Um estatístico pode trabalhar em qualquer ramo em que exista um banco de dados e que necessite de uma análise desse banco para a tomada de uma decisão (Getty Images)
Camila Pati
Publicado em 13 de novembro de 2012 às 16h48.
São Paulo – Na era do petabytes, a armazenagem de dados atinge quase que o infinito. É o tempo dos “big data”, ou seja dos megabancos de dados que armazenam informações dos variados tipos. A questão é o que é, o que fazer e como entender o que “diz” todo esse universo numérico. A resposta está com profissionais de uma carreira pouco explorada e em que sobram oportunidades no Brasil: a estatística.
Na última semana, Nate Silver, um estatístico (que é economista por formação), mostrou o que é possível fazer com os números e colocou a estatística no centro das atenções das eleições americanas. Provou que uma análise minuciosa dos dados de pesquisas eleitorais combinada com equações sofisticadas de ajuste de componentes pôde resultar na previsão de que Barack Obama seria reeleito presidente da nação mais poderosa do mundo.
O americano Nate Silver previu corretamente, a partir de estimativas matemáticas quem ganharia em cada um dos 50 estados americanos e no distrito de Colúmbia, onde está a capital. Em 2008, já havia previsto corretamente o resultado das eleições em 49 dos 50 estados. Ou seja, com alguns ajustes às suas complicadas equações mostrou que podia chegar a 100% de acerto.
Mas a estatística vai além. O filme "Moneyball – O Homem que mudou o jogo" prova que a análise dos números também é certeira no esporte. O longa, baseado em fatos reais, mostra como a estatística é capaz de virar o jogo quando o gerente do time baseball Auckland Athletics, no início dos anos 2000, começa a utilizá-la como aliada para montar uma equipe vencedora.
Amplo campo de atuação
De acordo com Doris Fontes, presidente do Conselho Regional de Estatística da 3ª Região (CONRE), o uso da estatística é mesmo bem amplo. “Um estatístico pode trabalhar em qualquer ramo em que exista um banco de dados e que necessite de uma análise dessas informações para a tomada de decisão”, explica.
“Toda vez que você precisa fazer previsões, você precisa de estatístico”, diz o professor Carlos Aberto Pereira, chefe do departamento de Estatística, do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP). Assim os estatísticos podem atuar na indústria, no comércio, no esporte, no setor financeiro, em institutos de pesquisa, na agricultura e em pesquisas e previsões eleitorais e por aí vai.
Como Nate Silver, Pereira é especialista justamente na parte eleitoral. “Só que aqui a gente não tem a visibilidade que o Nate Silver tem lá”, diz o professor. Mas na opinião dele, a façanha do estatístico nas eleições americanas talvez abra mais caminhos por aqui também. “Você vê todo o aparato que o Nate Silver tem, é preciso uma grande equipe, investimento. Eu sozinho não consigo fazer o que ele faz”, diz.
E se além das pesquisas eleitorais, o uso da análise de dados numéricos no baseball americano também é uma realidade, no esporte brasileiro, o uso da estatística é ainda bem tímido, diz Doris.“Algumas equipes já contam com a ajuda de estatísticos para fazer previsões de resultados de futebol, mas um profissional que fique com a equipe o tempo todo é bem raro”, diz.
De acordo com ela, a atuação dos estatísticos poderia sem bem maior. “Se a gente pensar na quantidade de esportes praticados no Brasil e pensar que teremos uma Olimpíada aqui e que o desempenho das nossas equipes nunca é tão bom, a atuação dos estatísticos poderia entra aí, para contribuir”, diz.
Escassez de profissionais
Apesar de abrangente, no Brasil, a estatística ainda é uma carreira pouco explorada. “As empresas ainda não perceberam o valor do trabalho de um estatístico”, diz Doris. A especialista estima que haja algo em torno 8 mil estatísticos trabalhando no país.
Por ano, formam-se menosde 500. “Nos Estados Unidos há uma projeção feita em 2008 de que até 2018 seriam necessários 190 mil profissionais para trabalhar com esses megabancos de dados e mais 1,5 milhão de pessoas só para analisar esses dados”, diz Doris.
No ritmo em que caminha a formação de estatísticos no Brasil, seriam necessários 40 anos para que o Brasil reunisse apenas 20 mil profissionais, pouco mais de 1% da necessidade estimada nos Estados Unidos.“A escassez de profissionais é tão grande que a estatística tem pleno emprego no Brasil”, diz Pereira.
Áreas mais promissoras
Se para que o esporte a política se tornem áreas promissoras para a profissão é preciso que o tempo confirme essa tendência, há outros setores que já começam a absorver mais profissionais. Confira quais são eles:
1 Setor financeiro
De longe é o que mais contrata e também o que mais valoriza este tipo de profissional. “É a área mais promissora e a que tem os salários mais altos”, diz Dóris. Segundo ela, este cenário é assim já há alguns anos. “Os bancos começaram a perceber o valor do estatístico e há núcleos específicos para eles nas instituições financeiras”, diz Doris.
“Quem está pagando melhor são os bancos, as empresas de cartão de crédito”, concorda Pereira. De acordo com os dois especialistas, um recém-formado começa ganhando algo em torno de 4 mil reais e pode galgar rapidamente o dobro, fazendo diferentes tipos de análises financeiras, análises e projeções de risco, análise de oferta crédito entre outras funções.
2 Indústria
A indústria é outro setor que tem contratado mais os serviços dos estatísticos. “Esses profissionais contratados estão abrindo caminho para outros estatísticos dentro das indústrias”, diz Doris.
A contribuição de um estatístico pode ser grande para o setor. “Testes de novos produtos, análise de posicionamento do produto no mercado, saber como a empresa se situa entro os concorrentes, análise de satisfação dos funcionários, dos consumidores”, cita Doris sobre as diferentes possibilidades de trabalho. Além de “controle de qualidade, marketing do produto”, completa Pereira.
3 Setor de Telecomunicações
Na opinião de Dóris, também um setor com grande potencial de contratação. “Hoje o grande gargalo das empresas de telefonia são as reclamações. Com a concorrência acirrada, fidelizar o cliente é importante, porque do contrário ele muda de operadora”, diz Dóris.
O trabalho do estatístico pode contribuir para que a empresa detecte, por exemplo, onde está a maior insatisfação para corrigir o problema e não perder clientes. Decisões sobre onde iniciar a expansão da cobertura também são baseadas em estatísticas, diz Doris.
4 Agronegócio
“Muito do trabalho de um agrônomo é baseado em estatísticas que provem que aquela determinada planta produz melhor”, diz Pereira. Aumento e eficiência da produção, análise de mercado, projeções para o agronegócio em geral. A atuação de um estatístico também é vasta no setor.
5 Área biomédica
Na opinião de Doris, é uma área que merece atenção para os profissionais que seguem a carreira estatística. “É uma área muito importante, imagine uma pessoa usar um medicamento durante anos e depois descobre-se que durante os teste com aquele remédio houve um erro estatístico? Os danos são enormes”, diz Doris.
Testes, lançamento de medicamentos, pesquisas biomédicas em geral, controle de segurança de cosméticos. Em todas estas atividades se encaixa o trabalho estatístico. “O problema é que os salários não são altos e por isso esta área ainda atrai poucos estatísticos”, diz Doris.
Há escassez de estatísticos também para trabalhar com pesquisas e coletas de dados nos próprios hospitais, diz Pereira. “Os hospitais querem contratar, mas tem pouca gente para trabalhar com isso”, diz o professor.