Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores: órgão realiza concursos anuais (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 24 de julho de 2014 às 13h30.
São Paulo - Provavelmente, a imagem que vem à cabeça da maior parte dos brasileiros ao falar de migrações internas é a de uma pessoa pobre, de baixa escolaridade, que deixa sua cidade do interior rumo aos grandes centros em busca de melhores condições de vida. Mas o perfil do migrante brasileiro mudou.
Hoje, quem mais vem deixando sua cidade em busca de melhores oportunidades de carreira são profissionais altamente qualificados. Tanto que o tradicional fluxo rumo ao Sudeste se inverteu. São Paulo e Rio Janeiro, antes polos de atração, se transformaram em celeiros exportadores de talentos, com o maior índice de evasão de cérebros do país.
É o que aponta um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em dezembro.
Atualmente, Brasília, Curitiba e Florianópolis encabeçam a lista das cidades preferidas dos migrantes de alta escolaridade. A capital federal recebeu 42 000 pessoas com formação superior de 2005 a 2010, enquanto 122 000 profissionais com diploma deixaram São Paulo no mesmo período. “São Paulo, que já foi conhecida como capital dos imigrantes, agora tem uma movimentação muito mais para fora do que para dentro”, diz o pesquisador Aguinaldo Maciente, um dos responsáveis pelo estudo do Ipea.
O cenário é reflexo da descentralização da riqueza, antes concentrada nas metrópoles brasileiras. Para ter uma ideia, na última década o PIB do interior cresceu 49%, cerca de 10 pontos percentuais mais do que o dos grandes centros urbanos. Somado a isso, os investimentos públicos e privados, antes concentrados no Sul e no Sudeste, também estão migrando para outras regiões.
Com essa desconcentração econômica — que levou muitas indústrias a se instalar fora da região metropolitana de São Paulo, atraídas sobretudo por incentivos fiscais —, houve um salto significativo no desenvolvimento de cidades em torno das capitais.
À medida que as indústrias se instalaram fora do eixo Rio-São Paulo, tanto essas cidades foram evoluindo quanto o mercado de trabalho local, que oferece oportunidades mais interessantes”, diz Fernando Mantovani, presidente da Robert Half, consultoria de recrutamento, de São Paulo. “Por isso, muitos profissionais enxergam a chance de ter um emprego com salário competitivo e qualidade de vida”, diz Fernando.
A possibilidade de viver longe dos engarrafamentos quilométricos, com um custo de vida menor, tem atraído o profissional de alta escolaridade a fazer carreira longe dos grandes centros. E, diferentemente de alguns anos atrás, hoje a realidade nesses lugares é bem diferente, com boa infraestrutura: escolas, transporte público, saúde e lazer.
“Em muitos casos, o profissional não se distancia dos grandes centros, encontra boa infraestrutura, emprego com salário competitivo e melhor qualidade de vida”, explica José Irineu Rigotti, professor do centro de desenvolvimento e planejamento regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Novo perfil da mobilidade
A forma como a mobilidade vem acontecendo é outro aspecto que chama a atenção na migração da mão de obra qualificada. Se antes existia certa resistência dos profissionais de sair de onde estavam, hoje é crescente o número de pessoas que buscam voluntariamente oportunidades fora dos grandes centros. “Há uma mudança de mentalidade dos profissionais”, opina José Irineu, da UFMG.
Para Adriana Prates, da Dasein, consultoria de recrutamento executivo, as ofertas feitas pelas empresas para postos no interior do Brasil estão mais atraentes do que no passado, o que contribui para esta transformação.
“Com as companhias mais presentes fora de São Paulo, o número de vagas aumentou e não se encontra tão facilmente profissionais de primeira linha em outras regiões”, diz.
Diante da disputa por mão de obra qualificada, a tendência é que os profissionais dos grandes centros recebam propostas cada vez melhores, com salários competitivos, benefícios atraentes e cargos mais altos no interior. “Além disso, a mobilidade traz um diferencial para o currículo em relação aos concorrentes”, acredita Adriana.
