Carreira

Carreiras criativas: a invenção de um mercado

A indústria criativa cresce no Brasil e consolida-se como opção de carreira. Os desafios do setor: o preconceito dos clientes e o amadorismo da concorrência

Rafaela Vinotti, designer gráfica: "[...] a área de arte e design não é levada a sério pelos empresários e, muitas vezes, pelos próprios profissionais" (Ricardo Benichio/EXAME.com)

Rafaela Vinotti, designer gráfica: "[...] a área de arte e design não é levada a sério pelos empresários e, muitas vezes, pelos próprios profissionais" (Ricardo Benichio/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 19 de março de 2013 às 11h22.

São Paulo - Expressão um tanto fora de moda, “fazer arte” é uma maneira de dizer que uma criança aprontou alguma travessura. Hoje, porém, a frase não tem nada de infantil. Para milhares de profissionais brasileiros, arte é trabalho sério. 

As carreiras criativas — moda, design, teatro, música, arquitetura, produção audiovisual, entre outras — já oferecem oportunidade de emprego e renda para muita gente e vêm se consolidando como uma opção viável para quem sempre desejou largar o trabalho de escritório e explorar seu potencial inventivo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o crescimento anual do mercadocriativo deve girar de 10% a 20% nos próximos anos em todo o mundo. 

O Brasil tem como se beneficiar desse movimento, apontam profissionais da área, mas é necessário abandonar o amadorismo e o preconceito, passando a tratar criatividade como negócio de gente grande.

“Estamos vivendo um momento crucial na história da humanidade, que é a revisão dos modelos de vida, e isso não se dará somente por meio de novas tecnologias, mas principalmente por meio da criatividade”, diz a estilista Karla Girotto, de São Paulo.

Segundo a Secretaria da Economia Criativa (SEC), criada no ano passado pelo governo Dilma, a indústria criativa no Brasil teve, em 2010, um faturamento de 104 bilhões de reais, o equivalente a 2,84% do Produto Interno Bruto (PIB), superando, por exemplo, a indústria extrativa, que gerou 78 bilhões de reais. Há 63 000 empresas nesse setor, o que corresponde apenas a 1,86% do total de firmas existentes no país. 

O número médio de empregados por CNPJ, nessa área, é de 13,7 — o que indica que as oportunidades de trabalho estão em sua maioria em empreendimentos de pequeno porte. 

Um estudo feito pela prefeitura de São Paulo mostra que, entre 2006 e 2009, a taxa média anual de crescimento do emprego formal na indústria criativa chegou a 8,3% no estado de São Paulo e a 9,1% na capital paulista. A participação do emprego criativo formal no total de vagas no Brasil é de 5,5%, chegando a 6,4% na cidade de São Paulo, onde a demanda por esse tipo de serviço é maior.

Considerando que existe muita informalidade associada a essas atividades, é aceitável imaginar que haja mais pessoas trabalhando no ramo. Fazer carreira nessa área, no entanto, continua sendo uma tarefa tão complexa quanto incerta.

"Infelizmente, precisamos educar o mercado, além de trabalhar", diz a designer gráfica Rafaela Vinotti, de 29 anos, dona de seu próprio estúdio, pelo qual já atendeu clientes como Natura, Nokia, Colgate-Palmolive e Sebrae.

Um dos problemas para a indústria criativa brasileira é que grandes empresas ainda evitam trabalhar com pequenos empreendimentos criativos por receio de não receber um atendimento adequado. Isso acaba retardando a profissionalização do setor.


Na área de design, por exemplo, as grandes companhias acabam recorrendo a grandes agências de publicidade, que nem sempre dão prioridade ao assunto, o que desvaloriza a atividade.

"Mas posso dizer que a criação de pequenos estúdios de design hoje no Brasil está crescendo e, ainda que a concorrência seja muito desleal, é importante que os designers acreditem e invistam em suas crenças e em seu desenvolvimento", diz Rafaela.

Profissionais envolvidos nessas atividades apontam uma deficiência estrutural na educação no país, desde a básica até a superior, que não estimula nem valoriza a atividade criativa e, como consequência, não prepara para o mercado quem deseja fazer carreira na indústria criativa.

