Carreira

Os jogos virtuais reinventam o treinamento

O RH investe em jogos virtuais para selecionar e treinar profissionais. Veja quais são as vantagens e desvantagens em relação aos métodos tradicionais

Fábio Patrus, do RH, e Karine Bachi Eduardo, auxiliar administrativa, entre o ambiente real e o virtual, desenhado para ensinar as normas de segurança do trabalho aos funcionários do Sírio-Libanês (Fabiano Accorsi)

Fábio Patrus, do RH, e Karine Bachi Eduardo, auxiliar administrativa, entre o ambiente real e o virtual, desenhado para ensinar as normas de segurança do trabalho aos funcionários do Sírio-Libanês (Fabiano Accorsi)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 11h47.

São Paulo - O executivo Fábio Patrus Mundim Pena, superintendente de gestão de pessoas do Hospital Sírio-Libanês, precisava treinar 3 000 funcionários de acordo com a nova legislação de segurança e saúde no trabalho. Antes de Patrus assumir o cargo, o hospital havia contratado uma consultoria para capacitar os funcionários no auditório por meio de uma apresentação com o uso de slides. Patrus discordava desse método por achar que os empregados aprenderiam pouco. “Numa aula passiva, a pessoa só se concentra por 20 minutos. Depois, dispersa ou cochila.” 

Com a ajuda de uma consultoria, Patrus descobriu uma alternativa para as aulas tradicionais: os jogos virtuais, ou game-based learning (aprendizado com base em jogos). Também conhecida como serious games (brincadeiras sérias), a ferramenta permitiria que os funcionários vivenciassem situações de risco sem se machucarem. E Patrus aproveitaria para ensinar aos excluídos digitais a mexer num computador. Colaboradores da área de segurança e limpeza foram os primeiros a passar pela capacitação, de 45 minutos. No começo, eles tinham tarefas simples, como arrastar um bombom até uma cesta ou vestir um boneco com os equipamentos de segurança. “Com isso, eles aprenderam a usar o mouse e se familiarizaram com o PC”, diz Patrus. Depois, uma fotonovela baseada no hospital os induzia a responder perguntas sobre as regras de segurança e saúde no trabalho. 

Além da capacitação, os jogos virtuais têm outras serventias. Os pesquisadores da University of Southern California, por exemplo, os usam para tratar soldados que voltam da Guerra do Iraque com estresse pós-traumático e na recuperação de pacientes com derrame cerebral. Trata-se de um mercado novo, mas em expansão. Em 2006, segundo um estudo do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, empresas e governo gastaram 125 milhões de dólares com esses jogos — mais do que o dobro do valor investido no ano anterior. A expectativa, de acordo com o New Media Consortium (um grupo sem fins lucrativos de educadores), é que esses jogos representem a maioria dos projetos de educação até 2012.

No Brasil, um dos primeiros jogos de negócios foi o Desafio Sebrae, lançado em 2000. Na época, para aumentar o número de empreendedores, o Sebrae criou um programa que ensinava a universitários as etapas de um negócio, desde a compra da matéria-prima até a venda do produto. Em 2000, o jogo teve 800 participantes. Dez anos depois, pulou para 184 000 — sendo 158 000 brasileiros e 26 000 de oito países da América Latina. 


No Desafio Sebrae, segundo Marcus Vinicus Bezerra, coordenador do projeto, todos os afazeres de uma empresa são simulados. Os universitários contratam secretária, compram matéria-prima, estudam preço, vendem. No meio do caminho, acontecem situações inesperadas, que os forçam a tomar decisões rapidamente. “Às vezes, falta matéria-prima, os funcionários entram em greve ou a demanda os obriga a fabricar em turnos dobrados e a pagar hora extra”, diz Bezerra. Agora, o cenário é de uma fábrica de instrumentos musicais (em homenagem às vuvuzelas), mas já foi de produtos de surfe, móveis, sapatos femininos, brinquedos.

