Carreira

As mulheres vão fazer a nova revolução do trabalho?

As mulheres se preparam mais e se destacam em carreiras antes dominadas por homens. A competição vai aumentar muito se elas não saírem do jogo antes da hora


	Preços estáveis vão contra o que vem sendo defendido pelo mercado e pela presidente da Petrobras, Graça Foster
 (Divulgação/Petrobras)

Preços estáveis vão contra o que vem sendo defendido pelo mercado e pela presidente da Petrobras, Graça Foster (Divulgação/Petrobras)

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Da Redação

Publicado em 27 de maio de 2013 às 06h00.

São Paulo - Os últimos meses não têm sido fáceis para Maria das Graças Foster, de 59 anos, presidente da Petrobras, quinta maior companhia de petróleo do mundo. O ano de 2012 foi o pior dos últimos seis para a empresa — os custos operacionais aumentaram, o endividamento piorou, a produção de petróleo caiu.

Graça, como é chamada, precisou acalmar a fúria dos acionistas após informar que o pagamento de dividendos seria reduzido à metade. Negociou com credores e aguentou as pressões políticas.

As ações caíram. Investidores e analistas só começaram a se acalmar nas últimas semanas, após a Petrobras divulgar seu plano de negócios para 2013 e 2014, no qual anuncia a manutenção dos investimentos e da produção e assegura que não aumentará sua dívida. “Não passamos por crise, mas por um momento de enormes desafios”, afirma Graça. 

Na mesa de trabalho da 20a mulher mais poderosa do mundo (segundo a lista da revista americana Forbes), entre as pilhas de relatórios, balanços financeiros e planilhas de resultados também figuram esmalte, remédio para gripe e um DVD do músico inglês Phil Collins.

Graça passa 12 horas por dia em sua sala com vista para a Baía de Guanabara, na sede da Petrobras, no centro do Rio de Janeiro. Se a presidência da Petrobras é um posto inalcançável para a maioria dos profissionais, o que dizer de Graça Foster, que passou a infância na pobreza, no Morro do Adeus, dentro do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro?

Que trabalhou na adolescência para comprar material escolar e com sacrifício conseguiu formar-se engenheira química na Universidade Federal Fluminense. Graça entrou na Petrobras em 1978 como estagiária. A partir daí, sua lição de vida inclui uma aula sobre carreira — inspiradora para homens e mulheres.

Foi técnica por dez anos. Tornou-se uma referência em conhecimento dentro da Petrobras e do mercado de óleo e gás. Ficou mais conhecida do público quando assumiu a Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia no primeiro mandato do governo Lula. Foi a primeira mulher a assumir uma diretoria da Petrobras, em 2007.


Foi eleita presidente da empresa em 2012. Hoje, ela lidera 85 000 funcionários — 83% deles homens. No dia em que venceu as eleições de 2010, a presidente Dilma Rousseff declarou que todo pai e toda a mãe do Brasil podiam sonhar que suas filhas ocupassem o cargo mais alto da República. Graça é a versão desse mesmo sonho para o universo das empresas. 

A trajetória de carreira de Graça coincide com um período particularmente feliz para as mulheres brasileiras. Entre 1980 e 2000, o nível de escolaridade delas ultrapassou o dos homens. Hoje, entre a população com 15 anos ou mais de estudo, as mulheres são 57,5%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Graça Foster, por exemplo, fez nesse período um mestrado, um MBA e uma especialização. Nos cinco últimos anos, um novo movimento animador começou a se consolidar. Agora, as mulheres estão começando a ingressar nas carreiras tradicionalmente masculinas, principalmente as engenharias.

Apesar de ainda representarem uma parcela pequena do mercado, entre 2000 e 2010 a presença de mulheres entre os formandos cresceu 52,4% na engenharia eletrônica; 48,5% nas ciências atuariais e 42,3% na engenharia de produção. “Trata-se de uma mudança cultural importante na sociedade brasileira”, diz o professor Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, de São Paulo.

“Hoje, os pais querem que suas filhas tenham uma carreira.” A tendência é de que nos próximos anos o movimento se amplie. No vestibular de 2012 da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, as mulheres eram 14% dos 1 795 inscritos. Nos cursos tradicionalmente femininos, como pedagogia e enfermagem, a presença de garotas está caindo.

