Luiz Andreaza, da Vai Voando, em Heliópolis, São Paulo: venda de passagens aéreas sem avaliação de crédito (Omar Paixão / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 14 de junho de 2013 às 06h00.
São Paulo - As favelas brasileiras reúnem 12 milhões de pessoas, um contingente que faz delas o quinto estado brasileiro em população. Juntas, movimentam 56,1 bilhões de reais por ano, valor comparável ao PIB da Bolívia.
Os dados, levantados pelo Data Favela, parceria entre o instituto Data Popular e Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa), revelam o imenso e pouco explorado mercado consumidor dessas comunidades.
"Historicamente, as empresas olharam para as favelas com desinteresse, por enxergá-las como um lugar entregue aos bandidos, mas esse quadro vem mudando com a pacificação", diz Renato Meirelles, diretor do Data Popular. Ele ressalta que 65% da população das comunidades já se enquadra na classe média. "A classe C cresce mais nas favelas do que no Brasil", afirma Renato.
Algumas companhias se adiantaram e vêm colhendo os frutos da aproximação com esse mercado, que está criando oportunidades de trabalho para profissionais que entendem as necessidades desse segmento da população.
Inaugurada há dois anos, a agência de viagem Vai Voando — com 70 lojas instaladas em favelas e subúrbios — embarca 3.000 passageiros por mês e, neste ano, pretende inaugurar mais 50 lojas só no Rio, além de começar a operar em Belo Horizonte e Brasília.
Um dos segredos do sucesso da agência está na adaptação ao fato de que só 16% dos moradores das favelas possuem cartão, muitos deles com restrições ao crédito. Por isso, a Vai Voando criou um sistema pré-pago, que torna consultas a órgãos como SPC e Serasa desnecessárias.
"Depois que o cliente termina de pagar as prestações das passagens, que podem ser parceladas em até 12 vezes, emitimos o bilhete", diz Thomas Rabe, sócio-diretor da agência. "Menos de 1,5% dos clientes interrompe o pagamento."
Para chegar a esse formato, a Vai Voando contratou 16 profissionais com experiência em varejo e na chamada compra programada. “É um sistema diferente, porque nele não há avaliação de crédito, como no crediário”, diz Thomas.
Um desses profissionais é o atual gerente de marketing da companhia, Luiz Andreaza, de 32 anos. Com passagens pela Compra Certa — divisão de compra programada da Brastemp — e pelo Baú da Felicidade, do Grupo Silvio Santos, o executivo ajudou a implantar na Vai Voando um modelo de compras adequado ao jeito de pensar da clientela.
O preço da passagem aérea, por exemplo, já é apresentado com as taxas do aeroporto, para que o cliente saiba desde o começo o valor que vai pagar. “Esse consumidor odeia se sentir ludibriado. A venda não pode ter pegadinha”, diz Luiz.
A rede de lojas VestCasa, de produtos de cama, mesa e banho, com lojas nas favelas da Rocinha e Cidade de Deus, no Rio, e em Paraisópolis, na capital paulista, foi fundada em 2009. Em 2008, no auge da crise internacional, os fabricantes nacionais desses produtos disputavam avidamente o mercado doméstico.
Para fugir da guerra de preços, os irmãos Ahmad e Mohamad Yassin, donos de uma indústria têxtil em São Paulo, criaram a rede de lojas para as classes C e D — que não estavam no foco dos grandes magazines. De lá para cá, a VestCasa se transformou numa franquia e já soma 120 lojas.
"A maior vantagem de uma loja na favela é o foco total no nosso público-alvo. Numa loja no centro, entram consumidores A, B, C e D. Na comunidade, só entra o público que realmente se identifica com a nossa marca", afirma Ahmad.
O empresário recrutou profissionais que conhecem a fundo a nova classe média, como o administrador Eduardo Souza, de 31 anos, gerente comercial da rede. Antes, Eduardo havia trabalhado 17 anos na Pernambucanas, onde foi o gerente responsável pelos consumidores de perfis C e D.
Na época, encomendou de forma pioneira aos irmãos Yassin produtos de cama, mesa e banho em microfibra. "Nossa consumidora trabalha e cuida sozinha da casa, então precisa de um produto prático que, depois de lavado, nem precisa ser passado", explica Eduardo.
Nos próximos meses, as favelas devem se abrir ainda mais às empresas. Isso porque foi inaugurada em fevereiro a Favela Holding, projeto idealizado por Celso Athayde, que hoje é ex-Cufa, e pelo empresário mineiro Elias Tergilene, dono da rede Uai, de shoppings populares. O objetivo é intermediar a entrada de novas companhias nas comunidades, promovendo seu desenvolvimento.
Um dos primeiros resultados dessa parceria será a inauguração, em dezembro, de um shopping no Complexo do Alemão — o primeiro em uma favela. Toda mão de obra que vai trabalhar no empreendimento, de 20 milhões de reais, virá da comunidade, bem como 60% dos lojistas. "Queremos que o morador da favela vire patrão", diz Elias.
Na multinacional americana P&G, dez postos de trabalho foram criados desde 2011 dirigidos exclusivamente ao segmento das favelas. Um deles, o departamento de pesquisa de mercado, tem como missão estudar essas comunidades e identificar oportunidades de negócios.
Desses esforços resultaram ações como o patrocínio da Taça das Favelas — peneira que envolveu 80.000 jovens — e o Top Cufa, concurso de beleza que reuniu comunidades de todo o país.
Oportunidades também devem surgir na área de eventos, preenchendo o espaço deixado pelos bailes funk, proibidos nos morros pacificados.
Uma das iniciativas é o Jungle Favela, parceria com o Jungle Fight, conhecido evento de MMA. A ideia é revelar talentos e promover campeonatos nas comunidades. Já a GiPlanet, uma empresa italiana de eventos, vai oferecer capacitação em produção artística e cultural. "A favela já faz o Carnaval, o funk e os hits das rádios. Nós só vamos encaminhar esses talentos", afirma Elias.