Streamers: as dificuldades da profissão e as novas formas de entrar no mercado (Getty Images/Reprodução)
Maria Eduarda Cury
Publicado em 12 de maio de 2020 às 14h36.
Última atualização em 12 de maio de 2020 às 15h01.
Em tempos de quarentena, o trabalho diretamente da própria casa acabou se tornando mais popular. Mas existe uma profissão que adotou esse formato muito antes de ser necessário: a profissão streamer.
Utilizando apenas seus computadores e uma câmera, os profissionais se comprometem a entregar, diariamente, livestreams sobre esporte eletrônico e videogames, podendo atrair milhares de pessoas por minuto para sua transmissão.
Somente na Twitch, principal plataforma da área, já são mais de 5 milhões de usuários cadastrados como produtores de conteúdo — chamados de streamers.
No Brasil, embora a área tenha se popularizado recentemente, a comunidade de streamers vem se consolidando desde o início da década, quando as lives pelo YouTube e pela Twitch começaram a aparecer — mas apenas como um passatempo ou uma segunda profissão.
Pulando para os dias atuais, o número de pessoas que optaram por ter a produção de conteúdo sobre games como sua profissão em tempo integral apenas cresceu, o que fez com que as plataformas desenvolvessem parcerias com veteranos no meio e abrissem espaço para os novatos.
Embora trabalhar de casa possa ser mais confortável, a jornada de trabalho dos streamers costuma ser maior do que o usual — podendo chegar a até 14 horas por dia, especialmente quando se trata de algum evento.
Em entrevista para a EXAME, a streamer JujuGamer, da Nimo.tv, comentou que precisou amadurecer bastante para se adaptar ao novo modo de trabalho: "Tive sim de mudar muito minha rotina, especialmente para me politizar sobre que horas devo parar de jogar. A única pessoa ali para me cobrar diariamente sou eu mesma".
A streamer, que trabalhava com vendas, trocou de profissão há cerca de seis meses. Ela conta que já participava de algumas transmissões de seus amigos, o que fez com que decidisse começar a jogar Grand Theft Auto V, o qual hoje é seu principal game. Juju já acumulou mais de 12.000 seguidores na plataforma e um público fiel, que a auxiliou a entrar na lista dos novos streamers da plataforma que estão em alta.
Mesmo com pouco tempo de plataforma, Juju acredita que conseguiu se encontrar e não pensa em voltar para o emprego antigo. "Um conselho que eu deixo para quem quer entrar na área é: seja você mesmo. O que atrai seguidores nesse meio é o carisma e a vontade de conhecer seu público, que é extremamente fiel e um dos pontos principais para o crescimento."
Além de Juju, outro streamer da Nimo.tv também parece estar vivendo a melhor fase de sua vida. Lucio dos Santos Lima, conhecido como "Cerol", é um dos jogadores de Free Fire mais conhecidos do país. Com mais de 1,3 milhão seguidores na plataforma, Cerol atrai de 10.000 a 20.000 espectadores a cada transmissão do game.
Antes de assinar com a plataforma, Cerol trabalhava para a Uber e estudava para se tornar policial — ele disse para a EXAME que era um caminho para tentar transformar sua vida. Mas depois de escutar seus amigos falando sobre o novo jogo da Garena, decidiu criar um canal no YouTube e postar clipes de suas partidas.
Desde então, a fama veio de forma crescente. Após cerca de duas semanas de canal, Cerol recebeu de uma fã um monitor e um teclado profissional, o que fez com que decidisse apostar totalmente na profissão. Começou a realizar as transmissões diariamente e, dois meses depois, foi contratado pela Nimo.tv para ser um streamer oficial da plataforma.
Sobre a mudança da rotina, Cerol comentou que o principal ponto deve ser a dedicação: "Conciliar a vida pessoal é bastante difícil quando se trabalha mais de 10 horas por dia — já cheguei a trabalhar 18 horas e ficar sem dormir. Administro meus canais e redes sociais sozinho, então é uma tarefa complicada e psicologicamente exaustiva, mas a vontade de estar a maior parte do tempo online interagindo com meu público é maior", disse o streamer.