Carreira pública em Brasília
Campeã de atração dos brasileiros com alta escolaridade, Brasília (DF) é a cidade que mais recebe pessoas com formação superior completa ou em curso, absorvendo em torno de dez imigrantes por dia. E a razão para esse movimento é simples: a chance de ter um emprego público que oferece estabilidade e salários altos.
“Brasília se beneficiou muito da chegada de diplomados nos últimos anos”, afirma Aguinaldo Maciente, do Ipea. Prova disso é que a capital federal possui o maior produto interno bruto (PIB) per capita do país. Na cidade, a renda anual média é de 63 000 reais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Profissionais em alta: Carreiras de nível superior de todas as áreas
Menor desemprego em Curitiba
A região metropolitana de Curitiba tem a menor taxa de desemprego do país — 3,8% de acordo com o IBGE — e, nos últimos três anos, a oferta de trabalho cresce em ritmo superior ao do aumento da população, resultando na escassez de mão de obra qualificada.
“Existe muita oportunidade não apenas para o chão de fábrica mas sobretudo para especialistas que acabam sendo ‘importados’ de outros grandes centros econômicos”, diz Roberto Picino, diretor da Page Personnel, empresa de recrutamento com filial na capital curitibana.
Entre os setores que mais impulsionam a economia local está a indústria automobilística, que se instalou na região atraída por incentivos fiscais. Recentemente, algumas das maiores montadoras anunciaram investimentos de 2 bilhões de reais, os quais devem gerar quase 3 000 vagas nos próximos meses.
A Volkswagen é uma delas. A empresa destinará 520 milhões de reais para a ampliação de sua fábrica em São José dos Pinhais — a 7 quilômetros do centro de Curitiba —, que será a única da América Latina a fabricar o novo Golf. A previsão é que sejam contratados de 400 a 700 funcionários para cargos técnicos e administrativos.
Outra empresa que vem reforçando seus quadros é a Renault. Só no ano passado, foram abertas 400 novas vagas em sua planta. “É muito difícil achar profissionais para cargos técnicos e de gestão. Os melhores já estão empregados, por isso vamos buscar fora da região”, conta Ana Paula Camargo, diretora de RH da Renault, que tem em São Paulo e Belo Horizonte os maiores polos exportadores de mão de obra especializada.
Um termômetro disso é a forma como a consultoria Asap na Região Sul preencheu os postos abertos. “Tivemos 45% das vagas preenchidas por profissionais de fora de Curitiba”, revela Mariciane Gemin, diretora da Asap. “Os profissionais que escolhem Curitiba costumam estar em busca de um local que alie um trabalho interessante a um ambiente tranquilo”, diz.
Para ela, Curitiba atrai quem vai com a família, já que há boas escolas e o mercado aquecido permite ao cônjuge se recolocar.
Profissionais em alta: Engenheiros mecânicos e executivos de todas as áreas
A força do interior paulista
Amaior parte dos paulistanos com curso superior que deixaram a capital paulista nos últimos anos seguiu para cidades no próprio Estado. De acordo com o Ipea, Itapecerica da Serra, Osasco e Campinas foram as cidades paulistas que mais receberam migrantes de nível superior.
Entre os motivos que levaram tanta gente para Itapecerica e Osasco, segundo o Ipea, estão menor custo de vida e a proximidade com São Paulo, para quem decide continuar trabalhando ou estudando na capital.
Já a região de Campinas liderou a captação de novas empresas no ano passado. Conforme a Investe São Paulo, agência de atração de empreendimentos para o estado, os novos negócios e a ampliação de operações na região estão gerando cerca de 3 500 empregos em empresas como Honda e Lenovo.
A montadora está construindo sua segunda planta no país, na vizinha Itirapina, com a previsão de 2 000 novos postos de trabalho para engenheiros e técnicos na área de mecânica. Já a Lenovo vai instalar um centro de pesquisa e desenvolvimento de software no parque científico da Unicamp, com oportunidades para mestres e doutores. “Campinas vem recebendo importantes investimentos, o que chama a atenção dos profissionais”, diz Fernando Mantovani, da Robert Half.