E entre os recém-formados em administração de empresas, uma profissão antes dominada por homens, hoje há um empate. O dado negativo é a área de ciências da computação, um dos mercados que mais absorvem profissionais atualmente, que teve um decréscimo na participação de mulheres — caiu de 40% para 28% de 2000 para 2010.  

A entrada das mulheres nas carreiras de exatas é um passo importante para eliminar a barreira mais resistente que o sexo feminino encontra no mercado: a presença de mulheres nos cargos mais altos das empresas. Entre as 500 maiores companhias da Bolsa de Nova York, 33% dos presidentes são engenheiros e 11% são administradores de empresas.


Um estudo da Escola de Negócios Wharton mostra que uma das razões para a baixíssima presença de mulheres em altos cargos executivos — apenas 3% das empresas brasileiras têm mulheres na presidência — está nas escolhas que elas fazem na origem da carreira.

“Se você quer entender por que elas ganham menos, precisa entender as decisões de carreira que elas tomam”, disse o professor Matthew Bidwell, da Wharton, à VOCÊ S/A. “As mulheres tendem a se concentrar em áreas ligadas ao cuidado, como pedagogia e enfermagem, e exercem papéis de suporte dentro das empresas, como psicologia e comunicação”, diz Regina Madalozzo, pesquisadora do Insper, de São Paulo.

Para todas as executivas entrevistadas nesta reportagem, a educação foi o melhor apoio disponível para superar as barreiras culturais ao longo da carreira, entre elas o machismo. “Elas estudam mais porque essa é uma variável possível de ser controlada”, diz o coach Augusto Carneiro, do Rio de Janeiro.

“Ao investir na formação, se previnem contra uma ocasional discriminação.” Ao fazer a escolha por profissões como engenharia e administração, as mulheres estão se habilitando para competir pelos cargos que levam ao olimpo empresarial.

“São poucas as mulheres na área de exatas, um tipo de conhecimento que ajuda muito no mundo corporativo. Para crescer nas corporações, é preciso ter uma base numérica”, diz Sylvia Coutinho, diretora de varejo e gestão de patrimônio para a América Latina do banco HSBC, de São Paulo, que é formada em engenharia, com mestrado em economia e MBA em finanças. 

Um novo gás 

Mas nem todas as mulheres estão dispostas a aguardar a próxima geração de profissionais crescer para conferir se haverá uma evolução na igualdade entre os sexos. Numa década em que levantar bandeiras e causas tornou-se um hábito democrático saudável em todo o mundo, era de se esperar que surgisse alguém com a intenção de revitalizar o movimento feminista.

Neste ano, esse papel foi assumido pela americana Sheryl Sandberg, chief operations officer (COO) do Facebook. Em abril, chega ao Brasil seu livro Faça Acontecer (Companhia das Letras, 288 páginas), no qual Sheryl conclama as mulheres a retomar a revolução feminina, que, em suas palavras, estagnou.


Nos Estados Unidos, as mulheres igualaram os homens em termos de formação 30 anos atrás. E pouca coisa mudou desde então — mundialmente elas ocupam 9% das cadeiras de presidentes e 21% das diretorias e vice-presidências. Por isso, na opinião de Sheryl, é hora de dar um novo gás na revolução.

A proposta está no título de seu livro. Em inglês, a obra chama-se Lean In, uma gíria que descreve um movimento de forçar uma passagem, como faz quem precisa descer de um ônibus lotado. “Além dos obstáculos externos levantados pela sociedade, nós mulheres também somos tolhidas por barreiras dentro de nós mesmas.

Nós nos refreamos de várias maneiras, em coisas grandes ou miúdas, por falta de autoconfiança, por não levantar a mão, por recuar quando deveríamos fazer acontecer”, escreve Sheryl no primeiro capítulo. Na edição brasileira, a tradução optou pela expressão “fazer acontecer”, que é mais fácil de entender, mas não expressa com precisão a atitude arrojada que Sheryl propõe. 