Assim como Juju, Cerol acredita que seu sucesso se deu pela sua personalidade. De acordo com ele, antes de entrar na profissão, é importante saber que você precisa ser o mais verdadeiro possível — e, sendo assim, não irá agradar todo mundo. "O principal é conseguir se comunicar com seu público, entender o que ele espera de você e como entregar o além do esperado", completou Cerol.
Por mais cansativo que seja, o streamer acredita que a organização pessoal facilita a realização do trabalho, e considera o ato de "streamar" um talento que necessita de seriedade para funcionar.
Embora pareça o cenário dos sonhos, o número de horas trabalhadas e a remuneração ainda são uma questão — especialmente para os iniciantes, que precisam trabalhar o dobro para ter reconhecimento.
Em contrapartida, personalidades globalmente famosas já são milionárias devido aos jogos. De acordo com a Forbes, Tyler Blevins, conhecido como "Ninja", está no topo da lista, tendo feito 17 milhões de dólares em 2019 com comerciais e streams. Em seguida, Felix Kjellberg, o "PewDiePie", é o youtuber mais bem pago do mundo — Kjellberg fechou o ano de 2019 com 15 milhões de dólares.
Mas nem só de gameplays e personalidades da mídia vive a área. Percebendo o mercado que os games estavam criando, Bruno Oliveira Bittencourt, também conhecido por Bruno Playhard ou Bruno PH, criou a Loud, casa de streamers e jogadores que procuram uma inserção no meio. O produtor de conteúdo, que já havia tido experiência com games, percebeu que criar um ambiente como a Loud poderia facilitar para os streamers que estão começando.
Para a EXAME, Bruno declarou que o Free Fire foi a porta de entrada para seu projeto: "A ideia da Loud surgiu quando pensei que, com a minha experiência sobre as dificuldades de entrar no cenário, poderia auxiliar aspirantes aos campeonatos profissionais. E como o Free Fire estava se consolidando no país, ainda não havia nenhuma organização focada em jogos para celular. Como nenhum jogador era referência, juntamos algumas personalidades com potencial para ser os primeiros nomes da Loud — tanto influencers como jogadores profissionais", comentou o streamer.
Segundo Bruno, os contratados da Loud utilizam o ambiente para poder trabalhar tanto em seus próprios canais como no da empresa. Como cada streamer e jogador possui suas próprias parcerias, a cobrança individual é o mais importante.
Mas, como modelo inicial, Bruno incentiva os streamers a seguir o calendário da Loud: "Quando se trabalha com produção de conteúdo virtual, tirar uma semana de viagem, por exemplo, afeta negativamente seu público. Por isso, estabelecemos uma maneira de deixar os canais sempre movimentados — é necessário estar em pauta na internet quase sempre", acrescenta.
Como streamer e dono da Loud, Bruno acredita que começou a crescer quando entendeu que não almejava se tornar um jogador profissional.
De acordo com ele, existe espaço para diversos tipos de trabalho na área, e o investimento é um bom caminho: "Eu sempre gostei de fazer vários projetos paralelos e diferentes, e levei o jogo como uma diversão. Como os olhos estão abertos para o esporte eletrônico no Brasil, decidi investir em começar um time e uma organização que aproximasse os atletas e os influencers do público, de forma que o conteúdo foi se tornando uma parte bastante relevante", disse Bruno.
Conforme o cenário dos jogos eletrônicos cresce no Brasil, um ambiente melhor tanto para quem produz conteúdo como para quem assiste se torna necessário. E a relevância de nomes brasileiros no exterior, como Gaules, Rakin e Alanzoka, que estão entre os streamers mais vistos pela Twitch no mundo, e o interesse das marcas no mercado fazem com que o cenário seja tratado com mais seriedade.
E assim como Bruno, Cerol e Juju, milhares de pessoas estão migrando para o cenário competitivo ou casual e procuram um local no qual possam amadurecer e profissionalizar seu trabalho — que é um tipo de refúgio para os milhares de consumidores de seus produtos todos os dias.