"O grande desafio é a educação de qualidade de maneira rápida e eficaz", diz Adolfo Melito, presidente do Conselho de Economia Criativa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio). "A história recente mostra que as políticas de desenvolvimento que abrigam os princípios das indústrias criativas têm sido muito bem-sucedidas em trazer vida nova para a economia", diz. "Criatividade é um recurso humano inesgotável."

A dificuldade, para os artistas, é conciliar seus projetos estéticos com a estrutura do mercado e as possibilidades de remuneração. Adriano Cintra, integrante da banda de sucesso internacional Cansei de Ser Sexy, encontrou um caminho estável ao apostar em seu próprio estúdio, maneira pela qual garante a remuneração independentemente de shows e álbuns.

Ele conta que teve uma série de experiências trabalhando, por exemplo, numa produtora de som. "Aprendi que, para trabalhar com publicidade, você tem de ter dedicação total", diz Adriano. Arquitetura é uma das áreas criativas que o mercado começou a valorizar, ainda que timidamente.

Nos últimos anos no Brasil, especialmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, algumas construtoras e incorporadoras começaram a perceber que projetos de qualidade são um diferencial e passaram a recorrer a arquitetos mais gabaritados para assinar suas obras.

"A arquitetura no Brasil ainda não é vista na altura de seu potencial", dizem os arquitetos Caroline Bueno, Greg Bousquet, Olivier Raffaelli e Guillaume Sibaud, sócios do Tryptique, de São Paulo, que acreditam que o mercado está evoluindo. "Aos poucos estamos vendo o mercado na criação do arquiteto para prover uma vida melhor para as pessoas." Um dos exemplos é a incorporadora paulista Idea!Zarvos, que tem valorizado projetos originais.

Problema estrutural 

A dificuldade de emplacar carreiras criativas não é exclusividade nacional. O educador inglês Ken Robinson, autor de livros sobre educação e um dos principais nomes relacionados à economia criativa, aponta que desde a revolução industrial existe um contexto em que, na educação, as habilidades úteis à produção são mais valorizadas do que as artísticas.


A absorção de qualquer tipo de conhecimento — da matemática às línguas — se faz de forma utilitarista, diz o autor. As habilidades artísticas, por não apresentarem um valor produtivo tão material, são menos valorizadas. Trata-se de um erro, afirma Robinson, porque uma parcela da humanidade tem exatamente na criatividade a maior oportunidade de explorar ao máximo seu potencial.

O livro O Elemento-Chave, de Robinson (Ed. Ediouro, R$ 40,90, 264 págs.), mostra a importância de descobrir qual é aquele tipo de atividade na qual uma pessoa pode conciliar o que faz bem com o que gosta de fazer. Para muitas pessoas, diz Robinson, o elemento-chave está numa tarefa inventiva.

Ele cita os casos de Matt Groening, criador de Os Simpsons, e da jornalista Arianna Huffington, do jornal online Huffington Post, como casos de pessoas que chegaram ao sucesso por fazer com paixão aquilo em que são hábeis. Algumas experiências de educação que valorizam a criatividade são a americana Blue School e, no Reino Unido, a experiência das Studio Schools, que apostam no formato estúdio-escola, em que os alunos aprendem por meio de trabalhos práticos.

Seja qual a carreira criativa escolhida, uma coisa é certa: competição e diferenciação estão presentes, como em qualquer profissão. Dedicação e trabalho árduo fazem a diferença, assim como relacionamento pessoal. Pedro Mendes, sócio da galeria de arte Mendes Wood, de São Paulo, recomenda estudar arte dia e noite, frequentar feiras na área e se conectar com pessoas e instituições importantes do setor, no caso dele, curadores, museus e outras galerias.

"Estar nesse mercado significa, antes de tudo, muita dedicação e estudo", diz Pedro. Haverá maiores oportunidades para fazer da arte uma profissão nos próximos anos. Mas fácil não será. Invente um caminho para você.

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