Alguns dos argumentos são fortes. O modelo de trabalho atual foi pensado por homens e para homens, numa época em que eram eles os provedores financeiros de uma família enquanto as mulheres eram responsáveis pela educação e administração do lar — nisso, todas as entrevistadas desta reportagem concordam.

“Minha geração foi ingênua e idealista”, diz Sheryl no livro. Para a geração da número 2 do Facebook, que está no poder agora, acreditar na igualdade significava crer que, conforme as mulheres ocupassem espaço no mercado de trabalho, haveria uma divisão de tarefas familiares com os companheiros, por um lado, e flexibilidade das empresas para permitir que elas cumprissem sua metade das responsabilidades pessoais, por outro.

No entanto, não foi assim que aconteceu. “Fomos pegas de surpresa”, escreveu Sheryl. O resultado são gerações mais novas de mulheres que se veem obrigadas a optar por carreira ou família. “Há uma enorme evasão nas empresas quando as mulheres chegam aos postos de liderança”, diz Rosiska Darcy, pesquisadora e escritora feminista, do Rio de Janeiro.

“Os problemas da vida privada e doméstica costumam ser vistos como de maior interesse da mulher, mas não deveriam ser.”

“O que você faria se não tivesse medo?” é uma pergunta estampada em cartazes nos corredores do Facebook, ao lado de outras como “Seja ousado”, por exemplo. Sheryl repete a questão no livro.


Ela quer que suas leitoras pensem grande, tenham uma vista aérea da questão feminina. “Os homens são aplaudidos por serem ambiciosos ao passo que as mulheres costumam pagar um preço social por isso.”

No livro, ela cita uma pesquisa da McKinsey de 2012 com 4.000 profissionais que aponta que 36% dos homens querem se tornar executivos enquanto apenas 18% das mulheres aspiram ao mesmo. Nem todas as profissionais precisam desejar altos postos, mas Sheryl defende que elas não se sintam acuadas em lançar-se de maneira ambiciosa na carreira.

A executiva previu que receberia críticas. Uma delas é que estaria culpando a vítima: ela aponta que são as próprias mulheres as responsáveis pelo estado atual das coisas.

“De jeito nenhum. Acho que a liderança feminina é elemento essencial da solução”, escreve. A outra crítica diz respeito ao fato de que é fácil falar sendo uma executiva rica, capaz de comprar a ajuda necessária para seguir investindo na carreira. “Minha intenção é dar conselhos que teriam sido úteis para mim muito antes de ter ouvido falar de Google ou Facebook.”

Mas há outros pontos que merecem discussão. O discurso de Sheryl parece ignorar décadas de luta em busca de um cenário mais igualitário. “O que vejo são mulheres progredindo sempre”, afirma Rosiska.

Num dos avanços recentes mais relevantes, o Parlamento Europeu aprovou, em novembro de 2012, uma proposta que estabelece a cota de 40% de mulheres em conselhos de administração até 2020. Espanha, França e Itália têm iniciativas semelhantes. No Reino Unido, a meta é de 25% até 2015, a mesma para a diretoria da mineradora Anglo American.

“O objetivo foi obrigar as filiais a investir na mudança em curto prazo”, diz Wagner Silva, gerente-geral de recursos humanos da unidade de negócios de minério de ferro da Anglo American.

Em agosto de 2008, quando a unidade foi inaugurada, havia 99 funcionárias. Hoje, são 267 (de 827 empregados no total) e 14% dos cargos de liderança são delas. “Valorizamos a competência pessoal, sem diferenciar gêneros”, diz a economista Siham Hassan, diretora de gerenciamento de informação. 


A filial brasileira da SAP, empresa de origem alemã e fornecedora de software de gestão, está lançando um programa no qual executivos do alto escalão da empresa devem dar apoio individualizado a mulheres em cargos de gerência. A medida tem por objetivo levar mulheres ao topo da companhia, que atua em um dos setores mais masculinizados do mercado.

“A ideia é que as mulheres sejam mais vistas e consideradas para posições mais altas”, diz Paula Jacomo, diretora de RH da SAP. Na consultoria Accenture, há uma diretriz para privilegiar o sexo feminino e a diversidade de maneira geral.

