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‘Brasil não está preparado para a NR-1’, diz especialista britânico

Consultor global de segurança psicológica explica por que o tema vai muito além do bem-estar e fala como as empresas podem se preparar para a norma em 2026

Scott Chambers, consultor britânico: ‘Segurança psicológica não é ser gentil, é ter coragem para falar o que precisa ser dito’ (João Vitor Lima/Divulgação)

Scott Chambers, consultor britânico: ‘Segurança psicológica não é ser gentil, é ter coragem para falar o que precisa ser dito’ (João Vitor Lima/Divulgação)

Publicado em 30 de outubro de 2025 às 11h14.

Última atualização em 30 de outubro de 2025 às 11h16.

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Falar sobre segurança psicológica nunca foi tão urgente. Às vésperas da implementação da nova NR-1, que entra em vigor em maio de 2026 e inclui a proteção à saúde mental no ambiente de trabalho, empresas e gestores se veem diante de um desafio: transformar o discurso em prática.

Para o consultor britânico, Scott Chambers, que há mais de 30 anos atua com times executivos e programas de liderança em diferentes países e foi aluno de Amy Edmondson, professora da escola de Negócios da Universidade de Harvard, o conceito não é uma “moda de RH”, mas um pilar de performance, inovação e saúde corporativa.

O especialista veio ao Brasil para acompanhar a estreia da WeConsultHR, startup de soluções globais em Recursos Humanos da América Latina que chega neste ano no Brasil. No evento, Scott Chambers fala em entrevista exclusiva à EXAME sobre o cenário brasileiro, os erros mais comuns das lideranças e o que empresas e gestores podem fazer - de forma simples e real - para criar ambientes onde as pessoas se sintam seguras para falar – inclusive em 2026 com a NR-1 sendo aplicada no Brasil.

Veja também: Saúde mental no trabalho: 1 em cada 3 empresas não combate assédio, aponta estudo

O que é, afinal, segurança psicológica?

É uma cultura em que as pessoas se sentem à vontade para se expressar — para compartilhar ideias, dúvidas, preocupações e até erros. Isso não significa “falar por falar”, mas criar um ambiente em que todos contribuam com o que sabem e percebem, sem medo de represália.

Muita gente ainda confunde o conceito com “clima leve” ou “liderança gentil”

Sim, e isso é um grande equívoco. Segurança psicológica não é ser sempre simpático. Às vezes, é dizer o que precisa ser dito — inclusive um feedback duro — de maneira respeitosa. Desconforto não é o mesmo que insegurança. O ponto é que as pessoas possam falar a verdade, mesmo quando é difícil.

Como o senhor chegou a esse tema?

Minha formação é em Ciências da Gestão com especialização em Psicologia. Depois de liderar mais de 200 pessoas em dois países, percebi que o maior obstáculo para o desempenho das equipes não era falta de talento, e sim de confiança. Quando o ego domina a sala, a inteligência coletiva se perde. Há 15 anos comecei a estudar isso profundamente e a trabalhar com times executivos.

Como o senhor avalia o Brasil em comparação a outros países?

O Brasil tem uma característica positiva: as pessoas falam mais abertamente do que em muitas culturas, como a japonesa. Mas ainda há muito medo de errar. A cultura corporativa é herdeira de práticas de controle e punição. Isso trava a inovação e reduz o engajamento.

Quais são os sinais de que uma empresa não tem segurança psicológica?

Quando as pessoas só trazem boas notícias. Quando o erro é visto como fracasso e não como aprendizado. Quando há silêncio nas reuniões. Quando colaboradores dizem “aqui a gente não fala o que pensa”. Esses são sinais claros de alerta.

A NR-1, que entra em vigor em 2026, pretende justamente endereçar esse tipo de problema. O Brasil está pronto?

A direção é boa, mas o Brasil não está preparado. O risco é que a norma vire um checklist burocrático. As empresas vão correr para cumprir os requisitos, oferecer treinamentos rápidos, e achar que fizeram sua parte. Mas segurança psicológica não se cria com palestra — se cria com comportamento.

O que seria uma aplicação verdadeira da norma?

É quando a liderança assume o tema como prática de gestão, não como obrigação legal. A mudança vem do exemplo: como os gestores respondem a um erro? Como reagem a um problema? Se a resposta for medo e punição, não há norma que resolva.

E em outros países que já implementaram políticas semelhantes?

A Austrália e os Estados Unidos têm legislações parecidas. E o problema é o mesmo: quando o tema vira só política pública, ele perde profundidade. Em vez de promover transformação, gera judicialização.

Quais os principais benefícios para empresas que fazem isso de forma genuína?

Mais inovação, melhor desempenho e menos burnout. Quando as pessoas podem falar abertamente, elas resolvem problemas mais rápido e tomam decisões melhores. A segurança psicológica não é “boa de se ter” — é essencial para a produtividade e a saúde organizacional.

E o que acontece quando ela não existe?

As pessoas escondem falhas dos chefes por medo de punição. Isso destrói empresas. O caso do banco Barings, retratado no filme Rogue Trader, é um exemplo: um erro não comunicado levou uma instituição centenária à falência.

Quais conselhos o senhor daria para quem quer aplicar segurança psicológica na empresa?

Primeiro, comece pequeno. Não precisa mudar toda a cultura de uma vez. Crie “microclimas” de confiança dentro da sua equipe. Segundo, estabeleça rituais de fala franca: uma reunião mensal, por exemplo, em que as pessoas possam dizer o que está difícil. Terceiro, valorize quem fala, mesmo que a ideia não seja boa. É o ato de falar que deve ser reconhecido.

Se você quer construir confiança, precisa mostrar que quem fala não será punido. As pessoas só vão se abrir quando perceberem que não há risco em fazê-lo.

Veja também: CEO da Roche Farma fala como é possível ter saúde dentro e fora da empresa no podcast "De frente com CEO", da EXAME.

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