Profissionais em alta: Engenheiros, técnicos na área de mecânica, mestres e doutores em carreiras tecnológicas
Florianópolis e Vitória, as campeãs em qualidade de vida
Considerada a capital brasileira mais desenvolvida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em aspectos como educação, longevidade e renda, Florianópolis (SC) se destaca pela qualidade de vida. Nos últimos cinco anos, transformou-se em centro de inovações tecnológicas e empreendedorismo.
A cidade possui cerca de 600 empresas de software, hardware e serviços de tecnologia, que geram cerca de 6 000 empregos diretos. O setor de tecnologia fatura 1 bilhão de reais e é o segundo gerador de tributos aos cofres municipais.
Ainda em Santa Catarina, Itajaí também aparece na lista das cidades que mais atraem mão de obra qualificada. Nos últimos cinco anos, ela registrou um crescimento médio de 153%. A força da economia local gira em torno de seu complexo portuário, impulsionando a indústria naval.
Várias empresas vêm sendo atraídas de olho na exploração do pré-sal, abrindo espaço para a instalação de novos estaleiros às margens do rio Itajaí-Açu. É o caso da Oceana Offshore, do fundo P2 Brasil, formado pelas empresas Pátria Investimentos e grupo Promom.
Além delas, pelo menos outras cinco empresas que prestam serviço em construção de embarcações, manutenção e módulos para plataformas estão em fase de instalação, com a previsão de gerar 4 000 empregos.
“O setor de logística é o que mais demanda executivos de fora, que têm boa formação, experiência e inglês”, destaca a headhunter Eliane Rodrigues, da consultoria De Bernt Entschev Human Capital.
Em termos de qualidade de vida, quem não fica muito atrás de Florianópolis é Vitória (ES), segundo lugar entre as melhores capitais brasileiras para viver, segundo a ONU. A capital capixaba é um dos principais pontos de escoamento da produção nacional.
Suas vias de acesso compreendem rodovias, dois grandes portos — o de Vitória e o de Tubarão, ferrovia e um aeroporto, fazendo a economia girar ao redor das atividades portuárias, do comércio e do turismo de negócios. Neste ano, investimentos em todo o Espírito Santo vão aportar 24,8 bilhões de reais e gerar 44 500 empregos. Merece destaque o início das atividades do estaleiro Jurong Aracruz e da plataforma P-58, no litoral sul do estado.
Profissionais em alta: Engenheiros da computação, especialistas em logística, engenheiros de minas, profissionais de óleo e gás
grandes obras em porto nacional
Grandes obras em porto nacional
Fechando a lista dos destinos favoritos da mão de obra qualificada no Brasil está Porto Nacional, que vem despontando como importante polo de desenvolvimento de Tocantins.
A logística de transportes e a infraestrutura da região, somadas a uma agressiva política de incentivos fiscais, favorecem a instalação de grandes indústrias, como é o caso da Raízen — joint venture entre Shell e Cosan — e da BR Distribuidora, da Petrobras. A Raízen está expandindo suas operações no município para movimentar etanol e gasolina, além de diesel.
A previsão é gerar 200 empregos neste ano. A BR Distribuidora, por sua vez, iniciou no ano passado a operação de sua base de distribuição. Sua maior obra no país, a base gerou 500 empregos.
Profissionais em alta: Engenheiros de operações, engenheiros mecânicos, especialistas em segurança do trabalho.
Belo Horizonte high-tech
Belo Horizonte também aparece entre os principais destinos de profissionais com alta escolaridade. O setor de serviços, que vem puxando a economia nos últimos anos, tem absorvido boa parte dessa mão de obra.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), relativos a 2013, mostram que o setor foi um dos que mais contribuíram para o aumento dos empregos com carteira assinada no estado, criando 43 532 postos de trabalho. A área de tecnologia é um dos destaques do setor.
O bairro de São Pedro, situado na região centro-sul, ganhou o apelido San Pedro Valley em alusão ao Vale do Silício, por se tornar um novo polo digital do país. O local concentra 117 startups, que devem impulsionar os negócios ligados ao setor de tecnologia da informação e comunicação na região metropolitana de Belo Horizonte, cujo faturamento deve saltar de 2 bilhões para 9 bilhões de reais até 2022.
Profissionais em alta: Profissionais de TI, programadores, webdesigners, especialistas em marketing digital