A empresa tem 27% do corpo de diretores formado por mulheres e há uma meta de chegar a 30% de executivas em um ano, um trabalho que começa desde o recrutamento de novos funcionários. “As capacidades e as habilidades femininas fazem a diferença”, diz Roger Ingold, presidente da Accenture no Brasil.

No site de empregos Catho, de São Paulo, que desde 2012 passa por uma reestruturação, a meta do novo presidente, Claus Vieira, é montar uma diretoria que seja composta meio a meio por homens e mulheres. “Foi um objetivo que me impus”, diz Claus. “Equilíbrio de gênero leva a processos de tomada de decisão equilibrados.”

Neste século, a bandeira de Sheryl Sandberg — levar mais mulheres aos principais cargos das empresas — é algo que dificilmente vai encontrar discordância entre homens e mulheres, pelo menos conscientemente. Executivos homens não ousarão discordar que o equilíbrio é bom, considerando-se que são pais, maridos ou, no mínimo, filhos de uma mulher.

“Certa vez chamei um headhunter e, quando fomos fazer a descrição do cargo, ele me perguntou se havia algum problema em contratar uma mulher. Fiquei olhando para ele, demorei para entender o que ele queria dizer”, diz Arthur Grynbaum, presidente do Boticário. “Não faço essa distinção.”  

Estimular a ambição feminina, uma das propostas de Faça Acontecer, é um convite arriscado. Confundida com agressividade, a atitude necessária para crescer pode levar as profissionais a um erro que as primeiras gerações de executivas cometeram: comportar-se como homens.

“O problema é que não fica natural”, diz a consultora Irene Azevedo, da LHH|DBM, empresa de transição de carreira de executivos, de São Paulo. Um dos desvios mais comuns é exagerar na firmeza. “A questão é que assumir um tom que não é o próprio não funciona para ninguém”, diz Irene.   


O que Sheryl não fez no livro — e talvez devesse fazer — é perguntar às mulheres o que elas querem. A resposta poderia ser desapontadora. Uma pesquisa realizada pela Accenture com profissionais de diversos países, inclusive o Brasil, identificou que elas estão mais interessadas na flexibilidade e no equilíbrio da vida profissional e pessoal do que no alto salário.

Para 58% das entrevistadas, o equilíbrio profissional-pessoal é o mais importante, seguido por salário (45%) e reconhecimento (43%). A pesquisa da Accenture concentra foco na relação das profissionais com o trabalho em âmbito mundial.

Mas a principal executiva do Facebook também pode ter desconsiderado diferenças culturais na hora de escrever o livro, usando seu ponto de vista de americana formada na Universidade Harvard e que fez carreira no Vale do Silício.

A antropóloga paulista Mirian Goldenberg, pesquisadora de antropologia cultural e sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de livros como A Outra e Toda Mulher É Meio Leila Diniz, entende que a noção de realização da brasileira passa por itens externos ao trabalho.

“Para as mulheres brasileiras, diferente mente das de outras culturas, o trabalho tem que vir junto com uma vida familiar feliz, com tempo e pelo menos um filho”, diz Mirian, que destaca que o corpo também é uma preocupação. “É como se elas tivessem três grandes áreas a dominar para ser felizes e bem-sucedidas: o trabalho, a família e a aparência.”

Nessa busca, muitas acabam se autoexcluindo das posições de liderança, já que chegar a cargos mais altos exige uma dedicação grande, que as obriga a sacrificar outras áreas da vida. “Elas querem sucesso profissional, mas não é a prioridade”, diz Mirian.  

Uma última informação: no período em que as brasileiras passaram os brasileiros no item escolaridade, o número absoluto de homens com grau superior também aumentou. Isso significa que há mais profissionais qualificados hoje do que em qualquer outra época.

Chegar a posições de liderança é uma competição que o mercado impõe. Vence quem se dedica mais, e é preciso avaliar quem deseja isso. Para Mirian, a maioria dos profissionais, homens e mulheres, está mais preocupada com o bem-estar do que com o sucesso.

“Há gente que ainda dá mais importância para poder e dinheiro, mas as pessoas descobriram que conquistar essas coisas tem um preço alto”, diz Mirian. Sheryl Sandberg quis e pôde pagar. Resta saber se isso é uma revolução. 

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