Carreira

Tirando os obstáculos para as mulheres chegarem ao topo

Ao perceber que estão sendo deixadas de lado nas promoções, muitas mulheres desistem do emprego. Veja o que os gestores de RH estão fazendo para mudar esse quadro e criar um ambiente favorável para elas chegarem ao topo da empresa

Sonia Marques (Marcelo Spatafora)

Sonia Marques (Marcelo Spatafora)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 11h58.

São Paulo - A partir de 1o de janeiro de 2011, com a posse da presidente eleita, Dilma Rousseff, o cargo mais importante do Brasil será ocupado, pela primeira vez, por uma mulher. O fato histórico reflete a crescente presença das mulheres em todas as atividades, assumindo postos antes ocupados exclusivamente por homens. No entanto, apesar do avanço observado nas últimas décadas, não há dúvida de que ainda existe muita desigualdade entre os sexos.

No mundo corporativo, uma pesquisa da consultoria Catalyst mostra que, das 500 corporações listadas pela revista Fortune, menos de 3% têm presidentes do sexo feminino e somente 13,5% dos cargos mais altos são ocupados por mulheres. No Brasil, entre as 150 Melhores Empresas para Trabalhar de 2010 do Guia VOCÊ S/A-EXAME, as mulheres ocupavam apenas 23% dos cargos de gerência, 12% dos de diretoria e 7% dos de presidência.

É fato que alguns setores, como o automotivo, a indústria da construção e o petroquímico, são tipicamente masculinos. Antonio Carlos Morassutti, diretor de RH da fabricante de caminhões Volvo, diz que, num processo seletivo recente, dos 80 candidatos, só dois eram do sexo feminino. (Hoje, a Volvo tem 14% de empregadas em seu quadro.)

Mas o que justifica a escassez delas em todos os setores e companhias? Pesquisadores da Universidade do Estado de Oregon analisaram as contratações e as demissões das principais companhias listadas na bolsa de valores de Nova York e descobriram que elas se demitiram e foram demitidas proporcionalmente mais do que eles. Ao todo, 3,8% dos homens deixaram o emprego, ante 7,2% das mulheres. No Brasil, uma pesquisa realizada pela GFK para as revistas Exame e Você S/A revelou que 63% das executivas pretendiam deixar o emprego nos próximos dez anos.

“Lá pelos 38 anos, as mulheres começam a sair do mercado de trabalho”, diz a economista Regina Madalozzo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). “Elas percebem que não vão chegar ao cargo desejado, que estão sendo passadas para trás nas promoções e que precisam se dedicar muito mais do que os homens para ser reconhecidas. Por isso, desistem.”

Mas, ao contrário do que se imagina, elas desistem não para ficar em casa — a maioria decide abrir o próprio negócio. De acordo com o Global Entrepreneurship Monitor (índice global de análise de novos negócios), em 2009, as brasileiras ultrapassaram os homens em empreendedorismo. “O engraçado é que, quando abrem o negócio próprio, elas acabam trabalhando muito mais”, diz Regina. “A diferença é que elas fazem do seu jeito, no seu ritmo e para si mesmas.” O que comprova o problema nos ambientes corporativos.


Humanizar a empresa

“Uma organização com poucas mulheres no comando é mal desenhada”, afirma María Nuria Chinchilla, professora espanhola de comportamento humano da escola de negócios Iese e autora do livro La Mujer y Su Éxito (Editora Eunsa). “Quanto mais difícil a integração do sexo feminino numa estrutura social, seja empresa, seja país, menos humana e menos eficiente ela é. E mais danos provoca em todo o mundo.”

Algumas companhias perceberam a falta que as mulheres fazem. E tentam mudar a situação. Há dez anos, a unidade de produtos de consumo da Johnson & Johnson (J&J) precisou se reinventar. O mercado de varejo se globalizava, empresas multinacionais, como o Walmart, chegavam ao país e grandes atacadistas, como o Carrefour, expandiam suas lojas. Porém, da forma como a J&J estava organizada, ela não conseguia suprir os varejistas com seus produtos na velocidade adequada, e as vendas caíam.