A Coca-Cola Brasil seguiu uma linha parecida no projeto Coletivo: desenvolveu um jogo que simula um supermercado para transformar jovens de baixa renda de seis estados em promotores de venda. Eles organizam os produtos na geladeira e aplicam conhecimentos de marketing e matemática para aumentar as vendas. No fim, 30% são contratados pelas fábricas da Coca-Cola e de seus parceiros. “Os jovens do Coletivo têm uma experiência prática, mesmo que virtual”, diz Pedro Massa, gerente de negócios da Coca-Cola Brasil. 

Outras empresas, como o Santander, passaram a utilizar jogos para atrair candidatos. A equipe de Paula Giannetti, superintendente de RH do banco, descobriu em 2009 que seu tradicional programa de trainee desmotivava os jovens: o banco recebia 30 000 inscrições para contratar uns 30. O processo seletivo era cheio de entrevistas e, muitas vezes, de viagens para outras cidades. A melhor forma de manter um bom relacionamento com os jovens era ter um programa constante e que os ajudasse a escolher seu caminho, dentro e fora do Santander.

A equipe de RH criou, então, dois tipos de jogos: um ajuda o jovem a decidir seus objetivos de carreira; outro ensina tarefas do banco, como riscos de crédito e mesa corretora. Os jogos, ao lado de outras mídias sociais, estão no portal Caminhos e Escolhas, que se tornou a principal porta de entrada no banco para pessoas com até 32 anos. “Agora, teremos jovens entrando o ano inteiro, conforme surjam as vagas”, diz Paula. O antigo programa de trainee deixou de existir. O Santander manterá o portal e os jogos com apenas 60% do dinheiro que era gasto anteriormente. 

Para Lino de Macedo, professor titular de psicologia do desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a principal vantagem dos jogos é que eles permitem colocar um grande número de pessoas numa mesma tarefa, exigir uma decisão e observar e comparar suas reações em tempo real, com gráficos e relatórios. E o grau de aprendizado, mostram estudos, é 54% maior em comparação aos outros modelos de treinamento. Isso porque nosso cérebro aceita a experiência virtual como real. Ao ver as figuras digitais, os scripts sociais do cérebro são ligados e o comportamento social é automaticamente disparado. Mesmo sabendo que está interagindo com um computador, os impulsos sociais são mais fortes e o indivíduo reage como no mundo real. Quanto mais fiel à realidade, mais intensa será a experiência do jogo.


A desvantagem é que os serious games são caros, podem custar de 30 000 a 150 000 reais, de acordo com Sunami Chum, diretor executivo da Aennova, empresa desenvolvedora de jogos. E, se não forem benfeitos, acabam abandonados pelo meio do caminho. A Souza Cruz gastou 150 000 reais, em 2009, para ensinar gestão de mudanças a gerentes — agora, o jogo passa por uma reformulação.

“O investimento é alto, mas o jogo pode ser aproveitado quantas vezes se desejar”, diz Diana Johnson, gerente de RH da fábrica de Cachoeirinha, que na época coordenava o programa. “Pode ser usado no processo seletivo, como reciclagem para os funcionários ou desenvolvimento de novos.” E quando se dilui o custo em várias turmas e pessoas, como fazem a Coca-Cola e o Sebrae, o investimento vale a pena. 

No Sebrae, cada participante do Desafio custa 50 reais. O retorno já foi medido: a última pesquisa, de 2008, mostra que 60% dos universitários formados tinham firme intenção de empreender e 34% já trabalhavam em negócios próprios. No Hospital Sírio-Libanês, Patrus também colheu bons resultados. No modelo tradicional de aula, 60% dos alunos conseguiam nota acima de 7.

Com o jogo, esse percentual chegou a 90%, dos quais 40% tiraram acima de 9. Após 60 dias, Patrus reaplicou o teste: a taxa de retenção de aprendizado continuou alta, com 87% das notas acima de 7. E mais: 97% dos participantes se disseram muito satisfeitos com o curso. “No fim das contas, o jogo fica barato.”

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