Tédio: ao contrário do lado mais comum do burnout, em que há mais tarefas do que a pessoa tem condições de dar conta, o boreout acontece quando há menos demanda e desafios do que a pessoa conseguiria entrega (Getty Images/Getty Images)
Victor Sena
Publicado em 3 de dezembro de 2020 às 17h32.
Última atualização em 4 de dezembro de 2020 às 16h35.
Exaustão, falta de conexão com os colegas de trabalho e redução da eficiência. Esse é o tripé que define alguém que está passando por uma crise de burnout, uma doença ocupacional reconhecida pela Organização Mundial da Saúde.
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À primeira vista, esses sintomas e a própria doença são interpretados como reflexo de excesso de trabalho e abuso nas cobranças no ambiente profissional, mas o burnout tem um outro lado: o boreout. Burn significa queimar em inglês e bore vem de boredom, que é tédio.
O termo foi criado pelos consultores empresarias Peter Werder e Philippe Rothlin em 2007 e refere-se a um estado de desmotivação e ausência de desafios profissionais.
Ao contrário do lado mais comum do burnout, em que há mais tarefas do que a pessoa tem condições de dar conta, o boreout acontece quando há menos demanda e desafios do que a pessoa conseguiria entregar.
Assim, pode ficar deprimida e tão incapacitada quanto quem vive com excesso de trabalho.
“O burnout tem essas duas pontas. O esgotamento por excesso de demanda e a subutilização do potencial da pessoa no trabalho. Quando há a baixa produtividade, não é preguiça. Ela entrou num estado de adoecimento e a empresa tem a obrigação de proteger a saúde mental do trabalhador”, defende Roberto Aylmer, especialista em carreira e médico psiquiatra.
O termo é relativamente desconhecido porque essas condições de desmotivação acabam por ficar subnotificadas nas empresas.
“Nem sempre as pessoas vão reclamar disso. Muitas vezes nem sempre sabem que isso existe. E acontece muito: pessoas que têm alto potencial, mas tem tarefas e chefes medíocres”, explica Aylmer.
Assim como o burnout por excesso de trabalho, o boreout também tem efeitos fortes sobre a saúde do profissional. Há geração de ansiedade, de não realização e cinismo, que é o descolamento com a realidade do outro e baixa empatia. Ou seja: descaso. No fim das contas, os sintomas são parecidos em ambas os casos.
Nos casos clássicos de burnout, o problema não é só do excesso de demandas em si, mas da falta de condições do profissional para atendê-las.
A diferença acontece quando há recursos e apoio da chefia imediata. Nesses casos, a pessoa pode fazer da grande demanda uma experiência de resultado.
No Brasil, 30% das população empregada já passou por algum episódio de burnout.
Em seu doutorado, Roberto Aylmer avaliou o aspecto da motivação e do burnout dentro de empresas. Na visão dele, os casos de boreout são mais comuns no serviço público, onde há pessoas capacitadas muitas vezes colocadas em trabalhos burocráticos e irrelevantes, sem usar o potencial. Isso acontece porque a dinâmica da meritocracia ali é mais complexa e rara.
Apesar de reconhecer o papel da empresa em aproveitar os talentos nas posições corretas, a especialista em carreira e gerente de operações da Consultoria LHH? Patrícia Paniquar lembra que o profissional precisa se movimentar nesses casos de insatisfação e tédio.
Para ela, certo tédio é natural e o ócio criativo é importante. O importante é observar a proporção que ele tem no dia a dia de trabalho da pessoa.
“A pessoa precisa observar a origem desse tédio, por onde ele está passando, que pode ter a ver com a forma com as pessoas tratam ela, com reconhecimento, ou com a atividade em si”.
Um exercício que pode ajudar a escapar dessas situações é listar os fatores de satisfação e insatisfação no emprego. Assim, é possível encontrar padrões e situações recorrentes. Além disso, é importante ter clareza do que traz satisfação para a pessoa, por onde passam seus interesses.
Esse exercício também inclui identificar o que lhe dá energia. Entre os fatores mais comuns estão o equilíbrio na vida pessoal, posições de liderança ou estabilidade. Há aqueles pessoas que precisam de autonomia e liberdade.
Patrícia destaca que nem sempre a saída é pedir demissão, mas a pessoa observar se pode buscar outras posições e projetos, para conseguir mais equilíbrio entre satisfação e insatisfação na vida profissional.
Quando a falta de interesse aparecer, é importante observar se ele está relacionado ao um projeto que é passageiro ou está relacionado à carreira da pessoa na empresa.
“Não é responsabilidade de um lado só. É algo que se pensa junto, por isso tem que ter conversas entre a organização e o trabalhador. Os dois tem que se encontrar periodicamente e fazer uma atualização, para ver se a pessoa tá interessada em continuar a fazer aquilo para o que ela foi contratada”, defende Patrícia Paniquar.