Numa reunião de planejamento, a diretoria traçou planos de correção no curto e no longo prazo e criou grupos de trabalho para executar as ações. Na época, apenas homens participavam do comitê administrativo, apesar de a J&J fabricar absorventes femininos desde a década de 30. Dos seis diretores, só um era mulher. “Uma companhia muito masculina é dura demais”, diz Sonia Marques, então gerente de produto e hoje diretora de recursos humanos da área de produtos de consumo da J&J. “Era preciso encontrar uma forma de humanizá-la.” Sonia se integrou a um grupo de trabalho para melhorar a área comercial. Trabalhou com o RH, e daí nasceu seu elo com a gestão de pessoas. 

Para Sonia, o principal problema na retenção das mulheres é cultural. Na década de 70, elas chegaram ao mercado de trabalho para desempenhar funções “tipicamente femininas”, como as de secretária e professora. Antes da Constituição de 1988, as mulheres eram proibidas de fazer horas extras e trabalhos pesados por serem consideradas frágeis e delicadas. Só depois de 1988 elas tiveram direitos iguais aos dos homens, assegurados por lei.

Mas 20 anos é pouco para mudar a cabeça dos homens, que impregnaram as instituições com seu modo de gerir — uma forma, segundo a professora Nuria, rígida e mecanicista demais para elas. Até hoje, poucos executivos reconhecem que as funcionárias são prejudicadas no ambiente empresarial e, apesar de os números comprovarem a escassez de mulheres no poder, eles consideram que elas contam com oportunidades iguais.


Para mostrar como realmente estava a situação das mulheres e de idosos, negros e deficientes na Basf, a equipe de desenvolvimento social fez um censo com os funcionários do Brasil, Argentina, Colômbia e Chile. De posse dos dados, Ana Lúcia Suzuki Araujo, gerente de responsabilidade social, verificou que 25% dos funcionários são mulheres, três delas são diretoras (de 23 diretores) e duas, vice-presidentes (de sete). Descobriu ainda que apenas 4% dos líderes são negros — todos homens.

O levantamento mostrou que as mulheres, em média, têm grau de instrução superior ao dos homens. Enquanto 18% do grupo geral tem especialização ou MBA, esse índice sobe para 27% entre as mulheres. “Por que elas estudam mais e ocupam menos cargos de liderança?”, pergunta Ana Lúcia. Com esses dados, a executiva pretende trazer à tona comportamentos inconscientes e fazer os próprios gestores se questionarem.

Na J&J, Sonia também fez os gestores se perguntarem. Em 2000, quando decidiu colocar mais profissionais em altas funções, quase impôs uma meta para vencer a barreira cultural. Nada formalizado no papel, mas 20% das promoções deveriam beneficiar as mulheres. No começo, quando ela promovia uma moça, sempre questionavam se não seria melhor um moço.

“O risco de promover uma mulher ou um homem é o mesmo. Então, nós a bancamos.” No entanto, uma das primeiras moças a receber promoção na área comercial foi boicotada pelos colegas, que a viam como uma estranha na disputa do território. Sonia resolveu a questão demitindo os mais resistentes. “Se você faz o discurso e não o sustenta na prática, não adianta nada”, afirma. Nesse caso, o indicado é agir severamente contra as manifestações discriminatórias.

Bonitinhas e triviais

O medo da discriminação foi umas razões pelas quais Monica Longo, diretora de RH da Nivea, há dois anos tenta adotar sem sucesso uma gestão para mulheres. A fabricante de cosméticos tem 46% de funcionárias em seu quadro, e Monica as escuta reclamar que a quantidade de trabalho só aumenta, os projetos com a matriz tomam tempo demais, as reuniões são infindáveis.

