de pensamento em carreira trazem consequências drásticas ao mercado”, conclui.
Fernando Cruz – Investimento em qualificação
Há dois anos como gestor de projetos de petróleo na Wallstream Oil & Gas – empresa que fornece equipamentos para plataformas –, o engenheiro Fernando Cruz assumiu cargos em diferentes áreas até optar pela indústria petrolífera. Na faculdade, estagiou nas fábricas de automóveis da PSA Peugeot Citroën e Volkswagen, onde ganhou experiência em planejamento.
Após se formar em Engenharia de Produção com Ênfase em Mecânica pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em 2003, Fernando enviou currículos a empresas de diversos setores. Foi chamado para trabalhar como supervisor de planejamento da construção do Polo Gás-Químico da Baixada Fluminense (Rio Polímeros).
O salário na época era de 4,5 mil reais. Foi neste período que descobriu o cargo de gestor de projetos em óleo e gás – e passou a almejar a posição. Desde então, cursou um MBA de gestão empresarial pela FGV-RJ e outro em gestão de petróleo e gás pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ), além de obter outras certificações.
Hoje com 33 anos, recebe um salário de 18 mil reais mais bônus e benefícios. Mas ele ainda quer mais. Dentro de quatro anos, pretende fazer um mestrado em engenharia de petróleo e gás no exterior. “Minha irmã já fez esse curso numa universidade no Texas e disse que é muito bom. Pretendo aprofundar meus conhecimentos gerenciais”, afirma.
Denise Furtado – Sonho de ser exploradora
Quando pequena, a geofísica Denise Furtado amava os programas do canal de TV por assinatura Discovery Channel em que os protagonistas eram exploradores. De tanto assisti-los, ficou fascinada por profissões que trabalhavam com ciências da terra. Apesar de saber desde muito cedo o que iria “ser quando crescer”, ela sentiu muita insegurança por se tratar de uma profissão pouco conhecida.
“Sabia que queria fazer geofísica, mas tinha muito medo de fazer uma escolha errada. Era um grande buraco negro. Não tinha ninguém para me orientar”, lamenta. Antes de prestar vestibular, Denise até tentou pensar em cursos “mais normais”, mas não conseguiu escolher outra coisa. Já nas primeiras aulas do curso de geofísica na Universidade Federal Fluminense (UFF), teve a certeza de que havia feito a escolha certa.
O profissional da área pode trabalhar tanto em laboratório, como em campo e também em escritório. Tudo envolve análise de dados. Fez na UFF projeto de iniciação científica na área ambiental, mais voltado para a geologia. Depois disso, estagiou durante um ano na petroleira americana Devon, cujos ativos no Brasil foram comprados em 2010 pela britânica BP.
Formada no final do ano passado e com 22 anos, foi efetivada pela BP como geocientista júnior com salário médio entre 6 mil e 8 mil reais. A entrevista foi concedida ao site de Veja na véspera de sua viagem para Houston, no Texas, onde vai ficar por uma semana fazendo um curso pela empresa. Em relação ao futuro de sua carreira, ela ainda tem dúvidas. “Gosto muito de análise sísmica, mas ainda não sei se vou seguir essa área”, confessa.
Paulo Roberto Soares – Opção pela engenharia
O carioca Paulo Roberto Soares resolveu fazer engenharia ao observar o mercado. “Eu já gostava de desenho técnico e o salário da profissão me atraiu também”, afirma. Na universidade, optou primeiramente pela engenharia de telecomunicações, mas, por volta do quinto semestre, partiu para a eletrônica.
Formado em 1986, começou a trabalhar com tecnologia de instalação de equipamentos de segurança para refinarias de petróleo e plataformas. Dez anos trabalhando com isso foram suficientes para perceber a defasagem de mão de obra. “Na empresa em que trabalhava, decidiram começar a fazer treinamentos porque estávamos com falta de gente qualificada.
Como eu já tinha experiência, fui escalado para ser coordenador”, explica. Hoje, Paulo recebe 18 salários mínimos, mais benefícios como cursos – um grande salto se comparado com os dois salários mínimos que recebia no começo da carreira. Ele trabalha atualmente na área de coordenação de capacitação, além de estar envolvido com o gerenciamento de projetos da Setha Prosegur. Apesar dos ganhos, ele não vê tantos profissionais atuando na área. “É um mercado em expansão”, diz, “o Brasil está crescendo e precisa de planejamento para crescer de forma organizada. E já está faltando mão de obra”.
Hélio Monteiro – Uma paixão rentável
No final da década de 1960, Hélio Monteiro passou quatro anos na Amazônia. Aventura para muitos, ainda mais naquela época pré-Google Earth, a estadia na região teve relação direta com a profissão. Afinal, ele é geólogo de exploração. Hoje, aos 69 anos, Monteiro é consultor sênior da Ônix Serviços Geológicos, passa a maior parte do tempo longe do campo e sente saudade da época em que pegou cinco malárias.
A geologia de exploração é o ramo que cuida da parte inicial da pesquisa mineral, com foco na busca de ambientes promissores para o tipo de minério que se quer encontrar. “Se estiverem procurando ouro, por exemplo, vamos atrás de lugares com rochas que sejam favoráveis à mineração dele”, explica.
Por ter crescido na fazendo do pai, no Mato Grosso do Sul, o geólogo sempre teve gosto pela natureza e decidiu sua profissão quando viu uma palestra na escola com um geólogo da Petrobras. Hélio foi para São Paulo, formou-se pela USP em 1967, e começou a trabalhar ganhando em cruzeiros. Atualmente, recebe em torno de mil dólares por dia quando faz consultas. Monteiro diz sentir na pele a escassez de pessoas com um perfil semelhante ao dele no mercado. “Acho que há uma demanda muito grande, mas não sei se as escolas estão formando geólogos suficientes. Deveria haver um incentivo”, sugere.