“Mesmo as solteiras e sem filhos se queixam da falta de tempo para estudar ou visitar a mãe.” A equipe de RH pensou então em contratar uma escolinha e um motorista que poderia pegar as crianças e levá-las para a casa da avó. Também pensou em flexibilizar o horário de entrada e saída, reduzir a jornada e permitir o trabalho em casa. Porém, o departamento jurídico avisou que as ações poderiam gerar preconceito, os homens se sentiriam discriminados e processariam a Nivea, e a lei trabalhista proíbe mudanças na carga horária.


Às vezes, é preciso assumir riscos, afirma Henrique Adamczyk, diretor de pessoas do Boticário. “O jurídico sempre vai apontar problemas porque a lei é quadrada, mas o RH deve pesar os riscos versus o ambiente estimulante, que funcione como atração e retenção de talentos.” Creche, auxílio-babá ou escola, como oferecem o Hospital Albert Einstein, o Boticário e outras instituições, podem parecer banais, mas ajudam as mães que não têm com quem deixar as crianças.

A maioria das companhias segue duas linhas na gestão das funcionárias, segundo constatou a professora Angela Christina Lucas, da Fundação Instituto de Administração (FIA), e sua equipe, após analisar as práticas das 150 melhores empresas para trabalhar de 2009. Uma delas busca a valorização das diferenças; a outra, a dissolução. O problema é que a primeira pode gerar discriminação e a segunda é pouco usada. Grande parte das instituições nega as diferenças entre o funcionário feminino e o masculino; quando as aceitam, estereotipam. A mulher vem associada à figura de beleza, delicadeza, mãe, e as ações facilmente giram em torno de festas do Dia das Mães e salão de beleza.

Também são comuns práticas para facilitar o aleitamento, como fez a BV Financeira, que comprou bombinhas e colocou uma geladeira no Centro de Saúde para as mães tirarem o leite e amamentarem os filhos. Além disso, muitos RHs, como o da GE e do HSBC, ampliaram a licença-maternidade para seis meses, inclusive nos casos de adoção. 

Unidas, venceremos

Em suas operações no exterior, a J&J tenta melhorar as condições das mulheres desde 2001, quando criou o Women’s Leadership, programa que inclui curso nos Estados Unidos e encontros mundiais anuais para as funcionárias discutirem sobre carreira e trocarem experiências. Criar grupos de discussão é outra prática bastante adotada pelos RHs.

A GE, a Accenture e o Boticário fazem isso. Uma vantagem é o gestor de pessoas conhecer o que elas pensam; a outra é que elas podem se ajudar na trajetória profissional. Quando Sonia, da J&J, voltou do curso, começou a perguntar o que poderia ser diferente para as mulheres trabalharem e ter a flexibilidade necessária para ser boas mães, esposas, filhas. As profissionais, ela pensou, não deveriam sentir-se culpadas por sair do trabalho e ir até a creche para amamentar os filhos. Se a jornada fosse flexível, elas teriam menos problemas.


Alguns gestores optaram por flexibilizar o horário de trabalho, como os da Volvo e da consultoria Accenture. Hoje, a Accenture tem 31% de funcionárias (a meta é chegar a 35% em 2011). Elas (e os homens também) podem trabalhar em casa no esquema home office ou part-time (meio período em casa, meio no escritório). Na Volvo, há três anos, as executivas podem trabalhar em casa por oito meses depois do término da licença-maternidade. E, em 2010, o RH começou um programa de redução de jornada, com diminuição proporcional do salário. É um projeto piloto, inaugurado por Maria Consuelo Zétola de Atayde Guimarães, advogada sênior da Volvo.

Consuelo está há dez anos na empresa. Quando teve o primeiro filho, em 2007, seu chefe lhe propôs para ficar oito meses trabalhando em casa. Ela aceitou. Quando teve o segundo filho, em 2009, sentiu a sobrecarga de ser mãe de duas crianças, cuidar da casa, do marido, do emprego. “Eu estava entrando em colapso por não dar conta de tudo”, diz Consuelo. Então, em abril de 2010, ela entrou no programa de jornada reduzida: passou a trabalhar seis horas, em vez de oito. “Se a Volvo não tivesse dado esse apoio, eu teria procurado algo diferente.”

Quando as mulheres têm um filho, segundo Raquel Bossle, outra funcionária da Volvo adepta do home office, a carreira pode ser prejudicada, pois elas se sentem inseguras. Pensam em como vão colocar o filho no mundo e não vão cuidar dele, e em quem passará os valores para a criança. “Me sentia culpada”, ela conta. “Nunca parei de trabalhar, mas não julgo mal quem para, porque é heroico continuar.”

Claudia Pagnano, hoje vice-presidente comercial e de mercado da companhia aérea GOL, também pensou em abandonar a carreira quando teve filhos. “Depois de quatro meses de licença, achava que não conseguiria seguir como diretora de varejo de uma grande empresa. Faltava coragem para me demitir, mas estava quase pedindo para me mandarem embora.” Foi quando seu chefe lhe disse que ela poderia fazer como quiser, trabalhar em casa ou meio período, mas deveria continuar lá. “Essa é a grande sacada”, diz Claudia. “As companhias que conseguem convergir vida pessoal e profissional são as que conseguem manter as mulheres.”

Entretanto, dizem as executivas, existe outro problema na sua trajetória profissional: elas se sentem desamparadas e perdidas num ambiente tão masculino. Para resolver essa questão, as equipes de RH da Accenture e do HSBC nomearam mentores para as mulheres. Os executivos do HSBC acreditam que gerariam mais valor aos clientes se tivessem uma composição mista de talentos. Por isso, definiram como prioridade ter mulheres no comando, funcionários acima dos 50 anos e de raças diversas. 


Num ambiente de 23 000 funcionários, 51% são do sexo feminino e apenas 11% ocupam a alta liderança. Para melhorar o quadro, a diretora de RH, Vera Saicali, identificou 70 mulheres com condições de sair da base e ir para o topo. E convidou executivos do nível mais alto para apadrinhar a carreira das mulheres. A estratégia foi positiva para os dois lados, já que elas ganharam um direcionamento e os homens desmitificaram várias limitações. Por exemplo, aprenderam que algumas empregadas, ao contrário do que pensavam, aceitariam trabalhar em outra cidade se isso fosse benéfico para a carreira.

“A mulher também precisa fazer sua parte para não perder espaço”, diz Claudia Pagnano, vice-presidente da Gol. “Eu já deixei o Abílio Diniz falando sozinho quando ligaram da escola porque meu filho tinha caído do escorregador.” Para ela, a mulher deve desenvolver autoconfiança, segurança e ser autêntica.

Mulheres no poder

Na J&J, as funcionárias começaram a subir na carreira depois que a liderança foi envolvida. Sonia não precisou treinar os líderes nem definir mentores, apenas fazia uma simples pergunta: “O que você está fazendo pelas mulheres da sua equipe?”. Quando um funcionário era promovido, alguém do RH perguntava se só havia essa pessoa no processo seletivo e questionava sobre aquela moça que estava trabalhando em tal lugar. “A gente não impunha, mas criava uma situação de desconforto para ver se o diretor estava mesmo pensando naquilo.”

Para a gestão de mulheres dar certo, é preciso criar a cultura. E, para isso, são necessários fatos. Com o apoio da chefia, os fatos foram aparecendo. “Na medida em que a corporação nomeia uma mulßher como chefe do financeiro, ela dá sinais para o resto da equipe de que aquilo é importante”, diz Sonia. “Mesmo os que resistiam à ideia perceberam que teriam de mudar.” Hoje, o RH não pergunta mais o que o líder está fazendo pelas mulheres, pois a cultura já está incorporada. Agora, a unidade de produtos de consumo da J&J tem três homens e três mulheres no comitê executivo, o nível mais sênior da organização. E tem 60% de mulheres na diretoria.

Apesar da importância de políticas para valorizar as mulheres, os gestores de RH devem se lembrar de que a família e os filhos são importantes também para os homens. O certo, segundo a professora Nuria Chinchilla, não é o RH buscar ter mais mulheres no quadro, mas, sim, ser uma empresa familiarmente sustentável. 

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